segunda-feira, 3 de agosto de 2015

Sonho realizado às avessas!

La Sorbonne, de Paul Joseph Victor Dargaud,

Maria hoje está impossível, agitada, feliz e me cutuca o tempo todo. Agora, com o olhar interrogativo,  ela me mostra uma cúpula redonda em reforma. Imagino que ali seja o Pantheon, mas me lembro do mapa e me parece que ele ficava distante do Jardim de Luxemburgo. Nada disso, é pertinho. Saímos do jardim e estou meio tonta, perdi o norte, a direção, embora eu não estivesse preocupada em me localizar o tempo todo. Estava com meu irmão e ele tem um senso de direção inacreditável. Ando abobalhada até chegar. Somente duas semanas mais tarde consigo ter essa localização clara em minha memória. No Quartier Latin estávamos próximos de tudo e nesse domingo andamos o tanto que conseguimos.

O Pantheon é uma edificação magnífica, suntuosa e foi idealizado para ser uma igreja dedicada à devoção de Santa Genoveva, originalmente deveria ser uma obra neoclássica, misturando o gótico e clássico, mas o arquiteto morreu antes e seu discípulo não seguiu exatamente o projeto original. Nada que diminua a majestade do edifício. Cheguei a ficar com dor na nuca de tanto olhar para cima, encantada com os detalhes e imponência das colunas. Atualmente o Pantheon é um mausoléu que guarda os corpos de pessoas famosas na história da França como Victor Hugo, Voltaire, Rousseau, Marie Curie, Emile Zola, Braille e outros, (ooops! Não, não estou hierarquizando os mortos.)

Saímos pela lateral em direção a uma igreja atrás do Pantheon, flanamos um pouco entre ruas com restaurantes e lojas de souvenirs e fomos para o lado da Sorbonne. Estávamos, Maria e eu, mergulhadas em lembranças e análise de sonhos. Quando jovem, fazendo a Aliança Francesa, construí um sonho que nunca realizei: o de fazer mestrado na Universidade de Paris. E agora eu estava lá, pensando em como teria sido, mas também derrubando um mito. O que poderia ter aprendido lá que não estivesse em livros? A convivência com estudantes franceses, conhecer “ao vivo” a cultura francesa. Claro, tudo isso teria sido muito importante para mim, mas não foi exatamente uma frustração, não foi determinante em minha vida. Conheci Paris de outra forma. Estudei por aqui.

Queria registrar aquele momento. Enquanto fotografo a lateral do prédio, um senhor que passava me provoca em francês, o tom de voz me soou irritado:
-  Savez  que vous  voulez photographier? Ici l'Université de Paris, Sorbonne.                             
- Oui je sais. Le rêve de petite  était d'étudier ici.
Falo isso e me assusto! Não pensei, não elaborei nada na cabeça, mas percebo que também me senti ligeiramente irritada. Era isso. Diz-se que o francês não gosta muito de turistas e eu senti a abordagem como uma provocação. Maria nessas horas é 10! Ela salta à frente mesmo para me proteger. Foi ela que atiçou: revida, revida! E ter respondido em francês parece que formou-se um tipo de empatia.
 -  Oui. Vous parlez français!, comenta com ar de admiração.
 -  Pas! Je parle très mal, mais comprends tout.
A partir daí entabulamos um papo de uns 20 minutos, em francês! Para mim foi a glória. Estava me comunicando, às vezes entrava um espanhol no meio, como quando ele me perguntou o que eu fazia no Brasil e eu respondi que era periodista. Juro! Jornalista é tão parecido com journalist que me esqueci.  Tudo bem. Ele entendeu. Falamos até de política. Ele me perguntou o tamanho da crise brasileira. E eu respondi que depois dos japoneses, o maior número de turistas que vi durante a viagem era de brasileiros e que a crise era uma construção da mídia. E aproveitei para falar das mudanças ocorridas nos últimos 13 anos.  Ao final ele me cumprimentou pelo esforço em me comunicar na língua dele, criticou os turistas americanos e desejou vitórias ao Brasil. Meu dia estava ganho!

Da Sorbonne nos encaminhamos para a Catedral de Notre Dame, mas antes de chegar, chamou a nossa atenção um jardim, ou pracinha, chamada “La forêt de la licorne”. Pelo que me lembro de ter lido na plaquinha, era um jardim típico de proprietários mais modestos,que reproduziam florestas. As árvores dali foram plantadas no século XIX, posteriores à idade média, mas mantinham as características de um mundo habitado por animais fantásticos e por homens e mulheres que tinham uma vida prazerosa. Uma espécie de cantinho para se esconder quando se sentiam excluídos.
Sentamo-nos um pouco para ver as crianças brincar, descansar, e colocar emoções no lugar.  Nunca sabemos o que a vida nos reserva. Entretanto, se olharmos para trás, no sentido de compreender a história, a nossa história de vida, veremos que mudanças aconteceram e sempre para melhorar algum aspecto de nossas vidas, ainda que pareça o contrário. Ter tudo não significa apenas poder comprar tudo. Existem coisas que não se compram e que, no entanto, são essenciais à qualidade de vida. A saúde é uma delas. O dinheiro pode lhe proporcionar tratamento, mas não garantir saúde. Agradeço a Deus pela saúde, por poder estar ali.  Então, aqui e agora, por mais efêmero que possa ser o presente, é tudo que temos. Ali em que o onde é indefinido e o agora não é quando, mas um tempo feito de instantes, de tal forma que viver o presente é uma arte.  Viajar no tempo também é arte, enriquecimento, exercício de imaginação.

Nossa próxima parada será a Catedral de Notre Dame.