terça-feira, 28 de dezembro de 2010

O horizonte é de esperança!

(Maria Madalena, Georges de La Tour)

Estou sempre tentando explicar, mas parece que as palavras são impotentes, porque nunca queremos pensar de forma contrária aos nossos desejos e a seleção natural dos nossos pensamentos é guiada apenas pelo princípio do prazer. Não sou dona da verdade, mas posso garantir que busco por ela em todas as minhas ações e pensamentos. Não tenho comigo a mesma generosidade que tenho com os outros. Tenho um código rígido de ética e nem posso ter a certeza que isso é um impulso natural e espontâneo, porque estou em constante vigilância. Não nego as minhas sombras, não me escondo do espelho e fico realmente preocupada quando, no relacionamento com as pessoas, começo a identificar apenas o lado negativo. Penso que por não fazer de mim uma estranha, há uma energia à minha volta que atua como ímã, atraindo pessoas de polaridades opostas, mas de mesma natureza que eu.
Ninguém pode avaliar o meu contentamento ao me saber amada e com toda a sensibilidade que tenho, tenho especial cuidado com aqueles que me amam. Sei diferenciar o falso do verdadeiro, sei diferenciar o amor gratuito do interesseiro, porque vejo tudo por reflexos. Todo mundo que me conhece bem, sabe que Maria é uma personagem, ainda que tenha semelhanças comigo. Claro, a não ser que seja um texto acadêmico - retifico: mesmo nos textos acadêmicos - as nossas expressões, começam pela percepção que temos das coisas e situações. Primeiro percebemos, depois essas impressões são impregnadas pela nossa compreensão e pelas nossas experiências. Saem como novas, ou saem como se fossem nossas. Por isso aqui não escrevo verdades absolutas. Até para rezar eu uso a expressão: “Deus do meu coração, Deus da minha compreensão”...
Apesar de todo cuidado, infalivelmente, as pessoas confundem Maria comigo. Ficção e realidade se misturam com o único desejo de proporcionar aos que me lêem um encontro consigo mesmo, momentos que facilitam a reflexão. Cada um que se encontra comigo de forma profunda, dá a sua contribuição para Maria. Cada um que me contesta com argumentos verdadeiros contribui para a construção de Maria. E isso sou eu também, mas é você, é ela, a outra, nós e eles. Como todo mundo, ela e eu queremos ser amadas. Agradecemos o amor. Diferente em tudo do sexo. Aceito os amores, mas sexo, ainda está em departamento reservado. Entretanto, Maria pode falar de sexo, fazer sexo, experimentar novidades no sexo, Maria não tem limites, não precisa ser coerente, pode ser uma personagem diferente em cada conto. Observem em “Maria e o tempo” e “Um encontro com o tempo”. As posturas são bem diferentes. O conteúdo é bem diferente.
Blog novo, um desejo interno de mudança, mas lá no fundo, a vontade de escrever sufocada pela atividade do dia a dia, que embora seja uma escrita constante, não abre espaço para a ficção. Com a mudança no ar, mas ainda ligada à Maria - a primeira nascida nos Segredos de Deméter -, embora mais crescida e madura, penso em abrir um pouco mais esse universo pessoal. Uma Maria mais atrevida, que deixa sua sensualidade vir à tona, supera a natural impaciência pela falta de surpresas. O olhar treinado para perscrutar almas mostram, a nós duas, que só podemos esperar por novas experiências se estivermos abertas a elas. Não sou mais anônima como no Segredos de Deméter. Tenho um rosto, um nome, um endereço conhecido. Aposto naquilo que conheço e a primeira atitude concreta é assumir cada palavra, cada pensamento, cada ato aqui registrado. Deixo para trás a timidez, mas vou continuar contando histórias.
Maria, definitivamente, não é uma pessoa, é o sentimento de todas as mulheres que pode ser encontrado nas mães, nas amantes, nas esposas, nas namoradas, nas trabalhadoras, nas prostitutas, nas homossexuais, nas executivas. O conflito interior, aos poucos, encontra o seu caminho. Nesta nova fase, é bem possível que o universo masculino também seja explorado pelo olhar de Maria. Essa lógica fria, calculista, que se contrapõe ao mundo moderno, no qual o homem está sendo chamado a mostrar um outro lado, mais sensível, mais intuitivo, mais emocional.
As gavetinhas cartesianas serão misturadas e as palavras certas hão de brotar. Todas as portas fechadas hão de se abrir. Caminho, ainda ruborizada, mas com rosto alegre, ardendo de amor. Sou envelhescente e esta é uma fase nova para mim. Velhice honrada não se mede pelo número de anos, nem pela quantidade de cabelos brancos, mas pela sabedoria que se acumula das lições que se aprende.

sábado, 25 de dezembro de 2010

Voar, voar!



Maria se despe da sua armadura. Agora seria simplesmente Maria. Não saber o que acontece por dentro é andar na escuridão e os passos indecisos nunca são capazes de levar ao ponto certo. Ainda assim, Maria se sentia estranhamente feliz, com todo aperto no peito, com a voz saindo mais trêmula do que nunca, engasgando quando verdades profundas vinham à tona. Encontrava, depois de muito tempo, um João, de olhar risonho, que um dia esteve povoando os sonhos e fantasias de um mundo virtual. João é como a águia que hipnotiza a presa. João é como o rouxinol, seus gorjeios enchem o coração de Maria. João também é de barro, trabalha o dia inteiro na construção de sua casinha, no cuidado de seus filhotes. João é como o santo, acende a fogueira do coração de Maria. Sabia que ouvia um "pássaro cativo" entoando seu canto de liberdade. Se Maria o conquista, liberta o homem, não o pássaro. A conquista era como a corrida. Poderia libertar, mas também poderia aprisionar. Este era um risco a ser enfrentado e ela se recusa a pensar. Quer viver. Não quer trazer João para a realidade, não quer distribuí-lo na igualdade dos seus dias. Nem tempo, nem espaço limitariam a doce Maria cansada de solidão.


Sonho de Ícaro
Biafra

Voar, voar
Subir, subir
Ir por onde for
Descer até o céu cair
Ou mudar de cor
Anjos de gás
Asas de ilusão
E um sonho audaz
Feito um balão...

No ar, no ar
Eu sou assim
Brilho do farol
Além do mais
Amargo fim
Simplesmente sol...

Rock do bom
Ou quem sabe jazz
Som sobre som
Bem mais, bem mais...

O que sai de mim
Vem do prazer
De querer sentir
O que eu não posso ter
O que faz de mim
Ser o que sou
É gostar de ir
Por onde, ninguém for...

Do alto coração
Mais alto coração...

Viver, viver
E não fingir
Esconder no olhar
Pedir não mais
Que permitir
Jogos de azar
Fauno lunar
Sombras no porão
E um show vulgar
Todo verão...

Fugir meu bem
Pra ser feliz
Só no pólo sul
Não vou mudar
Do meu país
Nem vestir azul...

Faça o sinal
Cante uma canção
Sentimental
Em qualquer tom...

Repetir o amor
Já satisfaz
Dentro do bombom
Há um licor a mais
Ir até que um dia
Chegue enfim
Em que o sol derreta
A cera até o fim...

Do alto, coração
Mais alto, coração...

Faça o sinal
Cante uma canção
Sentimental
Em qualquer tom...

Repetir o amor
Já satisfaz
Dentro do bombom
Há um licor a mais
Ir até que um dia
Chegue enfim
Em que o sol derreta
A cera até o fim...

sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

Mapa Astral

Foto de Paulo José

Você nasceu com o Sol em Áries e a Lua em Touro. Isso indica uma personalidade dinâmica, obstinada e batalhadora que aborda as questões práticas com cautela.
Graças ao posicionamento propício de sua Lua em Touro, você é mais estável e conservadora que outros com o mesmo signo solar.
Sua lucidez lhe permite ver o essencial de idéias e problemas. Você reluta em envolver-se em situações ambíguas que não prometam segurança instantânea. Suas emoções assumem a forma de possessividade e tenacidade. Embora transmita solidez, praticidade e correção, no fundo, você anseia pela aventura e pelo desconhecido.
No seu caso, a chave para o desenvolvimento harmonioso está na conciliação de duas tendências opostas: a busca do novo e o apego ao velho.

Ascendente em Gêmeos, Mercúrio na Casa 10
No momento de seu nascimento, o signo zodiacal de Gêmeos estava ascendendo no horizonte. Seu regente, Mercúrio, está situado na Casa 10.
O signo ascendente e o posicionamento de seu regente fornecem informações acerca de tendências gerais no curso de sua vida, complementando os dados relativos ao seu temperamento, anteriormente comentados na análise dos posicionamentos conjuntos do Sol e da Lua.
Gêmeos é o terceiro signo do Zodíaco e entre suas principais influências psicológicas sobre a vida estão as seguintes: atividades intelectuais, humanismo e horror à violência, dúvida constante quanto a todos os conceitos mentais, hesitação e interesses acadêmicos.
Aqueles cujo ascendente é Gêmeos geralmente são elegantes, esbeltos e expressivos, inclusive no semblante. Trata-se de pessoas que, além de uma certa inclinação literária, têm habilidade manual, sendo espertas, capazes, espirituosas, inventivas e muito curiosas e sutis.
Os que têm ascendente em Gêmeos distinguem-se pela eloqüência no falar e no escrever, pelo dia-a- dia movimentado e pela eterna incapacidade de tomar decisões com rapidez e determinação. Essa hesitação pode ser compensada pela rapidez de raciocínio.
Embora seja em geral gentil e generosa (dentro de certos limites), sua atitude diante da vida nem sempre é acertada devido ao excesso de vacilação na hora de tomar decisões. Você tem capacidade para subir na vida: basta usar seus dotes intelectuais.
Sua mente é aberta e generosa e sua capacidade intelectual é grande. No entanto, em muitas ocasiões, seu julgamento parece um tanto "distorcido". Procure evitar as brigas e discussões inúteis, pois elas são suas piores inimigas.
Para atingir o sucesso, "capriche" nos estudos literários e científicos, dê asas a seu brilhante intelecto quando for o caso e direcione sua natural diligência para a escrita, as viagens, as comunicações e a análise do ser humano. Todas essas atividades são seu forte.
Mercúrio, o regente de sua vida, está situado na Casa 10, a casa da profissão, da reputação e da vida pública. Este posicionamento faz a sua vida tender à da personalidade extrovertida: você estará sempre diante do público, realizando ao mesmo tempo várias atividades profissionais. Ele lhe garante sucesso em importantes e complexas iniciativas de representação, tornando-a uma pessoa muito versátil do ponto de vista profissional.
Esse sucesso não deve estar longe em seu horizonte: fique atenta a ele.

quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

Lady Green

Deméter e Joseph Kern

Olhares a gente não imagina... sente. A homenagem me sensibilizou, claro! Só que prefiro pensar que mais que a probabilidade racional e matemática existe alguma coisa além e inexplicável que torna possível olhares generosos, afetos inesperados, encontros aparentemente impossíveis. Vivemos um novo milênio...Prepare-se para muitas, muiiiitaaass surpresas! Um beijo terno ao JK (o elegante cavalheiro que me acompanhou na noite de autógrafos)!

Ao meu querido Andy, que me dedicou esse texto em seu blog.


LADY GREEN

Texto dedicado à Deméter ( à pessoa, não ao arquétipo)



Tarde ensolarada, eis-me que surge uma dama linda, irreconhecível para minhas últimas imagens que tivera de um último encontro num café.

Com vestido verde, contrastando sua pele alva pelo insinuante decote, fazendo-nos imaginar como seriam as margens daqueles seios...

Teu andar ressonava como as mais belas melodias e versos de Vínicius e Jobim, ao longe acompanhava, captando cada sorriso lançado aos amigos e conhecidos.

Estava acompanhada, mas de seu par ideal: era o encontro do presente, vivido no passado para mudar traços de um futuro, para seu acompanhante era o encontro com o futuro, que se fazia presente para reconstrução de um passado.

Concluí: tratava-se de um encontro, encontro de almas, objetivos, complementos entre si; a troca de sentimentos, sentimentos estes, estarem longe dos perceptíveis olhares questionadores que ali se faziam presentes....

Nem todo amor predestina-se ao sexo....assim como nem todo Deus necessita de uma religião.

domingo, 12 de dezembro de 2010

Uma carta de amor


"Accusa Segreta", Francesco Hayes

Meu querido João,



Foi muito bom tê-lo encontrado. Não existem motivos para que deixemos acabar a nossa história que, na realidade, não precisa ter um fim. Talvez, do jeito que foi escrita, sem toques, sem os desgastes da rotina, sem a dureza da realidade, ele permanece como um templo e resiste à impiedade do tempo. Demorei para conseguir dormir, refiz todas as etapas do nosso encontro, “re-ouvi” todas as nossas palavras e, como sempre, o essencial se manteve à espreita, sem coragem de se mostrar de frente. É, para mim é muito mais fácil escrever do que falar. Até porque escrever é um diálogo mudo, contracenamos com uma cadeira vazia e as respostas quase sempre são ditadas pelo nosso desejo. Enfim, minha alma se nutre de sonhos e hoje eu sou mais alma do que corpo, portanto, minhas necessidades são mais sutis, mais etéreas.
Foram muitos os momentos surpreendentes.
Na realidade eu não me lembro se lhe disse alguma vez “eu te amo”, talvez pelo meu jeito esquisito, talvez, por conviver com palavras, não querer desvalorizar aquelas que representariam meu sentimento máximo. Não importa o motivo, sempre achei que você, inteligente como é, percebia, sabia, sentia. Sempre lhe dei garantias do meu amor com as minhas atitudes. Nunca agi com ninguém como ajo com você. Nunca fui tão receptiva, tão pacífica. Dê um desconto para a época em que nos conhecemos. Eu era menina, inexperiente e morria de ciúmes de você, além de ter pouca estrutura para enfrentar os nossos impedimentos.
Pois bem, hoje,com mais idade, não tenho porque esconder o que sinto. Busquei no arquivo da memória as nossas correspondências.Só eu escrevia. Recebi uma única carta. Como você é burro! Nunca percebeu que sempre estive nas suas mãos?
Desculpe-me o mau jeito, mas sou assim mesmo. De uma franqueza que não pode ser deixada por conta da espontaneidade. Tudo isso só para dizer que eu amo você, e o amo tanto que aprendi a dividi-lo com o mundo, com seu trabalho, com sua congregação, com suas aventuras e seus outros amores. Toquei a vida pra frente sem nunca perder a expectativa, mas o perdi de vista. Acho mesmo que chegou até aqui porque eu nunca quis que morresse. Você também tocou a sua vida para frente, fez suas escolhas até mesmo quando não escolhia nada. Muitos e muitos anos depois, ainda estamos nos olhando, sem coragem de romper com o passado, sem coragem de encarar o futuro, cada vez mais limitado pelo tempo. Vivemos momentos diferentes, mas eu ainda o amo. Sempre o amei.
A maturidade transforma o amor. Da menina ciumenta que não suportou a pressão, surgiu a mulher que contava os dias com serenidade, que aprendia, com a vida, a sublimar o amor. Descobri que eram as lacunas que alimentavam minha literatura. Amor, encantamento, ideal, são sentimentos que podem unir por um determinado tempo as pessoas, mas não foi suficiente para nós.O encantamento acabou cedo demais. Antes de ser. O tempo passo e mudamos nós dois. Mudar significa entrar em um campo desconhecido e tudo que não podemos prever nos causa medo, não sabemos como lidar com o inesperado e parece que não entendemos nunca que as mudanças acontecem, apesar de nós.
Assim, João, estão aqui as minhas respostas, as conclusões que chequei ao me confrontar no espelho tendo apenas a mim mesma como debatedora. Não sei as suas respostas, mas o ser humano é encantador, imprevisível, surpreendente e não há o que se rotular como bem ou mal, bom ou ruim. João, onde está você? Serei sempre feliz pelo privilégio de o ter conhecido um dia.

Todo meu amor

Maria

quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

Um Mergulho Nas Profundezas


Imagem de Carlos Eduardo


Maria se encontra dividida entre o feijão e o sonho. Entre o amor platônico, ideal, que lhe alimenta a alma e o amor real, feito de pequenos gestos diários, de toques e olhares. O duelo é uma questão interna, de alma, cheia de lembranças nos dois caminhos percorridos. Estar dividida não significa que Maria terá que escolher um e dar adeus ao outro. Apenas quer entender, saber no seu âmago qual dos dois amores é o verdadeiro.
Deitada em seu quarto observa na janela os pequenos pontos de luz formados pelas gotas da chuva que caiu momentos antes. Gosta da sensação de estar perdida no espaço e aqueles pontos de luz são como uma galáxia inteira.
Seus dias andam difíceis, problemas cujas soluções não estão em suas mãos. Maria consegue enfrentar todos eles, mas as dores de coração são como correntes que a envolvem e a apertam. É assim que Maria se sente. Aprisionada pela própria fragilidade, pelo medo de ter que optar entre dois sentimentos de roupagem tão diferentes, mas tão idênticos em sua essência. Angustiada, acende um incenso, coloca uma música de fundo, procurando se relaxar, deixar seu pensamento livre. Nos momentos de vigília seu guardião interno costuma lhe sussurrar instruções.
Entre reflexões e lampejos inconscientes Maria penetra no subterrâneo do seu ser. As escadas parecem que apenas descem e ela sente um impulso de ir até às profundezas. São vários andares até que se sente chegando a uma espécie de porão submerso.. Maria nem pensa no absurdo que aquela cena pode representar. As águas estão limpas, mas há lodo no fundo. Sem tirar a roupa ela se lança no mergulho mais profundo que já tentara em toda a sua vida. À medida que afunda vai se desvencilhando das roupas, acessórios, sapatos. Sente-se criança, livre de preconceitos, de limites, dos medos, das máscaras. Mergulhar naquelas águas é como flutuar no espaço infinito do universo. Encontra-se a si mesma, nua, lavada, limpa.
Não encontra ninguém. Apenas resgata lembranças, como se colhesse flores no jardim, ou conchinhas na praia. Nem tempo, nem espaço. Nem sonho, nem realidade. Apenas ela e sua consciência, iniciando agora o caminho de volta. Deixava para trás o passado. Emergir é como nascer, renascer, despertar. As luzes da superfície ofuscam-lhe os olhos.
Não está em um porão. É um lago. Um menino solitário sentado à margem completa o cenário. É o futuro. Maria passa em silêncio, não quer incomodar. (Publicado no meu livro "Histórias de Maria")

terça-feira, 7 de dezembro de 2010

Impotência


O Julgamento de Eros e Psiquê - desconheço o autor

Impotência

Muitas vezes entrei em atrito com pessoas que amava por não conseguir explicar de maneira satisfatória o que penso a respeito do amor. E tive sim, muitas vezes, que arcar com o ônus de carregar a pesada cruz do amor, do idealismo, do sonho, da esperança. Reconheço-me humana e esta é a minha maior luta. É contra mim mesmo que se desencadeia a cada nascer do sol uma verdadeira batalha e tenho a consciência de que não sou diferente de ninguém por isso. Mais dia, menos dia, teremos todos que nos olhar no espelho e nos ver sem máscaras, sem dissimulações e, principalmente sem medo.

Quisera eu ser a dona da verdade. Quisera eu ter a certeza de que o caminho que trilho um dia vai me levar ao centro, à verdade absoluta do Ser. Reconheço-me caminhante, corajosa, guerreira, mas, tão longe da Verdade, embora a busque com toda a garra.
Salvar-me de mim mesma é uma guerra diária. Como poderia ter a prepotência de acreditar que poderia ajudar outra pessoa a se salvar de si mesma? Porque esta arrogância de pensar que porque vivi mais, necessariamente tenho que saber mais? Não conheço sequer a estrada onde tenho que andar. A minha própria história de vida é uma história de batalhas perdidas e ganhas.

Às vezes, ao observar os que estão chegando agora para a vida, sinto que poderia indicar alguns atalhos, mas logo percebo meu terrível engano. Dizem que os animais nunca caem duas vezes em um mesmo buraco, mas o ser humano, este sim, vai cair quantas vezes forem necessárias até que a lição seja apreendida. E cada um terá que ter a sua própria experiência. Há alguns que são mais sábios, apoderam-se da experiência alheia como se fosse uma lanterna para os guiar na escuridão. O conhecimento intelectual não nos livra de viver aquilo que temos que viver, mas só terá sentido se servir para clarear e ser um suporte nas vicissitudes da vida.

O que me dá a tranqüilidade de enfrentar dias difíceis é saber que esta não é a primeira vez, que a vida, assim como a natureza, obedece ciclos. Assim,o que hoje parece um infindável inverno, amanhã renasce com todo o esplendor da primavera. Gostaria de poder passar esse meu sentir a todos os que amo, mas sei que é impossível e daí, reconheço, no mais profundo sentido o que significa a impotência. É um querer fazer e não poder, é um querer mostrar e não conseguir, é um querer mover e, no entanto, permanecer estático. E nem mil livros podem mudar essa realidade.

Tudo isto faz parte do processo de envelhecimento. Na nossa cultura onde ter 50 anos já é ser velho, percebo que não me sinto assim. Tenho energia para tudo que ainda sonho em ser/fazer, o que realmente muda é a minha compreensão do que sou. Não sou onipotente! Não posso me sentir Deus na minha vida, nem dos meus filhos, nem na vida de ninguém. Não vou abandonar a luta, mas sei que é uma luta minha, contra mim mesma. Por ora, recolho-me à minha antiga e amiga solidão.

domingo, 5 de dezembro de 2010

Maria e o Tempo

Imagem de Mihaly Von Zichy, artista russo do século XIX.



Aqui está Maria, de novo, tentando se acertar com o tempo. Ao penetrar em si, esse malvado lhe foge e tanto faz se tem 10 mil anos ou se acaba de nascer. É sempre um recomeço. Tenta prosseguir sua viagem de vida, mas um guardião lhe diz que não pode pular etapas, tem que viver cada uma delas. O vazio no qual mergulha, não é tão solitário assim. Personagens escondidas aparecem para dar as suas instruções e depois se desfazem como éter no ar.
Os pés sentem um formigamento que vai aos poucos sendo substituído por um enorme calor. Chove lá fora, a temperatura é amena, mas Maria está em chamas! Um calor que percorre cada célula do seu corpo e a faz gotejar de suor. Sente seu coração bater em um ritmo diferente, mas não o sente descompassado do universo, desta força perfeita e invisível.
É nesta atmosfera fluídica, fantasiosa e cheia de delírios que conversa com João, mas não o vê, não o ouve. Do outro lado, em algum espaço virtual seus pensamentos se encontram.

- Quem é essa mulher de múltiplas faces? Mãe, mulher, profissional?
- Sou um ser em constante evolução, aberta para a vida, sujeita a chuvas e trovoadas.
- Gosto da forma como você se expressa. Sempre foi intensa assim? Você transmite muita vontade de viver.
- Sim sempre fui intensa, dramática, apaixonada. Sofria por amor, desesperava, curtia fossa ! A dor era sempre intensa, mas só até virar a esquina e encontrar um novo amor.
- E o que busca hoje?
- Não sei. Vivo uma constante fase de mutação. Tento voltar a escrever pra mim, sobre mim, restabelecer esse diálogo que perdi ao me fixar em fantasmas.
- Não entendi.
- Nem precisa.
- Não tem namorado?
- Não. Sucessivas desilusões me desanimam de procurar.
- Foram tantas?
Risos.
- A culpa sempre foi minha.
- Porquê?
- Porque esperei, arquitetei planos; as pessoas não são obrigadas a preencher o desenho da minha fantasia.
- Vou lhe falar uma coisa, mas não sei explicar o motivo: eu hoje fiquei curioso em saber um pouco sobre você.
- Eu queria mesmo lhe perguntar sobre isso. O que uma mulher na minha idade teria para chamar a atenção de um jovem, bonito, inteligente, interessante?
- Sua forma de se expressar. Em segundos, parecia que lhe conhecia há anos. Percebi que você não é hipócrita, tem uma sensualidade aflorada. Já parou para pensar nisso?
- Olha, nesse aspecto eu posso ser uma fraude.
- É uma personagem?
- Bom, eu não sou só Maria... e sou todas as Marias. Na realidade o ato de escrever tem muito do autor, são reflexos. E essa sensualidade talvez se expresse agora que não tenho mais barreiras mentais.
- Isso quer dizer que você vem rompendo seus tabus?
- Vamos dizer que sou uma eterna buscadora de mim mesma. Meu forte nunca foi ser uma mulher bonita. Meu trunfo sempre esteve ligado às questões mentais, talvez por isso ao fato de estar envelhecendo não me incomoda.
- Seu nome é Intensidade.


Maria está confusa, não sabe o que pensar sobre a motivação daquela conversa. Pensa em parar, mas João a submete a um verdadeiro interrogatório. Quer saber mais e tudo. E ela trata logo de buscar argumentos que possam cortar aquele diálogo sem sentido.

- Tenho mais de 50 anos, passei recentemente pela menopausa, engordei 16 quilos, não tenho mais nenhuma beleza para mostrar.
-Todo mundo vai passar por isso, Maria. Você ainda se sente mulher?
Risos.
- Eu bem que poderia ter nascido uns anos depois. Agora estaria investindo em você!
- Isso não me assusta! Já se relacionou com alguém mais novo?
- Você poderia ser meu filho. Meu marido era mais novo, mas não tanto.
- E ele foi o mais novo?
- Eu não tenho preconceito João, mas as experiências de vida são muito pesadas em relacionamentos com diferenças acentuadas de idade. Principalmente se a mulher é a mais velha.


A partir desse momento Maria sente que deu mesmo sinal verde. Ele vai continuar a questioná-la e ela não sabe onde ele quer chegar.

- Acho que a mulher madura se entrega mais, ela se permite sentir prazer e isso é gostoso. Falta dialogo hoje em dia, abertura para falar o que gosta. Já ousou na sua intimidade alguma vez?
- Depende, o que seria "ousar"?
- Se você já se permitiu viver suas fantasias?
- Minhas fantasias são normais. Não sou adepta de Sade. Gosto de sexo, de sentir e dar prazer, mas não preciso ser jogada na parede, plantar bananeiras, fazer piruetas e coisas do gênero . Gosto de ternura. Gosto de sexo sem pressa, de me permitir cada detalhe


A conversa continua e passeia sem barreiras por todas as atividades possíveis na sexualidade de uma pessoa. Não há desrespeito e a curiosidade é mútua. Em meio a risos, brincadeiras, as verdades vão sendo ditas. João está à vontade, sente-se escudado pela idade, curiosamente o mesmo escudo que deixa Maria também à vontade. O encontro entre os dois é tão insólito que qualquer barreira que seja erguida , seria sem sentido algum. Maria relembra outro encontro, há sete anos, que nunca passou dos olhares, do platonismo, da edificação do amor como se fosse um templo. Passou. Como tudo. A saudade, sem nada de concreto para se alicerçar desapareceu como fumaça. Os encantamentos não são revivíveis. Absorta em seus pensamentos paralelos, Maria se surpreende com a pergunta de João.

- Posso lhe perguntar uma coisa?
- Sim.
- Você se masturba?
- Agora?
Risos.
- Pense em mim, quando o fizer.


A música dissolveu-se pelo quarto como um perfume. Maria estava deitada na cama a se tocar levemente. Mantinha os olhos fechados e o movimento dos dedos acompanhava o ritmo preguiçoso da música. Queria mantê-lo em sua consciência, sem importunar o sonho dele. No sonho de Maria ele pode entrar e chega de mansinho, despe-se e deita-se ao seu lado numa posição de modo a poder lhe acariciar os pés. Seus corpos ocupam na cama o sentido oposto ao ato da penetração sexual. Ele substitui a mão dela pela dele à procura do clitóris e esta troca de desejo é tão suave como se a melodia tivesse encontrado no ventre de Maria o seu espaço eterno. Quase por instinto ou sobreposição de prazeres ela o masturba com aquela inocência de quem se sente estranhamente perdida num labirinto erótico. Prisioneira de um tempo luxurioso. Sente então a língua de João a rastejar pela perna dela numa lentidão chocante, nesse momento, o desejo de um é o desejo do outro. A intimidade sexual era tão intensa, os corpos tão ausentes, que a sensação de serem tocados, lambidos e explorados sexualmente parecia uma oferta divina de uma imaginação profundamente amorosa. Sim. O amor que sentiam um pelo outro era mesmo uma fantasia. Eles não se amavam. Favoreciam as necessidades sexuais numa troca imaginária de corpos para que cada um pudesse sonhar à sua maneira. Seus sonhos são como uma galeria de imagens provocantes que os faz sentir a presença um do outro.

sábado, 4 de dezembro de 2010

Como água para chocolate

(Whaterhouse)


A vontade de Maria era amar menos João. Angustiava-se por vê-lo reprimir seus impulsos, racionalizar tudo e transformar em teorias matemáticas situações do dia a dia. A hipersensibilidade atuava em sua vida como um calcanhar de Aquiles. O ponto onde as pessoas o atingiam e o faziam sofrer. Ela não queria que sofresse, queria que ele sentisse, mas não conseguia descobrir o mecanismo para o sacudir, provocar nele uma reação. Não seria necessariamente mudar a sua própria natureza, mas faze-lo entender que é humano, que tem direito a gritar, a sentir raiva, explodir. Como seria bom vê-lo se descontrolar ainda que fosse uma única vez. Mas não poderia ser Maria a provocar essas atitudes nele, sob pena de perder para sempre seu amor. A relação entre eles já era complicada. Eram opostos em tudo e a aproximação entre eles já era por demais insólita.
João foi um menino calado, introspectivo, tinha dificuldades de relacionamento com garotos da sua idade. Franzino, não se adaptava aos modos grosseiros dos meninos. Afastou-se dos esportes, das competições de xixi, de espreitar as meninas, das brincadeiras de rua. Não aprendeu a jogar bola, a empinar pipa, nem andar de skate, de patins e nem mesmo de bicicleta. Inteligente, jogou nesta característica a sua tábua de salvação. Embrenhou-se muito cedo no caminho da leitura e aos poucos arquitetou seu próprio mundo, rico em personagens imaginários; impenetrável por estranhos. A infância passou dentro da normalidade de uma criança retraída que conseguia se superar angariando elogios e a aprovação dos pais. Acho que nunca quebrou uma vidraça do vizinho, ou teve consciência de que estava preparando uma cilada para o galã da escola. Não teve contato com sua própria maldade.
A adolescência transformou-o em um rapaz tímido, atraente por seus dotes intelectuais, seu olhar tristonho e gestos suaves. Percorria com desembaraço os labirintos do seu cérebro, a ciência era uma ferramenta poderosa para os seus conceitos e para a compreensão do mundo. Mas não conseguia entender suas entranhas. Não percebeu que ao se isolar em si mesmo, tornou-se idealista, o que em termos práticos, escondia seu egoísmo. Sem ter com quem validar seus próprios conceitos Fabrício tornou-se um fenômeno no campo do conhecimento. Suas teorias eram perfeitas e, quando testadas, ainda poderiam ser direcionadas para o resultado que ele queria. Sua crueldade estava restrita ao pensamento, às conclusões que chegava, que mesmo expressas (às vezes em verdadeiras pérolas literárias) não revelavam a repressão acumulada ao longo dos anos.

Maria, por sua vez, desde que nasceu já dava demonstrações de que não aceitaria nada calada e que não se curvaria diante da possibilidade de uma batalha. No berçário ainda, ganhou o título de mais chorona. Sabia subir em árvores, aprendeu a nadar, sem técnica, mas aprendeu sozinha, o suficiente para não morrer afogada em rio. Trocou a reposição de sua boneca quebrada por uma bicicleta. Jogava finca, betsy, queimada. Não era boa em nada, mas não aceitava a derrota sem tentar. Sofria quando era marginalizada na aula de educação física. Preferia estar com os meninos, entre os quais sua fragilidade era justificada por ser mulher, e vivia em constante briga por causa dos ciúmes do seu irmão, que cuidava dela como um galo de rinha. Sempre achou a vida dos meninos mais privilegiada que das meninas. Eles tinham o que ela mais desejava: liberdade. Ainda assim, Maria era uma menina meiga, de gestual delicado, de muita sensibilidade. Gostava de música, dança, e desde bem pequena já fazia teatro. Gostava de declamar, mas só fazia se a platéia fosse respeitável.
- Deixa juntar gente, reclamava.
Nunca soube se era tímida porque a vida sempre lhe colocou em situações que tinha que se mover com desenvoltura, escondendo de si mesma seus medos. E assim ela formou sua personalidade, como uma moça valente, guerreira, brava. Também tinha suas máscaras e em nada poderia ser diferente de Fabrício. Aprendeu a ser dissimulada, como todas as mulheres, e a usar disso para se defender do mundo que sempre lhe pareceu hostil. Sua oralidade desde o berçário se manifestava na sua facilidade de expressão. Maria sempre procurou se equilibrar entre os extremos. Despertava nas pessoas amor e ódio. Nunca lhes era indiferente. Os que conseguiam quebrar a resistência inicial, não raro, encontravam uma moça insegura, cheia de medos, de sentimentos de menos valia que se confundiam com sua enorme capacidade de doação.

É sempre difícil e arriscado relacionar a generosidade, o idealismo, a timidez, ao egoísmo, à própria vaidade, à arrogância intelectual. Assim como é complicado entender que atrás de cada exibido, existe um tímido. Todo ser humano é um pouco assim, tenta se esconder, procura sublimar seus defeitos para que a vida em grupo lhe seja possível. Para Maria era mais fácil fazer, para João o fácil era saber. Nenhum dos dois possuía o saber-fazer.

Agora Maria e João estavam ali, frente a frente, um verdadeiro confronto entre a teoria e a prática, o empírico e o científico, o passado e o futuro. João quer eternizar o sentimento que os une. Maria conhece seus limites, não pode tocá-lo, mas é o que ela gostaria, beijar cada centímetro do seu corpo, sentir seu gosto, ver sua pele se retrair e arrepiar ao toque da sua língua. Sentir seu cheiro. Acariciar seus cabelos. Massagear-lhe os pés. Misturar seus corpos. Fazer com que a ardência do seu aqueça a frieza do dele. Não importa se ele se afastar depois, ela o quer vivo, vibrante. Maria pensa na eternidade, nada é eterno, nem mesmo aquele amor ideal. Não existe verdade, ninguém sabe o que é certo ou errado, a vida vale pelas lições que aprenderam, pela troca e equilíbrio entre as suas diferenças. Felicidade é lucro.