La jeune ouvriere, de Willian Bouguereau |
Enquanto remenda as roupas Maria se entrega a seus
pensamentos. Seria tão bom se pudesse remendar também sua vida. Algumas
costuras ficaram frouxas precisando de um nó mais apertado para que não se
desfizessem com o passar do tempo. Velhas e rotas, seus andrajos colam em seu
corpo, seguem-na, perseguem-na,
roubam-lhe a liberdade. No silêncio de seus pensamentos busca respostas,
caminhos, soluções e a certeza de felicidade possível. Para reaprender a viver terá
que romper velhos hábitos, renovar ideias, buscar esse fenômeno catalisador já
que o corpo não se renova.
Mergulhada em seus pensamentos
enquanto costura, cada nó antecede uma sequência de pontos, assim como as
indagações que faz. As vivências, as observações, o estudo, forma seu
pensamento, mas naquele momento, a vida real passa pela linha e pela agulha. Costurar é isso. Decifrar pensamentos e observações, expressar-se
na delicadeza ou firmeza dos pontos, vivenciar o silêncio da atividade e também
ouvir e identificar as milhares de vozes e a calar outras. Isso dá conteúdo ao
seu trabalho. Nem carne quebrada, nem nervo rendido, apenas o ato de coser
para estimular o pensamento.
Trilhar o mundo interior é uma experiência que exige
equilíbrio, compreensão. Nem tudo é brilhante e muitas vezes Maria se vê
obrigada a lidar com as sombras, com suas sombras. Busca a luz para passar a
linha na agulha, busca a luz para encontrar a direção na vida, porque há
caminhos que brilham mais, exercem maior fascínio e a tendência natural é que a
de se deixar levar pelo que dá mais prazer, como na hora de escolher uma agulha
grossa que não dará a perfeição no remendo, mas facilitará o processo. Maria é
humana, simplesmente humana e é na convivência consigo mesmo que ela provoca
perguntas que não encontram respostas, a menos que haja um firme propósito de disciplinar-se,
de aprender com a própria imperfeição.
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