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O artista alemão, Rugendas, viajando no Brasil em 1822-1825, retratou um capitão do mato montado a cavalo e puxando um cativo (também negro) com uma corda |
Considero meu irmão uma das grandes inteligências que tenho
o privilégio de conviver. Ele é lúcido, desapaixonado, racional, reservado,
espirituoso, sem contar que foi abençoado com essa inteligência rara e especial
capacidade de percepção e discernimento. E nestes tempos (difíceis) de eleição,
costumamos conversar muito e ele sempre aclara os pontos duvidosos que tenho em
relação às pesquisas que faço. Para chegar à conclusão que meu voto seria da
Dilma, há uma pesquisa que antecede a campanha pessoal. Fico satisfeita quando
minha conclusão bate com a dele.
Recentemente ele usou um termo que nunca tinha ouvido: Complexo
de Capitão do Mato. Só então – a partir da observação dele - fui pensar a respeito. Negro, empregado público da última categoria,
era encarregado de capturar os escravos fugitivos. Tinha que ser negro, porque,
sendo um deles, conhecia os hábitos, pensamentos, estratégias e esconderijos
dos escravos. Era um deles, mas tinha conseguido alçar um cargo e, para
mantê-lo, não se importava de negar a própria raça, espezinhá-la e,
principalmente, não deixá-la alçar ao seu “nobre” status. Esse sentimento conseguiu atravessar gerações
e ainda hoje estamos deparando com a figura do capitão do mato, disfarçada em
outras funções e classes, pois também independe da cor atual da pele. (Como
assim? Você já reparou naquele funcionário público que pega o cargo de chefia
de sua divisão? Prestou bastante atenção na maneira como ele age? Como protege
seu cargo? Com certeza, sofre do complexo de capitão do mato).
Hoje o complexo de capitão do mato pode ser observado no
sentimento corporativista, daqueles que batalham muito para chegar a um
determinado status. Quando conseguem
ultrapassar a porta, a primeira coisa que fazem é fechá-la para os que vem
depois. Afinal, ele ralou muito para chegar até ali. Enquanto quer chegar ele
reclama, mas depois que chega, faz exatamente a mesma coisa. Advogados que
passaram na OAB não concordam com a retirada do exame. Médicos que tiveram que
estudar sete anos para poder trabalhar, não apoiarão jamais “a facilidade” do
Mais Médicos. Jovens que estudam para passar no vestibular ou concursos sem
cotas, jamais vão aprovar o sistema de cotas para negros e pobres.
Quando o assunto é pobreza então, o complexo de capitão do
mato se manifesta como uma explosão de ódio. Agora qualquer um pode ter carro,
qualquer um pode viajar de avião, para o exterior!! (olha só que absurdo.
Perdeu toda a graça), qualquer um pode almoçar em restaurante, ir a shopping e
até usar roupa de marca. Como se explica esse ódio aos nordestinos? Pior, de
nordestinos aos nordestinos? De negros contra negros? Quem não se lembra dos
comentários a respeito do Joaquim Barbosa assim que começou o julgamento do
mensalão? E dos comentários já ao final do mensalão? Passou de protegido a
herói, pelos que eram contra petistas, e de competente a arrogante pelos que
eram petistas. E não faltou quem
afirmasse que ele fez o papel de capitão do mato ao condenar os mensaleiros ao
dobro da pena de Carlinhos Cachoeira.
O tempo muda e a história se repete. O cargo de capitão do
mato, para um escravo liberto, de acordo com o professor Nelson Rosa, "atendia
às demandas simbólicas de distinção social numa sociedade escravista", mas o que
de fato acontecia é que ele, apenas tinha a ilusão da dignidade de seu ofício e se sua suposta autoridade e prestígio de sua função o deixava acima dos escravos e dos
pobres livres - mesmo estando mais próximo do senhor do que da escravaria, mesmo
morando nas freguesias que atuavam, mesmo vivenciando o cotidiano de outras
comunidades -, nunca foi credencial para ser aceito pelos brancos e poderosos. Não tinha nenhum
prestígio social, era inimigo dos negros, e não tinha o respeito dos brancos,
mas achava que era superior.
Sempre foi a ralé, como hoje.
https://www.youtube.com/watch?v=albUp-4E1kU#t=48