Evening Beauty, de Mark Spain |
Olhando aquele cenário diferente, cheio de histórias e rico
em detalhes arquitetônicos, Maria se vê, de repente, lembrando conteúdos que
preencheram suas primeiras incursões na alma humana. Não vai se encontrar com
Ernest Hemingway, Proust, Cole Porter,
Luis Bruñuel, ou Picasso, ou mesmo Sartre, mas espera por aquela sensação
nostálgica que a inspire e a encoraje a escrever, mesmo em relação àquilo que
não viveu.
Toda cidade tem suas peculiaridades humanas, aquelas que
podem até ser integradas às paisagens, mas estão intrinsecamente ligadas ao
comportamento humano. Algumas são típicas de determinadas personagens.
Lembro-me, da minha infância, de Judith, que inaugurou o bundaço como protesto
e rebeldia aos padrões da época. Mal imaginava ela que um dia isso seria moda.
Mas em minha cidade de origem havia outras figuras diferentes, como as minhas
xarás “Maria Taquara” e Maria Bobó. A primeira se vestia de homem, desafiava os
padrões sociais. A segunda, mais ingênua
e mais coquete, se enfeitava com laços
coloridos de papel crepom para acompanhar as procissões. Aqui em Goiás uma
dessas excêntricas personalidades virou boneca: Maria Grampinho, que assim como
Mari Bobó gostava de se apresentar bonita e prendia seus cabelos rebeldes com
inúmeros grampinhos.
Mas não são só as Marias, as cidades também têm Joãos e
Pedros que se destacam por sua singularidade. Em meu setor, João não escapava
da observação de minha avó e chegava a lhe arrancar sorrisos. João conta os
passos, mas sempre se esquece no meio da contagem, então ele volta atrás –
certamente de onde imagina que perdeu os números – e começa tudo de novo.
Então, observar a caminhada de João é como assistir a uma dança diferente, não
apenas pelo gingado que impõe ao seu corpo, mas pelos volteios, giros e “promenades”.
É. Maria foi buscar a Paris que inspira e encanta e isso é
meio surreal, não se mede por números de passos dados, mas por uma contagem
interna que certamente terá, muitas vezes, que ser retomada. Não há
possibilidade real de se viver outra época, sem que esta se torne também uma
prisão. E nas prisões, a criatividade se esgota. Talvez por isso Maria tenha
buscado suas primeiras referências, para conhecer a Paris, que como ela, vive
de suas histórias. Ao mesmo tempo, usa seu olhar e abertura de alma para deixar
o novo entrar.
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