segunda-feira, 29 de agosto de 2016

O Julgamento de Sócrates

Desconheço o autor da imagem

               
Diante do tribunal popular, Sócrates é acusado pelo poeta Meleto, pelo rico curtidor de peles, influente orador e político Anitos, e por Licão personagem de pouca importância. A acusação era grave: não reconhecer os deuses do Estado, introduzir novas divindades e corromper a juventude. O relato do julgamento feito por Platão (428-348 a.C.) a Apologia de Sócrates, é geralmente tido como bastante fiel aos fatos e apresenta-se dividido em três partes. Na primeira, Sócrates examina e refuta as acusações que pairam sobre ele, retraçando sua própria vida e procurando mostrar o verdadeiro significado de sua "missão". E proclama aos cidadãos que deveriam julga-lo: "Não tenho outra ocupação senão a de vos persuadir a todos, tanto velhos como novos, de que cuideis menos de vossos corpos e de vossos bens do que da perfeição de vossas almas, e a vos dizer que a virtude não provém da riqueza, mas sim que é a virtude que traz a riqueza ou qualquer outra coisa útil aos homens, quer na vida pública quer na vida privada. Se, dizendo isso, eu estou a corromper a juventude, tanto pior; mas, se alguém afirmar que digo outra coisa, mente". Noutro momento de sua defesa, Sócrates dialoga com um de seus acusadores, Meleto, deixando-o embaraçado quanto ao significado da acusação que lhe imputava - "corromper a juventude". Demonstra que estava sendo acusado por Meleto de algo que o próprio Meleto não sabia bem explicar o que era, já não conseguia definir com clareza o que era bom e o que era mau para os jovens.
Em nenhum momento de sua defesa - segundo relato platônico - Sócrates apela para a bajulação ou tenta captar a misericórdia daqueles que o julgavam. Sua linguagem é serena - linguagem de quem fala em nome da própria consciência e não reconhece em si mesmo nenhuma culpa. Chega a justificar o tom de sua autodefesa: "Parece-me não ser justo rogar ao juiz e fazer-se absorver por meio de súplicas; é preciso esclarecê-lo e convence-lo". Embora a demonstração pública da inconsistência dos argumentos de seus acusadores e embora a tranqüila e reiterada declaração de inocência - e talvez justamente por mais essas manifestações de altaneira independência de espírito -, Sócrates foi condenado. Mesmo para uma democracia como a ateniense, ele era uma ameaça e um escândalo: a encarnação, para a mentalidade vulgar, do "escândalo filosófico" que, ali mesmo em Atenas, acarretara a perseguição de Anaxágoras de Clazômena, que se viu obrigado a fugir.
Como era de praxe, após o veredicto da condenação, Sócrates foi convidado a fixar sua pena. Meleto havia pedido para o acusado a pena de morte. Mas seria fácil para Sócrates salvar-se: bastava propor outra penalidade, por exemplo pagar uma multa, como chegaram a lhe sugerir os amigos. Afinal, fora difícil obter um veredicto de culpabilidade: havia sido condenado por uma margem de apenas sessenta votos. Qualquer pena moderada que ele mesmo propusesse seria certamente acatada com alívio por aquela assembléia constrangida por condenar um cidadão que, apesar de suas excentricidades e de suas atitudes muitas vezes irreverentes e incomodas, apresentava aspectos de indiscutível valor. Afinal, era aquele o Sócrates que não se havia deixado corromper pelos tiranos, inimigos da democracia, e que lutara bravamente na guerra por sua cidade e por seu povo. Bastava que declarasse estar disposto a pagar algumas moedas - e todos sairiam dali satisfeitos consigo mesmos, por terem cumprido o "dever" de punir um cidadão suspeito de atividades nocivas a cidade, e mais contentes ainda por se sentirem magnânimos, ao permitirem que continuasse vivendo.
Mas Sócrates não faz concessões. Propor-se a cumprir qualquer pena, mesmo pagar uma multa, por menor que fosse, seria aceitar a culpa de que não o acusava a própria consciência. Na segunda parte da Apologia, Platão descreve o momento em que, novamente diante de seus juízes, Sócrates estabelece a pena que julgava merecer. Nem exílio, nem multa. "Ora, o homem (Meleto) propões a sentença de morte. Bem; e eu, que pena vos hei de propor em troca, Atenienses? A que mereço, não é claro? Qual será? Que sentença corporal ou pecuniária mereço, eu que entendi de não levar uma vida quieta? Eu que, negligenciando o de que cuida toda gente - riquezas, negócios, postos militares, tribunas e funções públicas, conchavos e lutas que ocorrem na política, coisas em que me considero de fato por demais pundonoroso para me imiscuir sem me perder -, não me dediquei àquilo a que, se me dedicasse, haveria de ser completamente inútil para vós e para mim? Eu que me entreguei à procura de cada um de vós em particular, a fim de proporcionar-lhe o que declaro o maior dos benefícios, tentando persuadir cada um de vós a cuidar menos do que é seu do que de si próprio, para a ser quanto melhor e mais sensato, menos dos interesses do povo que do próprio povo, adotado o mesmo princípio nos demais cuidados? Que sentença mereço por ser assim? Algo de bom, Atenienses, se há de ser a sentença verdadeiramente proporcionada ao mérito; não só, mas algo de bom adequado a minha pessoa. O que é adequado a um benfeitor pobre, que precisa de lazeres para vos viver exortando? Nada tão adequado a tal homem, Atenienses, como ser sustentado no Pritaneu; muito mais do que a um de vós que haja vencido, nas Olimpíadas, uma corrida de cavalos, de bigas ou quadrigas. Esse vos dá a impressão da felicidade; eu, a felicidade; ele não carece de sustento, eu careço. Se, pois, cumpre que sentenciam com justiça e em proporção ao mérito, eu proponho o sustento no Pritaneu."
Sócrates não deixava saída para seus juízes. Ou a pena de morte, pedida por Meleto, ou ser alimentado no Pritaneu, enquanto fosse vivo, como herói ou benemérito da cidade. Impossível voltar atrás, desfazer a condenação, inocentar o acusado. Entre a morte e as impossíveis recompensas, ou juízes ficaram sem alternativa real. Para não abrir mão de sua própria consciência, Sócrates optara pela morte. Que então morresse.



Immanuel Kant, Introdução à crítica do juízo. 2 ed, [Tradução Rubens Rodrigues Torres Filho], São Paulo: Abril Cultural, 1984 (Os Pensadores) 

sexta-feira, 19 de agosto de 2016

A velha do rio

2005
Marley Costa Leite

James Abbot McNeill Whistler
Pela primeira vez, em mais de quarenta anos, Maria se arrisca a atravessar as águas cristalinas do rio, para ver o que realmente existia na outra margem. Eram muitas lendas passadas de boca em boca desde a sua infância. A travessia já lhe remexia as entranhas e traziam à tona todo tipo de lembrança, de antigos amores, alguns que morreram naquelas mesmas águas, de um piquenique num domingo à tarde, quando duas amigas foram tragadas ao mesmo tempo. O rio não era largo, mas de águas frias e profundas.
Maria chega à outra margem quase morrendo de frio. Não tem como se aquecer, a roupa molhada grudada em seu corpo faz com que a sensação de frio seja aumentada. As extremidades, mãos, pés e nariz estão doloridos e ela mal consegue se movimentar. Coloca-se a caminhar, quem sabe encontra alguém ou algum lugar para se recuperar antes de iniciar seu caminho de volta.
Uma das muitas lendas que existia sobre o lugar é que ali morava uma bruxa malvada, que atraía as crianças que brincavam no rio e as transformava em escravas. Maria ri com as lembranças. Já estava muito grande para acreditar em histórias de bruxas e até de fadas.

A mata que margeia o rio é fechada e escura, ouve-se o som de muitos animais, pássaros, mas que ela não consegue identificar a origem. Ela caminha, dividida entre o sentimento de arrependimento e de curiosidade, até chegar a uma clareira que tem uma choupana.
- É verdade, pensa ela, a bruxa do rio existe. E agora o que faço?
Pensa em voltar correndo, mas uma voz a torna estática.
- O que aconteceu filha? Você está tremendo, com os lábios roxos...
- Estou com frio. E também estou com medo.
- Meu nome é Batica. Moro aqui há muitos anos e sei que do outro lado do rio existem muitas histórias a meu respeito, mas não tenha medo. Eu estava mesmo esperando que você viesse até aqui, há muito tempo.
- Como? A senhora me conhece?
- Conheço os segredos do tempo e do espaço. Mas venha, você está ardendo em febre. Deixe-me cuidar de você.

Maria entra com dona Batica no casebre e se encanta com o que vê. Tudo muito simples, muito pobre, mas extremamente limpo e organizado. Ela pede que Maria tire a roupa e se deite na cama, enquanto prepara umas ervas. Maria não sente forças para recusar qualquer pedido, mas tem uma estranha sensação de segurança e deixa a situação fluir sem a sua racionalidade.

Dona Batica cobre todo seu corpo com as folhas e, apesar de estarem em infusão na água quente, a sensação de frio aumenta e Maria não consegue parar de tremer. Depois ela pega um plástico e um cobertor e coloca sobre Maria. Senta-se a um canto com um tambor e batendo um ritmo harmônico, entoa algo que mais se parece com um lamento indígena. Começa se aquecer e se entrega àquele aconchego, sente que vai adormecer. Desperta, não sabe quanto depois. Está revigorada, não se lembra de muita coisa naqueles três dias, apenas que teve muitos sonhos, alguns feios, outros lindos. Procura por dona Batica, quer agradecer-lhe, mas não encontra qualquer vestígio. Nem tambor, nem folhas no seu corpo, apenas o casebre, nem tão limpo, nem tão organizado. Chama-lhe atenção um detalhe que não observara quando chegou. Tem um lindo jardim de lírios muito brancos na frente. Delírios? Que importa? Aquele era o descanso que há muito ela precisava, esgotava-se de suas angústias, enchia-se de novo de esperança. Levanta-se, veste as roupas que já estão secas e inicia seu caminho de volta.

sexta-feira, 22 de julho de 2016

E o Futuro? Como Será?



















Às  vezes a gente fica apavorada com o que pode vir, claro! Mas esse não será o mundo que viverei, é o mundo de meus filhos, netos e toda minha descendência. E será melhor, com certeza será melhor. Nesse texto que reproduzo fala das oportunidades de negócio e empregos, mas tenho certeza que com tantas mudanças essenciais essa relação também se alterará. Vamos ao texto:

Caso V. não tenha percebido: A 4ª. REVOLUÇÃO INDUSTRIAL ESTÁ EM CURSO. Udo Gollub em Messe Berlin- (Conferência da Universidade da Singularidade)

Em 1998, a Kodak tinha 170.000 funcionários e vendeu 85% de todo o papel fotográfico vendido no mundo. No curso de poucos anos, o modelo de negócios dela desapareceu e eles abriram falência. O que aconteceu com a Kodak vai acontecer com um monte de indústrias nos próximos 10 anos – e a maioria das pessoas não enxerga isso chegando. Você poderia imaginar em 1998 que 3 anos mais tarde você nunca mais iria registrar fotos em filme de papel? No entanto, as câmeras digitais foram inventadas em 1975. As primeiras só tinham 10.000 pixels, mas seguiram a Lei de Moore. Assim como acontece com todas as tecnologias exponenciais, elas foram decepcionantes durante um longo tempo, até se tornarem imensamente superiores e dominantes em uns poucos anos. O mesmo acontecerá agora com a inteligência artificial, saúde, veículos autônomos e elétricos, com a educação, impressão em 3D, agricultura e empregos.

Bem-vindo à 4ª Revolução Industrial

O software irá destroçar a maioria das atividades tradicionais nos próximos 5-10 anos.
O UBER é apenas uma ferramenta de software, eles não são proprietários de carros e são agora a maior companhia de táxis do mundo. A AIRBNB é a maior companhia hoteleira do mundo, embora eles não sejam proprietários. Inteligência Artificial: Computadores estão se tornando exponencialmente melhores no entendimento do mundo. Neste ano, um computador derrotou o melhor jogador de GO do mundo, 10 anos antes do previsto. Nos Estados Unidos, advogados jovens já não conseguem empregos. Com o WATSON, da IBM, V. pode conseguir aconselhamento legal (por enquanto em assuntos mais ou menos básicos) dentro de segundos, com 90% de exatidão se comparado com os 70% de exatidão quando feito por humanos. Por isso, se V. está estudando Direito, PARE imediatamente. Haverá 90% menos advogados no futuro, apenas especialistas permanecerão.
O WATSON já está ajudando enfermeiras a diagnosticar câncer, quatro vezes mais exatamente do que enfermeiras humanas. O FACEBOOK incorpora agora um software de reconhecimento de padrões que pode reconhecer faces melhor que os humanos.
Em 2030, os computadores se tornarão mais inteligentes que os humanos.

Veículos autônomos: em 2018 os primeiros veículos dirigidos automaticamente aparecerão ao público. Ao redor de 2020, a indústria automobilística completa começará a ser demolida. Você não desejará mais possuir um automóvel. Nossos filhos jamais necessitarão de uma carteira de habilitação ou serão donos de um carro. Isso mudará as cidades, pois necessitaremos 90-95 % menos carros para isso. Poderemos transformar áreas de estacionamento em parques. Cerca de 1.200.000 pessoas morrem a cada ano em acidentes automobilísticos em todo o mundo. Temos agora um acidente a cada 100.000 km, mas com veículos auto-dirigidos isto cairá para um acidente a cada 10.000.000 de km. Isso salvar&aacut e; mais de 1.000.000 de vidas a cada ano. A maioria das empresas de carros poderão falir. Companhias tradicionais de carros adotam a tática evolucionária e constroem carros melhores, enquanto as companhias tecnológicas (Tesla, Apple, Google adotarão a tática revolucionária e construirão um computador sobre rodas. Eu falei com um monte de engenheiros da Volkswagen e da Audi: eles estão completamente aterrorizados com a TESLA. 

Companhias seguradoras terão problemas enormes porque, sem acidentes, o seguro se tornará 100 vezes mais barato. O modelo dos negócios de seguros de automóveis deles desaparecerá. Os negócios imobiliários mudarão. Pelo fato de poderem trabalhar enquanto se deslocam, as pessoas vão se mudar para mais longe para viver em uma vizinhança mais bonita. Carros elétricos se tornarão dominantes até 2020. As cidades serão menos ruidosas porque todos os carros rodarão eletricamente.

A eletricidade se tornará incrivelmente barata e limpa: a energia solar tem estado em uma curva exponencial por 30 anos, mas somente agora V. pode sentir o impacto. No ano passado, foram montadas mais instalações solares que fósseis. O preço da energia solar vai cair de tal forma que todas a s mineradoras de carvão cessarão atividades ao redor de 2025. Com eletricidade barata teremos água abundante e barata. A dessalinização agora consome apenas 2 quilowatts/hora por metro cúbico. Não temos escassez de água na maioria dos locais, temos apenas escassez de água potável. Imagine o que será possível se cada um tiver tanta água limpa quanto desejar, quase sem custo.

Saúde: O preço do Tricorder X será anunciado este ano. Teremos companhias que irão construir um aparelho médico (chamado Tricorder na série Star Trek) que trabalha com o seu telefone, fazendo o escaneamento da sua retina, testa a sua amostra de sangue e analisa a sua respiração (bafômetro). Ele então analisa 54 bio-marcadores que identificarão praticamente qualquer doença. Vai ser barato, de tal forma que em poucos anos cada pessoa deste planeta terá acesso a medicina de padrão mundial praticamente de graça.

Impressão 3D: o preço da impressora 3D mais barata caiu de US$ 18.000 para US$ 400 em 10 anos. Neste mesmo intervalo, tornou-se 100 vezes mais rápida. Todas as maiores fábricas de sapatos começaram a imprimir sapatos 3D. Peças de reposição para aviões já são impressas em 3D em aeroportos remotos. A Estação Espacial tem agora uma impressora 3D que elimina a necessidade de se ter um monte de peças de reposição como era necessário anteriormente. No final deste ano, os novos smartphones terão capacidade de escanear em 3D. Você poderá então escanear o seu pé e imprimir sapatos perfeitos em sua casa. Na China, já imprimiram em 3D todo um edifício completo de escritórios de 6 andares. Lá por 2027, 10% de tudo que for produzido será impresso em 3D.

Oportunidades de negócios: Se V. pensa em um nicho no qual gostaria de entrar, pergunte a si mesmo: “SERÁ QUE TEREMOS ISSO NO FUTURO?” e, se a resposta for SIM, como V. poderá fazer isso acontecer mais cedo? Se não funcionar com o seu telefone, ESQUEÇA a ideia. E qualquer ideia projetada para o sucesso no século 20 estará fadada a falhar no século 21.

Trabalho: 70-80% dos empregos desaparecerão nos próximos 20 anos. Haverá uma porção de novos empregos, mas não está claro se haverá suficientes empregos novos em tempo tão exíguo. 

Agricultura: haverá um robô agricultor de US$ 100,00 no futuro. Agricultores do 3º mundo poderão tornar-se gerentes das suas terras ao invés de trabalhar nelas todos os dias. A AEROPONIA necessitará de bem menos &aacu te;gua. A primeira vitela produzida “in vitro” já está disponível e vai se tornar mais barata que a vitela natural da vaca ao redor de 2018. Atualmente, cerca de 30% de todos as superfícies agriculturáveis são ocupados por vacas. Imagine se tais espaços deixarem se ser usados desta forma. Há muitas iniciativas atuais de trazer proteína de insetos em breve para o mercado. Eles fornecem mais proteína que a carne. Deverá ser rotulada de FONTE ALTERNATIVA DE PROTEÍNA. (porque muitas pessoas ainda rejeitam ideias de comer insetos). 

Existe um aplicativo chamado “moodies” (estados de humor) que já é capaz de dizer em que estado de humor você está. Até 2020 haverá aplicativos que podem saber se você está mentindo pelas suas expressões faciais. Imagine um debate político onde estiverem mostrando quando as pessoas estão dizendo a verdade e quando não estão.

O BITCOIN (dinheiro virtual) pode se tornar dominante este ano e poderá até mesmo tornar-se em moeda-reserva padrão. Longevidade: atualmente, a expectativa de vida aumenta uns 3 meses por ano. Há quatro anos, a expectativa de vida costumava ser de 79 anos e agora é de 80 anos. O aumento em si também está aumentando e ao redor de 2036, haverá um aumento de mais de um ano por ano. Assim possamos todos viver vidas longas, longas, possivelmente bem mais que 100 anos.

Educação: os smartphones mais baratos já estão custando US$ 10,00 na África e na Ásia. Até 2020, 70% de todos os humanos terão um smartphone. Isso significa que cada um tem o mesmo acesso à educação de classe mundial. Cada criança poderá usar a academia KHAN para tudo o que uma criança aprende na escola nos países de Primeiro Mundo.

quarta-feira, 13 de julho de 2016

Entrevista de Lula ao Libération


O ex-presidente brasileiro, o mais popular da história contemporânea do país, retorna para falar sobre a ameaça de impeachment Dilma Rousseff, a Petrobras ou os Jogos de agosto. Hoje com 70 anos, ele poderá ser candidato em 2018.

 Lula: "A política é a arte do impossível"

"Eu vou colocar meus óculos para me dar um ar de sociólogo ou um cientista político." Lula, o filho pobre que não terminou sua educação, em tom de ironia, oferece a outra face.  Afável e descontraído, o ex-presidente do Brasil (2003-2011) recebeu o Liberation  na sede  do instituto que leva seu nome, em São Paulo. Enquanto seu partido passa por crises, a sua protegido Dilma Rousseff está ameaçada de impeachment e a sua própria imagem é golpeada, que também envolve Lula, por seu carisma. (Algo como, o carisma de Lula ser o culpado por tudo que acontece)

Estamos em mês da abertura dos Jogos Olímpicos.
Quais são as suas expectativas?

Estou certo de que o Rio e o Brasil mais uma vez vai encantar os milhares de estrangeiros que vem, graças à receptividade de nosso povo e a qualidade do que foi construído para a competição. Nossos atletas estão muito motivados também. Eu cruzo meus dedos todos os dias para que não haja incidente.

Que tipo de incidente?

Segurança. Eu não acho que há ameaça terrorista no Brasil. É um país fraterno e pacífico. Mas quero a certeza de que todas as precauções sejam tomadas.

Em dois anos - e graças ao seu governo - o Brasil recebeu as duas competições principais, a Copa do Mundo de futebol de 2014 e os Jogos Olímpicos. Qual foi o seu cálculo diplomático?

O Brasil deve agir como um grande país capaz de organizar tais eventos. Porque, podemos ter falhas, mas estas competições são uma oportunidade para fazer propaganda do país, embora os eventos também abram nossos olhos para os nossos problemas. Isso não deve nos assustar, não tente esconder o nosso pobre, removê-los da rua, como alguns [referindo-se à cidade de Rio que desalojou as favelas, oficialmente, para abrir caminho para obras olímpicas]. O governo não teve uma participação decisiva para trazer a Copa do mundo no Brasil. FIFA e a Confederação Brasileira de Futebol concordaram com ele. Foi a vez da América Latina para organizar [de acordo com o sistema de rotação Fifa]. Era importante que a Copa do Mundo voltasse para casa, que venceu cinco vezes e nunca tinha mais organizado desde 1950.

Para os Jogos Olímpicos, no entanto, o governo correu ...

Sim. O Brasil já tinha perdido três vezes [Brasil já tinha concorrido para os Jogos Olímpicos em 2000 e Rio para o 2004 e 2012]. Desta vez, ele tinha que vencer. Toda vez que ele via Celso Amorim [ministro das Relações Exteriores e eminência parda da política externa de Lula] falava. Eu mesmo queria falar pessoalmente com muitos líderes estrangeiros, especialmente da América Latina, da Ásia e África, pedindo-lhes para votar no Rio. Brasil vivia em 2009 uma história fase excepcional. Era uma espécie de tosse convulsa. Nossa economia estava crescendo, nós queríamos ser o sexto do mundo. O mundo começou a acreditar em nós. Mesmo assim, vencer cidades como Chicago, Madri e Tóquio não foi fácil. Alguns até disseram que seria impossível. A vitória de Rio estava em movimento, sem precedentes. Este foi um dos dias mais importantes da minha vida. Eu vi a cena em Copacabana, o povo chorar de alegria. Foi extraordinário.

Mas havia outras prioridades para um país ainda em desenvolvimento?

Isto significaria que os Jogos Olímpicos e a Copa do Mundo não poderiam ser conquistados nos Estados Unidos, a França ou a Alemanha! Agora sua roupa não pode ser exclusiva para os países ricos, que também deve fornecer assistência financeira aos países pobres para receber estes grandes eventos. Estes são uma oportunidade para desenvolver o país que vai receber os investimentos, para iniciar novos projetos. Ganhar os Jogos Olímpicos foi incrível para o Brasil, precisamente porque há mais a fazer. Fomos capazes de iniciar os investimentos que não teriam sido feitos de outra forma.

Que legado os Jogos Olímpicos vão deixar? 

Eles vão deixar um legado para o Rio extraordinário, infra-estrutura e legado esportivo e transporte. É importante não só pela competição, mas o património construído beneficia toda a população. O governo federal colocou um monte de dinheiro nas Olimpíadas. Portanto, há uma grande ingratidão por parte do prefeito do Rio, Eduardo Paes, no que diz respeito à presidente Dilma Rousseff, ele defende o impeachment.

O Brasil está passando por uma profunda crise, económica, social, política e moral. Como o seu partido está no poder durante os últimos treze anos, ele assume a responsabilidade?

A crise está em todos os lugares, o Brasil poderia ser poupado. Os Estados Unidos não têm a taxa de crescimento econômico esperado. China desacelera. Europa está em crise por causa da Brexit e refugiados. Ninguém quer receber os pobres. No entanto, é o que os países ricos fomentam,  guerras e fazer bombas. Estes países, que sempre defenderam o livre comércio, foram os primeiros em 2009 a colocar barreiras protecionistas quando a questão era a liberalização do comércio para lutar contra os efeitos da crise financeira. A crise no mundo também é de natureza moral, não apenas econômica ou política. No Brasil, há um processo de luta contra a corrupção [a chamada investigação "Lava Jato" ou "Expresso Wash" na gigante Petrobrás para o benefício de partidos políticos] que o nosso governo tem promovido. Para nós, os que mais investimos na formação e independência da Polícia Federal e na instância de controle CGU [Controladoria-Geral da União]; nós, somos os que sofremos com a autonomia que demos à acusação, além do que é permitido nos termos da Constituição. A minha única crítica é que a justiça às vezes parece mais preocupada em fazer as manchetes do que investigar adequadamente. Mesmo se a pessoa é inocentada, em última instância pelos tribunais, já foi condenada pela opinião pública.

Economicamente, o que erros cometeu?

Após o primeiro mandato de Dilma Rousseff [reeleito final de 2014], o desemprego era ainda baixo [6,5% no período, contra 11,2% no final de abril]. Ela tinha conseguido manter o emprego, ao mesmo tempo manteve as políticas sociais. Mas ela tinha que continuar investindo. Agora, os caixas estavam vazios. Dilma reconhece que a sua política de isenções fiscais para as empresas, que reduziu as receitas fiscais do Estado, foi longe demais. Entre 2011 e 2015, o estado abriu mão de cerca de 500 bilhões de receita reais (138 mil milhões de euros). E foi extremamente grave, sem pedir nada em troca para os empregadores. O investimento necessário para criar empregos não foi realizado. A partir da reeleição de Dilma, houve uma forte crise política paralisou a economia. Os patrões perderam a confiança, os bancos passam a emprestar mais. Dilma não conseguiu a aprovação do Parlamento para medidas que acreditava necessárias. Para equilibrar as contas, ela tentou cortar despesas, mas o Parlamento foi em sentido inverso, aprovando leis para aumentá-los! Parlamento parecia apostar na crise até surgir a ideia de [ "putsch" ou "scam"] golpe ...

Michel Temer, agora presidente interino, é um golpe?

O Parlamento deu o primeiro passo do golpe ao declarar admissível a denúncia contra Dilma [ela é acusada de ter aumentado os gastos em 2015 sem a aprovação do Congresso e adiado os pagamentos a bancos públicos para esconder a extensão do déficit orçamentário]. Tornou-se então evidente que esta foi uma decisão puramente política, porque a vítima não cometeu "crimes de responsabilidade", necessários para iniciar um processo de impeachment.
Em um sistema parlamentarista, retirar a confiança do governo seria aceitável. Mas no nosso sistema presidencialista não é possível. Foi então a vez do Senado passar para a segunda fase do golpe, concordando em julgar alguém que não tinha cometido um crime de responsabilidade. A partir daí, Dilma foi suspensa enquanto o  julgamento estiver pendente. Ou seja, quando chegou o golpe de Michel Temer. É constitucional, ele sabe que não há crime de responsabilidade. Como presidente interino, ele deveria manter os ministros da Dilma e simplesmente coordenar as políticas que já estavam no lugar. Agora, ele age como se o processo de impeachment já estivesse concluído, demite até o menino que servia café para o ministro de Finanças.  É como se você me emprestasse sua casa para as férias e quando você voltasse, eu teria vendido. Como se Dilma não fosse mais presidente (ou não fosse voltar). Como se Temer nunca tivesse feito parte do seu governo, quando ele foi seu vice-presidente por cinco anos. Ele participou de reuniões, ele discutiu com a presidente, com os ministros. E hoje, parece alguém de fora que vem para desfazer tudo. Ele estava muito ansioso, ele deveria ter sido mais cuidadoso. Muito ainda pode acontecer.

Então você acha possível o  retorno de Dilma?

Se eu não acreditasse eu não faria política. O procedimento permite que o seu regresso [12 de maio, o Senado suspendeu a presidente por um período de seis meses, mas pode retomar as suas funções se for inocentada]. Dilma depende apenas de seis votos [para escapar do impeachment]. Não é difícil encontrar.

Mas se se trata de poder, os adversários deixariam governar?

A política é a arte do impossível. Eu acredito na democracia, na capacidade de persuasão. Para o Brasil recuperar a sua credibilidade no mundo, temos que restaurar o mandato de quem  foi democraticamente eleito por 54 milhões de brasileiros.

Você se arrepende de ter indicado a Dilma, como afirmou o ex-presidente José Sarney em uma interceptação?

Sarney me chamou para negar. Não só teria indicado Dilma, mas eu a indiquei novamente para ser reeleita e  não me arrependo. É uma companheira de alto valor, de alta qualidade. Eu ajudei a ser eleita e reeleita. Eu confio nela. Quando governamos, as decisões que tomamos nem sempre alcançam seu objetivo. Desde o início, eu disse que o sucesso seria meu e que seu fracasso seria também a meu

E, como ela falhou, falhou também ...

Não podemos dizer que falhou porque não foi capaz de completar o seu mandato. Ainda está faltando três anos, ela poderia ter feito muitas coisas. Desde o meu tempo de sindicalista, eu digo que quero ser julgado no último dia do meu mandato. Em 2006, no final do meu primeiro mandato, alguns disseram que eu não seria reeleito. Mas eu tive 62% dos votos. Meu segundo mandato foi infinitamente melhor do que o primeiro. Eu terminei com 87% a favor e apenas 3% de opiniões adversas isso nunca foi visto na história do país. Até mesmo meus adversários reconhecem.
No final de seu primeiro mandato, Dilma foi julgada por eleitores que a reelegeram, apesar dos ataques da imprensa e das elites políticas e econômicas. Ela estava tentando reanimar a economia. Se as medidas de austeridade propostas eram boas ou não é uma história diferente. Ela tentou. Mas os partidos que estão no governo hoje se comportaram de forma irresponsável, eles não a deixaram governar. Eles se aproveitaram da má situação política e da crise econômica, anularam ações  porque tinham medo do sucesso. Ela poderia ter tido êxito, ela poderia ter que eleger alguém para suceder a si mesma.

Você será candidato em 2018?

Vamos ver. Eu tenho 70 anos de idade. A idade é implacável. Eu tenho que ver em que condição eu estou. Até então, eu espero as jovens esperanças da política emergir. Eu fui presidente. Mas se há um risco de desafio para as nossas políticas sociais, vou me candidatar.

E este risco existe?

Sim. O Brasil precisa entender que os pobres são a solução para nossos problemas econômicos. Se você dá US $ 100 para um pobre, ele não vai deixá-los no banco, não vai investir em títulos do Tesouro. Ele irá correr para o supermercado para comprar comida. Isso é o que nós fizemos com o "Bolsa Família", o crédito para a agricultura familiar e programa de micro-empresário individual [para permitir que os trabalhadores independentes para regularizar a sua atividade]. Quando você colocar um pouco de dinheiro nas mãos da maioria, estimula o comércio e levanta a indústria, que estimula o desenvolvimento. Não há necessidade de ser um economista para saber essas coisas. Além disso, este é o que o économistessavent os moins. Eles preferem se concentrar no que eles acham que o FMI ou o Banco Mundial querem.  A crise vai diminuir apenas quando for entendido que a Microeconomia forte é a base da macroeconomia saudável. Mas se cortarmos nas despesas públicas, reduzindo salários e programas sociais, o país se enfraquece. Pessoas que tinham subido duas etapas voltam à estaca zero. Eu não acredito neste modelo de negócio.

É a maneira de atuar de Temer, o atual presidente?

Ele está no trabalho em todos os lugares.

Por que a esquerda não conseguiu mobilizar o suficiente para se manter no poder, sem sofrer o golpe?

O problema não é a mobilização. No fim da ditadura, em 1983, nós colocamos um milhão de pessoas nas ruas para exigir o regresso do sufrágio universal, e nós perdemos a eleição direta. Não há milagre. Faltam seis votos para escapar do impeachment. Você tem que falar com esses senadores, para ver quais as condições que votariam para o retorno de Dilma. Só ela pode falar com eles. É preciso olhar nos olhos deles e dizer o que pretende fazer se ela retorna ao poder.

Os principais partidos, incluindo o seu,  o Partido dos Trabalhadores, estão envolvidos no caso de desvio de recursos da Petrobras, para financiar campanhas eleitorais. Por que seu partido que deveria fazer política de forma diferente, finalmente aderiu aos métodos da direita?

Deixe-me lhe dizer algo sobre Lava Jato. A justiça introduziu, em troca de cooperação, a figura do delator premiado, para aquele acusado que confessava seu crime, permitindo que se abrandasse a pena. Agora todo mundo afirma ter campanhas eleitorais financiadas com suborno [para se qualificar para uma sentença reduzida]. Faz-se acreditar que não há dinheiro limpo nas próprias campanhas. Empresas financiam campanhas e quando fazem doações não definem se é suborno. Nenhum chefe foi para um tesoureiro de partido, dizendo: "Este dinheiro é limpo, eu não dou a você, mas esses potes de vinho, eu vou deixá-los." Veremos em outubro, na eleição municipal, a primeira eleição sem doações corporativas, que já não podem contribuir para o financiamento das eleições. É uma medida recentemente imposta pelo Supremo Tribunal e defendida por um longo tempo pelo PT. A campanha vai voltar para a experiência inicial: ele terá que vender camisetas, bandeiras e estrelas pequenas [sua] símbolo, como fez nos anos 80.

Os cofres do PT ainda estão cheios, eles dizem, graças à rede Petrobras ...

Se os caixas estão cheios, será para o Fisco saber. Para levantar fundos, as partes são todas iguais. Eles não vão ver os desempregados, eles não vão para as favelas. Eles pedem dinheiro para aqueles que têm, quer dizer líderes empresariais. É por isso que o PT defende o financiamento público de campanhas. A reforma política profunda.

Por que não colocar o seu prestígio a serviço dessa reforma quando estava no poder?

Em treze anos, lançamos vários projetos de reforma [no Parlamento]. Mas a classe política, que temia por sua sobrevivência, não aceita mudar as regras. É por isso que eu queria, em 2004 ou 2005, uma assembleia constituinte para realizar exclusivamente a esta reforma. Ninguém queria. Eu martelava em minhas discussões com jovens brasileiros: a única maneira de mudar a política ainda está para entrar na política. Não adianta reclamar lá fora.

04 de março, você foi desafiado a explicar sobre supostas vantagens injustas que teria recebidos de empresas envolvidas no caso Petrobras. É a justiça independente ou é para os interesses políticos?

Como cidadão e um democrata, eu acredito na justiça. Mas há um desvio no comportamento de alguns membros do judiciário ligados com parte da imprensa. Eles parecem acreditar que, se um assunto é martelado na TV condenando alguém, a condenação se torna fácil. Vazamentos e detenções seletivas se assemelham a um show de pirotecnia. Já não estamos em busca da verdade, as evidências estão na manchete de jornal. De acordo com esta lógica, é a Globo que faz a justiça ou manda pra cadeia. [Acusam um fornecedor da Petrobrás de lhe oferecer um triplex que ele nega ser o dono] Vão ter que me oferecer este apartamento uma vez que eles afirmam que pertence a mim !

Você poderia ser preso?

Eu não sei.

Qual é o futuro do PT, que atravessa a pior crise de sua história?

A situação do PT é realmente muito ruim. Mas você vai notar que nenhum outro partido vai tomar a queda. Quando estávamos no auge, em 2010-2011, 32% dos eleitores declararam preferência pelo PT. Hoje, o partido caiu para 12%, como em 2002. Mas o Partido do Movimento Democrático Brasileiro [o PMDB do presidente interino Michel Temer] e o Partido da Social Democracia Brasileira [do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso] estão estacionados em 5% ou 6%. Eu acredito no rebote PT. Ódio e comportamento fascista conservadores contra o partido vai permitir que ele seja reiniciado.

Talvez, o PT tenha que se explicar ...

A campanha terá que explicar todos os dias, discutir, ir para as ruas. Não deve esconder.

Durante a sua presidência, o Brasil teve ambições geopolíticas e era muito ativo na cena internacional. Hoje o Ministro de Relações Internacionais, José Serra, disse que a obtenção de um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU, uma velha ambição do Brasil que você tinha defendido, não é uma prioridade ...

Para mim,a geopolítica do pós-guerra não pode continuar, as instituições de Bretton Woods, o FMI, o Banco Mundial estão ultrapassados. Não há nenhuma explicação geopolítica para a América Latina, África, Índia, mas também o Japão e a Alemanha não estarem no Conselho de Segurança. Se fosse mais representativo, não teríamos a guerra no Iraque ou a Líbia, que já teria criado um Estado palestino. França, Rússia e Inglaterra eram a favor da concessão de um assento permanente para o Brasil. Mas os Estados Unidos e a China foram contra. O Conselho de Segurança é um clube de amigos que vai convidar as pessoas para a festa. Se aceitarmos  como ela é, com apenas cinco membros permanentes, estaremos concordando em obedecer e  fazer o que os Estados Unidos querem... Fico triste de ver o Brasil voltar hoje ao seu complexo de inferioridade, saber o que eles pensam da Europa, EUA, China. Eu quero saber o que eles pensam, mas eu também quero que eles saibam o que eu penso. Quero ser tratados como igual. Brasil deveria ter uma palavra a dizer no mundo dos negócios. Ele tem um potencial que merece ser respeitado pelos países ricos.

Diplomacia tem sido um destaque de sua presidência. O que você lembra?

Estou orgulhoso de que o Brasil, em seguida, desempenhou um papel significativo. Nós criamos os Brics [Fórum que reúne Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul], o Banco do Brics [banco de desenvolvimento alternativo], o Ibas [Fórum de Diálogo Índia, Brasil, África do Sul], o Unasul [União das Nações sul-americanas], a Celac [Comunidade da América Latina e das Caraíbas]. que disparou Alca [Área de Livre Comércio das Américas], discutido com o Médio Oriente e África mais perto e América do Sul ...

Mas as negociações para um acordo de comércio livre entre a (união aduaneira do Cone Sul) o Mercosul e a UE não avançou ... Por quê?

Porque o único propósito de Europa era vender seus produtos industriais. Nós nunca iríamos industrializar a nós mesmos. Nós caminhávamos para ser sempre exportadores de matérias-primas. Eles nos venderiam carros e nós só soja. Agora, como nós queríamos exportar tecnologia, conhecimento ... No G8 e do G20, os países europeus ricos tinham um mecanismo para controlar os preços dos produtos básicos, a única coisa que vendiam para os países em desenvolvimento! Se em vez de passar de 3 000 bilhões para resgatar o sistema financeiro, os países ricos tivessem investido esse dinheiro para ajudar os países pobres a construir um parque industrial, a crise teria sido resolvida.

E as negociações sobre a mudança climática?

Então, o Brasil tem autoridade moral e política. Nós temos a maior taxa do mundial de energia limpa (energia hidroeléctrica representa 80% do parque), 12% das reservas de água doce do planeta e a maior reserva de floresta tropical do mundo. Os países ricos, destruíram suas florestas e querem continuar poluindo. Então, eles falam de um fundo para os países pobres não cortem mais árvores. Queremos uma política de conservação séria, mas que leve em conta o fato de que os países desenvolvidos que poluíram por mais tempo, têm maior dívida com a humanidade. Mas os países industrializados não querem este debate. Para eles, tudo é resolvido com a criação de um fundo. Quando se ouve a palavra "fundo", os países pobres acham que o pouco dinheiro pode recuperar, e todo mundo acredita que esse mecanismo vai resolver o problema. Mas isso não vai resolver o problema.

Qual é o desafio atual do planeta?

Ativar continentes que ainda não desenvolveram a atingir no novo século. Eu sonho com os avanços tecnológicos que produzem mais alimentos através da exploração de menos terra, que é capaz de emitir menos gases de efeito estufa, reduzir a poluição da água e do oceano, mas sem evitar o crescimento de países pobres. Em conversas, os países ricos, por vezes, acredita que somos radicais. Mas é justo permitir a  todas as pessoas viver com dignidade.

Em que sua extraordinária carreira tem contribuído para o sucesso brasileiro no plano internacional?

Devo este sucesso para muitas pessoas. A Chirac e Sarkozy, Blair e Brown, Bush e Obama, Putin e Medvedev, Hu Jintao ou Singh, todos os chefes de Estado africanos e latino-americano. Gordon Brown falou bem de mim para todo mundo, ele disse que o FMI e o Banco Mundial confia em mim, assim como ele foi um dos meus ministros! Foi o fiador do meu governo. Eu amo isso. E eu sou muito grato a Nicolas Sarkozy, Jacques Chirac, que me tratou como um igual. Eu fui o primeiro presidente do Brasil convidado para todas as reuniões do G8.

Por que, na sua opinião?

Porque eu representava algo novo na política internacional: eu era o único trabalhador que chegou à cabeça de um grande país. Todos duvidavam da minha capacidade de governar (sorriso). Isso permitiu-me obter grande solidariedade por parte dos líderes mundiais. Especialmente poder explicar rapidamente a Bush que o inimigo para mim, não era Saddam Hussein, mas a fome no meu país, e que era esse inimigo que eu queria vencer. Depois disso, muitos líderes queriam me ajudar. Ninguém gosta de pessoas que não respeitam a si mesmos, os arrepios.

Clareia a memória...

Minha primeira reunião no G8 em Evian, em 2003 foi sem precedentes, um metalúrgico convidado para o G8 ... eu era presidente por apenas seis meses. Em Evian, o hotel foi protegido pela polícia e cercado com arame farpado. Eu pensei: "Essas pessoas, esses líderes do G8, não deve ser choirboys, caso contrário não teria sido tão assustador, não precisaria de soldados e arame farpado para atender a segurança. "Mas vamos. Eu fui de mesa em mesa para cumprimentar todos. Depois nos sentamos, Celso Amorim, o meu ministro das Relações Exteriores, Kofi Annan, em seguida, o chefe da ONU e eu. De repente, houve um suspiro e todos se levantaram. Eu pensei que Deus estava vindo ... Mas era Bush. Eu disse a Celso Amorim: "Ninguém se levantou quando eu cheguei. Então, nós não vamos levantar. Bush vai nos saudar de qualquer maneira. "E o que aconteceu? Bush chegou para nos cumprimentar

quinta-feira, 9 de junho de 2016

A vida é um traço

Magritte

Há cinco anos, quando sofri câncer e perdi as duas mamas, tive um encontro profundo com a vida. Poderia dizer que foi com a morte. Seria a mesma coisa. Entendi que a vida é aquele traço que separa as datas de nascimento e de morte. É entre o nascer e o morrer – as únicas certezas que temos – que acontece o grande fenômeno de viver. Quando fiquei doente deixei de brigar com o tempo porque ele não me incomodava mais.  É quando, imagino eu, a morte passa a exercer um verdadeiro fascínio nas pessoas, seja pelo medo de encontrá-la, seja pela curiosidade de entender o significado mais profundo da vida, pela necessidade de um prelúdio de renascimento em um nível de vida superior.
Dentro de nós parece existir uma certeza de que podemos traçar nossas trilhas para não nos perdermos no meio do caminho e, em algumas circunstâncias, temos também o direito da escolha e podemos, nesta hora, optar pela vida, cônscios de que a alegria, assim como a tristeza, é um estado de alma; que o ritmo pode ser acelerado, as distâncias podem ser encurtadas, ainda que o tempo continue se fazendo de espelho para nós.
A preocupação deixa de ser a morte física. Buscamos uma espécie de fornalha interior que nos permita sair novos, extinguindo e transformando o Ser velho. O tempo que existe é uma questão de consciência, de compreensão, de aceitação e, por mais incrível que possa parecer, de escolha também. Entendemos que morrer não é privilégio apenas dos velhos.  Aprendemos a chorar as dores das perdas, a mágoa, o desengano e infalivelmente aprendemos a contar os nossos dias com o coração mais sábio.
Não podemos prever todos os perigos que ameaçam nossas vidas, mas podemos agradecer por não conhecermos o futuro e não vivermos atormentados por ele, como bem disse Horácio: “Um Deus avisado escondeu-nos os acontecimentos do futuro sob uma noite espessa, e ri-se do mortal que se inquieta mais do que deve acerca do destino”.  
O filósofo Michel de Montaigne –  de como filosofar é aprender a morrer – afirma que “Não sabemos onde a morte nos aguarda, esperemo-la em toda parte. Meditar sobre a morte é meditar sobre a liberdade; quem aprendeu a morrer, desaprendeu de servir; nenhum mal atingirá quem na existência compreendeu que a privação da vida não é um mal; saber morrer nos exime de toda sujeição e constrangimento”. A vida para ele, é como um relâmpago na noite eterna, dura apenas um instante, enquanto a morte parece ser nossa condição natural e perpétua. Se o que parece ser não é, talvez a incerteza possa ser a única certeza. A natureza criou apenas um meio de entrar na vida, mas inúmeras formas de sair dela. A morte está em toda parte e se podemos tirar a vida de alguém, não podemos, entretanto, tirar-lhe a morte.

Dedicado ao meu primo Afrânio Araujo, que nos deixou ontem.

terça-feira, 10 de maio de 2016

Carta aos Senadores da República

The Seat of Justice in the Parliament of Paris in 1723, de Nicolas Lancret (1690-1743)
O impeachment é desagradável, apenas desagradável, porque não resolve absolutamente nada como tentarei mostrar a seguir:

1 - trata-se de retirar uma Presidenta legitimamente eleita com 54 milhões de votos;

2 - não há crime de responsabilidade, revelando que a tentativa de retirada da Chefe do Executivo, embora violenta, demonstra, em vez de amadurecimento institucional, infantilidade das instituições, não passando mesmo de "nova perspectiva de poder", vale dizer, o que muda são apenas os detentores do poder direto, alijado o povo do processo, aliás como sempre foi, conquanto agora haja muitos problemas com tal conduta, pois o povo está se politizando e vendo de onde vem a gangrena;

3 - sobre o crime de responsabilidade, é bom notar que:
3.1 - a abertura de créditos suplementares, utilizada amplamente pelos chefes do executivo, foi convalidada pelo Congresso, que, evidentemente, assumiu a responsabilidade por eles;
3.2 - as pedaladas fiscais também não o constituem, já que contratos de mútuo (empréstimos) não se confundem com pagamentos em atraso.

4 - estes são os elementos da denúncia a que o Senado está adstrito, como um órgão responsável pela análise técnica dos fatos. Por óbvio, não vem ao caso a manutenção de um governo corrupto e inerte;

5 - com relação ao governo corrupto, por informação do Congresso em Foco (http://congressoemfoco.uol.com.br/noticias/veja-a-lista-dos-parlamentares-que-sao-reus-no-stf/), há 175 políticos que são réus no STF: 40 do PMDB, 26 do DEM, 23 do PSDB, 22 do PP, 21 do PR... 11 do PT. O nome da Dilma não consta da lista da Odebrecht e não há um único ato pessoal dela que a faça, pelo menos, ser investigada. Os mensaleiros do PT têm seu correspondente no PSDB e no DEM, embora os grandes meios de comunicação silenciem sobre os dois últimos. Enquanto a VEJA fez 12 matérias de capa para o mensalão do PT, não fez nenhuma sobre o mensalão do PSDB ou do DEM. Dilma também não faz parte da lista de Furnas, enfim, é uma pessoa honesta e não se confunde com o PT, naturalmente.

6 - a inércia do governo é argumento fraquíssimo, pois após 2014 o legislativo simplesmente não a deixou fazer nada e agora diz que ela é inerte. Essa carapuça serve ao legislativo;

7 - sobre o aspecto econômico, sabemos que se trata apenas de engodo porque, em economia, quando alguém perde, alguém ganha. E basta mostrar sempre do lado que perde para influenciar o povo leigo negativamente, o que demonstra também falta de argumentos;

8 - os grandes meios de comunicação criaram uma polarização no povo que evidentemente não se esgotará com o impeachment. Será que alguém acha que, havendo o impedimento, a esquerda silenciará? Ou, não havendo, a direita modificará e passará a colaborar? Claro que não! Os polos se manterão até 2018, quando as novas eleições, sem financiamento privado, deverão trazer um novo Congresso com menos corruptos. Se não houver sido criada uma superioridade suficiente de um dos lados, o problema se estenderá até 2022 ou mais;

9 - na realidade, a manutenção da Presidenta deve-se sobretudo à preservação da democracia, ao respeito à Constituição, aos poderes constituídos. Mesmo após tais constatações, caso se opte pelo impeachment, os atuais poderes da República entrarão para a História pelo pior lado. Hoje, diversamente do passado, se entra para a História mesmo, pois os fatos ficam registrados e acessíveis a todo mundo no futuro. Não dá para mentir ou fazer de conta que algo não aconteceu. A descendência toda dos participantes ficará sabendo como tudo ocorreu;

10 - os complicadores atuais são, em primeiro lugar, a internet seguida de perto pelo crescimento da população;
10.1 - a internet está liquidando o discurso único na mídia, que, atualmente, só influencia os idosos que não se interessam pela rede e assistem sempre aos mesmos canais. Nas redes há um fantástico direito de reunião com troca de ideias e grande enriquecimento mental da população;
10.2 - sobre o crescimento populacional, observe-se que, faz uns 50 anos, era comum a existência de delegados, juízes, fiscais... chamados de "calça curta", isto é, ingressavam nas carreiras sem concurso público, apenas se valendo de suas relações com o poder. Com a paulatina migração deste para a maioria do povo, os bastiões dos privilégios tendem a desaparecer e os filhos das "elites" ou se preparam ou vão passar maus bocados. As aspas se devem ao fato de que grande parcela da classe média sofre de um complexo de inferioridade, que as faz morar no "Green House", no "Quartier Latin", na Piazza qualquer coisa, que as faz dizer que têm um "look" bonito, ou que vai fazer um "delivery", ou lembrar-se da "Black Friday", ou alimentar-se nos "Food Trucks"... Como ela se despersonaliza e se sente sem valor algum, precisa do carrão, da casona... para tampar sua insignificância. Nem deveria ser chamada de elite e, por isto, as aspas;


11 - o impeachment é a pá de cal nesse pessoal, pois, queiram ou não, até 2018 terão que mostrar sua bela cara feia. O voto restaurará uma parte da sociedade. (Por Jardel Luís Costa Leite)

quinta-feira, 10 de março de 2016

Versailles para pensar!


Saímos cedo para a viagem à Versailles.  Dedé já estava com tudo esquematizado e reservado. Pode até ter sido coincidência, mas no vagão em fomos só tinha brasileiro e durante a visita no palácio, o brasileiro só perdeu mesmo para os turistas de olhos puxados. Em meio à multidão (estava muito, muito cheio) eram muitas as vozes com sotaque brasileiro – Rio, São Paulo, Nordeste, Sul, Minas. Não resistia pegar no pé do brasileiro, afinal o país vive, segundo informações da imprensa a maior crise da história (memória curta. Lembro-me bem de entrevistar o Shigeaki Ueki, quando era secretário geral do Delfin Neto, para que ele explicasse a inflação de três dígitos). Todo mundo em viagem, bem-humorado, a resposta era quase sempre na linha: “a gente dá um jeito de driblar. Somos brasileiros”. Nada mal!



O Palais de Versailles mostra, definitivamente, o que é luxo e tira da cabeça de qualquer um dos que ali estavam a ideia de riqueza. Fica mais fácil entender a revolta da população francesa. A primeira visão do Palácio é de encher os olhos. Todo dourado, a sensação que se tem é de que é ouro mesmo. A manutenção ali não deve ser nem um pouco simples. Guardei o folheto, o mapa, mas escrevo agora de um local que não tenho acesso a ele. Então vou confiar na minha memória de um ano depois. De qualquer forma acho que vale. Afinal o que impressiona mais, fica guardado.
Fiquei impressionada com tudo, com a falta de privacidade a que a família real era submetida, o poder do rei no trânsito do palácio, os detalhes da arquitetura, a riqueza do mobiliário, as obras de arte espalhadas e o luxo, muito luxo e suntuosidade. Tudo que a gente olha é enorme. Queríamos achar mais algum detalhe que nos revelasse como viviam os moradores da casa. Mas os tronos/penicos estavam bem escondidos. Esse é um momento de privacidade e de igualdade entre os seres viventes. Neste aspecto todo mundo é igual.


O Palais de Versailles é muito, muito grande, não é possível ver tudo em um único dia, mas também não sei se aguentaria mais de um dia ali. Foi um passeio maravilhoso, mas também cansativo. Tentarei agrupar os assuntos, quem sabe consigo criar esses arquivos também na memória e mantê-los vivos por mais tempo, porque as informações nesse dia foram muitas. Começo pela história.  Maria Antonieta era austríaca, conhecemos os palácios da família quando visitamos Viena, acostumada ao luxo, nobre criada como nobre. Foi peça de negociação para acomodar os ânimos entre França e Áustria. Casou-se com apenas 14 anos. Mãe dominadora, marido distante/frio, um casamento que demorou a se consumar, vivia isolada da realidade da população e cercada de intrigas e de gente traiçoeira, é preciso entender que ainda era uma criança e recebeu dos franceses todo o ódio que eles nutriam pelos austríacos. Então, boa parte do meu olhar ao percorrer as dependências do Palácio, remetiam-me à história, e em especial à uma simpatia natural que tenho pela rainha Maria Antonieta. E foi nessa situação que ela teve que amadurecer e morrer guilhotinada aos 37 anos. 




No século XVIII não havia fotografia, então as histórias são contadas pelas pinturas. No palácio tem muitas que mostram o cotidiano da rainha com os filhos, das festas, das caçadas do rei, das saídas e retornos das batalhas. Nem preciso dizer que me maravilhei com as telas (também gigantescas) e esculturas (estas me encantavam,  além das expressões,  pela leveza e transparência que artistas conseguiam imprimir ao mármore). E assim também observamos que todas as imagens retratadas, nenhuma mostrava a pessoa sorrindo. E meu irmão pesquisou e concluímos: não havia dentistas, os dentes eram estragados. Mas cá prá nós, artistas são sensíveis, ligados à estética,  eles sabiam que os dentes eram feios. Nessa imagem ao lado dá para ver duas obras de arte, a escultura em bronze e uma dessas telas que falei, os retratos de cenas cotidianas. Essas telas podem ser vistas com detalhes nos museus virtuais da internet. Os quartos eram todos interligados por um único corredor sem portas. O rei entrava e saía de qualquer quarto na hora que quisesse. Era absoluto também em família. Os aposentos do Rei ficavam bem no meio do Palácio, de onde ele podia se maravilhar com o sol e ter a visão dos jardins.


Os quartos e salas de chá eram até certo ponto simples. Não é difícil encontrar algumas mobílias no estilo ainda hoje, mas sempre se diferenciando pelos detalhes.  E entre as peças colocadas e protegidas por vidros, algumas, sim, em puro ouro. Apesar de ser bonito de se ver, achei tudo pesado, sufocante,  e meu sangue de plebeia não deixava dúvidas: não gostaria de dormir num daqueles quartos. Meu estilo é bem clean. Gosto do liso. Em Versailles é tudo estampado e as paredes e portais, com relevos riquíssimos em detalhes sempre dourados, são muito desenhados.




Conta a história que a vida conturbada de Maria Antonieta levou-a a viver no Petit Trianon que foi construído para abrigar Mme. Pompadour, amante do rei Luís XV.  Imaginava que veria no Petit Trianon o mesmo luxo da sede, ou pelo menos uma simplicidade mais apurada, vez que Pompadour era ligada às artes, e usava seu poder junto ao rei para beneficiar os artistas. Mas não. O Petit Trianon seria o que aqui em Goiás chamamos de barracão perto do Palácio de Versailles. E também não dá para saber como era na época de Pompadour, porque as instalações foram reformadas ao gosto de Maria Antonieta. Enfim, um pequeno castelo, que carrega as ilusões da amante e a depressão da rainha. Volto a falar da rainha quando for na Conciergerie. 
Na foto, a escadaria do Petit Trianon. 




Versailles é como se fosse um condomínio fechado. Toda a corte estava instalada ali. Na internet é possível encontrar o mapa do Palácio e de todos os anexos, mas abertos para o público só mesmo os aposentos reais e a famosa Sala dos Espelhos. Lindíssima. O teto todo pintado –como era uso na época – de deixar a gente com dor no pescoço de tanto olhar para cima, os lustres chegam a ofuscar os olhos e os famosos espelhos, estrategicamente colocados em combinação com as janelas de forma que pudessem refletir os jardins. Conta-se que um espelho, naquela época, demorava sete anos para ser feito e se um dos serviçais quebrasse algum, teria que trabalhar como escravo durante sete anos. Daí o conhecido ditado que quem quebra um espelho tem sete anos de azar.
Estava muito cheio de turistas e não foi possível fazer uma foto com os jardins refletidos nos espelhos como eu gostaria, mas na internet é possível encontrar fotos profissionais que mostram a magnitude do palácio, inclusive imagens do filme Maria Antonieta.  Roupas luxuosas, música da melhor qualidade, futilidades á vontade, muito "futchico de dgente batcha", e muitos dramas pessoais se desenrolavam naquele salão. Mas o melhor mesmo devia ser o baile. Dança comigo?





















*



Finalmente os jardins! Fomos em abril, era primavera, embora já desenhados e replantados, ainda não estavam todo florido, mas não impedia de admirar sua magnitude. Até porque tirando os desenhos e as espécies de flores plantadas típicas da região, como as variedades de tulipas e lírios, já não eram novidades depois de Keukenhof e o espetáculo de cores e raridades que vimos. Mas tinha a imensidão, os bosques, as esculturas, e a fonte (que estava em reforma), que deixavam o Palácio de Schönbrunn – onde Maria Antonieta nasceu – no chinelo.  E olha que Schönbrunn é um espetáculo para os olhos.

A invasão do palácio pelo povo faminto se justifica, embora a análise completa não se encaixe neste texto. O rei tinha poderes absolutos, a sociedade estratificada e hierarquizada e na base estavam os trabalhadores e camponeses,  que viviam em extrema miséria para sustentar o luxo dos que estavam no topo da pirâmide. A revolução foi a revolta do povo, mas depois começaram as mudanças  políticas e estabeleceram-se as lutas pelo poder entre girondinos (alta burguesia) e jacobinos (proletariado) e a fase de terror quando milhares de pessoas, inclusive intelectuais e artistas foram guilhotinados, como Robespierre, Danton e Marat, até que Napoleão assume após o Golpe do Brumário com objetivo de implantar um governo burguês, mas essa é outra história.






sexta-feira, 26 de fevereiro de 2016

A Marcha da Vitória

Boulevar Bonne Nouvelle, Paris de Edouard Leon Cortes (1882-1959)
Temps de commencer n'existe pas, il ya un esprit qui ne se plie pas aux obstacles. L'espoir de reconstruction. Au Brésil, le printemps rempli de couleurs et de parfums scénarios, mais Marie a vécu sa meilleure automne. Confiant, sortant, a estimé que, finalement vidé l'intérieur d'attirer de nouveaux prospects, faire de vieux rêves. Tout ce qui a vécu lui a apporté de nouvelles sources d'inspiration. L'odeur que dégage cette ville a pour effet de l'encens: les transports à l'essence de votre être qui aime l'exercice quotidien de voir au delà des apparences. Comme une symphonie qui touche votre âme. Elle a encore du chemin à faire, mais vivre à la fin de cette expérience inédite. sans précédent. "Non indagues si nos routes, la météo et le vent, tombent dans l'abîme. Que savez-vous de la fin? "(Menotti Del Picchia)

É. A caminhada da Tour Eiffel ao l’Arc de Triomphe é longa e tive tempo para me lembrar de Maria, até porque fomos por uma rua, cujo nome me remetia ao meu purgatório. Não conseguiu estragar o passeio, mas me fez ficar mais introspectiva. Somando ainda que o tempo vai passando e a gente vai ficando mentalmente cansada, pela quantidade de informação que recebe com todos os sentidos. Então faço essa caminhada em silêncio na companhia de Maria. Até a voz que vem de dentro, para ser ouvida, precisa de silêncio.  É no silêncio que a palavra toma forma. É no silêncio musical que me sento diante do computador, na tentativa de partilhar um pouco daquilo que vou coletando na vida. Aqui falo sozinha também. Alguns me leem, mas não interagem, não ouço suas concordâncias ou discordâncias.  Mas Maria e eu somos como as duas velhinhas que se visitam toda semana, ficam horas juntas e não dizem uma só palavra, não porque não tem o que dizer, mas porque o que trazem para a partilha não cabe em palavras. Ainda assim, vivo tentando colocar sentimentos em palavras, preciso delas para viver a magia que está nos intervalos silenciosos que há entre elas. É nesse silêncio que se ouve a melodia que não há.

Assim, aquela caminhada se torna simbólica. Marchava para o triunfo. Muitas vezes a felicidade está na compreensão e visão da beleza da vida. Para aprender a viver é necessário romper velhos hábitos, renovar ideias, ter certeza de que tudo se transforma. Nem sempre consigo cumprir as metas programadas, menos ainda, no tempo e espaço planejado. Por mais que tente ser senhora de meu destino, há sempre o inesperado a surpreender.  Quando digo ser senhora do destino estou me referindo à prática mental, à disciplina e, principalmente, à qualidade dos pensamentos. Se sempre cultivar pensamentos positivos é certo que atrairei coisas positivas. É com pensamento de luz, de fé, de confiança que chego ao Arco do Triunfo. Sem nenhuma dor física, nem emocional. Com gosto de vitória, tendo legitimado as dificuldades e pausas que fazem parte do caminho que escolhi seguir, com a satisfação do dever cumprido, a serenidade e a compreensão de ser e estar. Sempre haverá mistérios que não vou conseguir desvendar, situações que não vou compreender, motivos sem justificativas, mas fica a certeza de que não sou esta carcaça de ossos e carnes. Não preciso brigar com a existência. Bom mesmo é viver.  Afastar-se do cotidiano, às vezes, permite novas reflexões.












O passeio pela Champs  Eysée foi tranquilo.  Vitrines cheias de ilusões que não me fisgaram em minuto algum, a não ser no olhar pela beleza que representavam. Sentia que estava apoiada no tripé sabedoria, força e beleza e tinha a perspectiva simbólica do momento.  Chegamos ao Grand Palais, onde o passeio começou e pegamos o metrô até à Praça da Concórdia. E de lá para casa!
 Foi um dia perfeito.







quinta-feira, 25 de fevereiro de 2016

A Dama de Ferro




Do Hôtel des Invalides à Tour Eiffel tudo foi encantador. Ruas estreitas, aquele casario antigo que de certa forma nos remete a outros tempos, mesmo em meio à modernidades, sons que ecoavam em meu silêncio/encantamento.  É importante agora perceber que o tempo e a distância intensificam os sentimentos, as sensações, as percepções. Fechar os olhos e voltar no tempo revirando o baú das lembranças é refazer passo a passo a viagem. Na hora a gente não consegue processar tudo.
Era abril, o céu estava lindo, havia sol e a temperatura gostosa. Andar não era nenhum sacrifício. Não transpirava, não sentia dor, não perdia o ar. Até que  tcham tcham tcham tcham!! Eis que ela aparece, linda, enorme, esguia, imponente, típica!


O que eu não imaginava era seus arredores, os franceses fazendo piquenique, estirados de roupa na grama aproveitando o sol e não sei porque sempre que via essa cena deles maravilhados com o sol eu tinha vontade de chorar. Não sei como é viver três meses com frio intenso, neve e uma paisagem sem cor, mas só de imaginar, posso entender a alegria do europeu com a primavera, com o sol.
O entorno da torre é cheio de vida, cores, sons e cheiros. Está cheio de barraquinhas e então a gente sente cheiro. Paris não me deixou muitas lembranças olfativas. O cheiro que veio impregnado em mim foi de Budapeste e eu nem sei se escrevi sobre isso.  Mas toda vez que me lembro da Hungria eu sinto o cheiro dela. Não sei explicar além disso. Mas alguns lugares em Paris tinham cheiro. A torre era um deles.
Mas o que posso dizer de uma estrutura metálica gigantesca? Que ela é grande, tem 324 metros de altura? Que é o monumento pago mais visitado do mundo? Que movimenta milhões de euros por ano? Que de cima você pode ter Paris a seus pés? Tudo isso a gente pode ficar sabendo pela internet, e acredito que ninguém vai lá por esses motivos. Pela simbologia sim.  É pitoresca. É a cara de Paris. É cheia de turista, e a fila para subir é tão grande que desencoraja a vontade de “ter Paris a meus pés”. Mas como bem colocou Walter Benjamin a respeito da arte – e que vale para os símbolos – há uma aura que confere o diferencial. Ouvir um CD é diferente de assistir um show, se é que consegui explicar. Ver uma foto, ou um vídeo, não é a mesma coisa que estar no local, ouvir o ambiente e sentir o cheiro. Ver a réplica de uma pintura, não lhe transmite a aura que a obra original lhe confere. Isso não é ciência. É sensibilidade.


Eu estava ali para concretizar sonhos, para me sentir personagem de filme, como tantos que  assistia e naquele cenário que tanto sonhei. Sentia, naquele momento, o peso da solidão, mas era um sentimento confuso quando eu comparava à liberdade, inclusive, de deixar meu olhos inquietos. Meus companheiros de viagem estavam juntinhos e isso deve ter acionado algum botão esquecido, mas foi rápido.  Fico pensando porque meu irmão quis tanto me levar nessa viagem. Não era apenas para pagar, senão poderia ter me dado a passagem para eu ir com outra turma. Ele quis, literalmente, ME levar. Estar junto. Ver minha reação. Mas eu estava contida, estava de luto, e muito do que vi, senti, vivi, só agora estou colocando para fora, haja vista a demora em escrever sobre Paris.  E escrevo lentamente. Muitas vezes choro.
Vou abrir parênteses aqui. Vi todos os filmes da viagem, mas tinha receio de ver os de Paris. Os vídeos são musicados. Meu irmão pesquisa as músicas dos locais, vai fundo nelas. E quando estava pesquisando a música francesa porque já havíamos programado a viagem, eu tive o câncer, o que atrasou em 3 anos a viagem. Então as músicas evocam também essa fase e eu despenco mesmo vendo os vídeos.

Ficamos um tempo razoável sentados por ali e em seguida fomos ver a torre de outro ângulo, do Palais de Chaillot.  Nesse trajetio, muito de longe, pude avistar, pela primeira vez a Sacre Coeur. Alguns monumentos de Paris foram construídos com objetivos de integrar a Exposição Universal, como a Ponte Alexandre III, a Torre Eiffel, o Palácio de Chaillot, na colina que tem o mesmo nome. Ali era um convento que foi destruído pela revolução e foi alvo de vários projetos. O Palácio é formado por dois pavilhões e duas alas curvilíneas, alguma coisa que me lembrou a entrada para a Marienplatz em Munique. Entre as duas alas está o Jardim do Trocadero, de onde se tem uma bela visão da torre e dos Campos de Marte (a área em volta) e como sempre, um espaço de muitas esculturas, fontes, cascatas.
Dalí saímos para l' Arc de Triomphe e Champs Elysée.


terça-feira, 23 de fevereiro de 2016

A Ponte da Imaginação

Pedro Campos


No segundo dia em Paris a ficha começou a cair. Dessa vez aprontei bonitinha e começamos nosso passeio pela imediação do Hôtel des Invalides. Sim, eu estava realmente em Paris, e com gostinho brasileiro. Explico: tomamos sorvete de uma barraca em que o rapaz estava ouvindo música brasileira e conversamos um pouco. Ele é a terceira geração de sorveteiro no mesmo lugar e nos mostra orgulhoso o jornal que conta a história.

Não me lembro exatamente de que lado descemos do Metrô, mas eu delirava em silêncio com a beleza da Ponte Alexandre III, cenário de muitos filmes, e eu com a tremenda sensação de que conhecia muito bem aquele local dei asas ao meu romantismo. Fazia a ponte entre a fantasia e a realidade e o sentimento se encontrava ali, na Ponte Alexandre III. Magnifíca, imponente, suntuosa, elegantérrima, como tudo que a gente vê na Europa.  Unindo O Grand Palais e Petit Palais ao Hôtel des Invalides, e por perto da Avenue Champs Elysée. Voltamos a esse ponto no fim do passeio do dia. Pausa para fotografar uma coreana de cabelos ruivos que circulava sozinha. Engraçado como a gente se comunica, mesmo com os entraves da língua. A ponte fez isso. Uniu a coréia ao Brasil. A ruivinha dos olhinhos puxados à cuiabana quase ruiva. Sons, cheiros, cores e o sol que ofuscava os olhos eram sinais que tudo era real. E lá no fundo eu agradecia por poder ver tudo aquilo.


Sentamos em silêncio em frente ao Grand Palais e Petit Palais para sentir o ambiente parisiense sem ser apenas turistas.  Agora, quase um ano depois, escrevendo, veio-me à lembrança que vimos uma equipe, possivelmente de paramédicos, colocando uma senhora na ambulância. Isso estava apagado da memória, mas me lembro agora que em mim o silêncio se aprofundou pelas lembranças que deixei no Brasil. Meu coração ainda doía pela perda de meu pai.



Voltemos à ponte,  e ao romantismo que a envolve vou acrescentar uma certa frustração por não conseguir fotografá-la por inteiro.   A ponte é um museu aberto a ser explorado. Em cima das colunas tem esculturas douradas.  Cada detalhe, cada escultura, cada poste/lampião, cada Alegoria Art Nouveau parecia evocar saudade. Um sentimento que hoje se repete. Ela me lembrou um pouco a ponte Carlos em Praga, mas não consegui curtir a outra como essa. Acho que foi por causa dos turistas. Não tinha mesmo como parar para observar detalhes.  É tanta informação para a gente absorver, que começo a pensar na possibilidade de voltar à Paris. Certamente seriam novos olhares. Esse segundo dia já foi diferente do primeiro. A emoção estava lá, mas mais controlada. 


Do outro lado, no Hôtel des Invalides a história das guerras, as lutas políticas, os restos mortais de Napoleão Bonaparte e outras figuras importantes na história francesa. Ali era um hospital, destinado a abrigar inválidos de guerra, e ainda continua sendo. Pudemos ver alguns pacientes tomando sol. O dia estava muito bonito, ensolarado, embora frio.  A  Cathedral de Saint-Louis des Invalides tem uma cúpula dourada e é lá que estão as sepulturas. Andamos um pouco ali por dentro, por alguns corredores e encontramos um café e um jardim para sentar mais um pouquinho antes de seguir o passeio. É... já estava na França há cinco dias e ainda não conhecia a Tour Eiffel. Cinco dias e não conhecia o maior símbolo da França. O monumento que todo mundo reconhece, como o Pão de Açúcar ou o Cristo Redentor no Rio.Estava visto o conjunto-monumento consagrado pela República à glória da arte francesa, e símbolo do gosto de parte da sociedade da época (Belas Artes). 
De todos, me encantou mais a ponte. Fotografei-a mais no último dia de Paris, durante passeio pelo Rio Sena, mas nenhuma foto consegue reproduzir a beleza impregnada em meu olhar.

O passeio continua em direção à Tour Eiffel!