terça-feira, 2 de dezembro de 2014

Paris no túnel do tempo



Evening Beauty, de Mark Spain


Olhando aquele cenário diferente, cheio de histórias e rico em detalhes arquitetônicos, Maria se vê, de repente, lembrando conteúdos que preencheram suas primeiras incursões na alma humana. Não vai se encontrar com Ernest Hemingway, Proust,  Cole Porter, Luis Bruñuel, ou Picasso, ou mesmo Sartre, mas espera por aquela sensação nostálgica que a inspire e a encoraje a escrever, mesmo em relação àquilo que não viveu.

Toda cidade tem suas peculiaridades humanas, aquelas que podem até ser integradas às paisagens, mas estão intrinsecamente ligadas ao comportamento humano. Algumas são típicas de determinadas personagens. Lembro-me, da minha infância, de Judith, que inaugurou o bundaço como protesto e rebeldia aos padrões da época. Mal imaginava ela que um dia isso seria moda. Mas em minha cidade de origem havia outras figuras diferentes, como as minhas xarás “Maria Taquara” e Maria Bobó. A primeira se vestia de homem, desafiava os padrões sociais.  A segunda, mais ingênua e mais coquete,  se enfeitava com laços coloridos de papel crepom para acompanhar as procissões. Aqui em Goiás uma dessas excêntricas personalidades virou boneca: Maria Grampinho, que assim como Mari Bobó gostava de se apresentar bonita e prendia seus cabelos rebeldes com inúmeros grampinhos.

Mas não são só as Marias, as cidades também têm Joãos e Pedros que se destacam por sua singularidade. Em meu setor, João não escapava da observação de minha avó e chegava a lhe arrancar sorrisos. João conta os passos, mas sempre se esquece no meio da contagem, então ele volta atrás – certamente de onde imagina que perdeu os números – e começa tudo de novo. Então, observar a caminhada de João é como assistir a uma dança diferente, não apenas pelo gingado que impõe ao seu corpo, mas pelos volteios, giros e “promenades”.


É. Maria foi buscar a Paris que inspira e encanta e isso é meio surreal, não se mede por números de passos dados, mas por uma contagem interna que certamente terá, muitas vezes, que ser retomada. Não há possibilidade real de se viver outra época, sem que esta se torne também uma prisão. E nas prisões, a criatividade se esgota. Talvez por isso Maria tenha buscado suas primeiras referências, para conhecer a Paris, que como ela, vive de suas histórias. Ao mesmo tempo, usa seu olhar e abertura de alma para deixar o novo entrar. 

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