quarta-feira, 19 de novembro de 2014

Justiça e Generosidade

Allegory Of Wisdom And Justice, de Hermann Kaulbach
Justiça e generosidade são dois conceitos que se confundem e se completam, mas só são compreendidos à luz da virtude. Justiça pressupõe um estado de equilíbrio, de imparcialidade, de neutralidade, de igualdade, enquanto a generosidade denuncia o desequilíbrio e pressupõe uma condição de partilha. Para Aristóteles, a justiça denota ao mesmo tempo legalidade e igualdade, e traz embutida o objetivo de manter a ordem social, preservando o direito de todos em sua forma legal. Assim, é justo quem cumpre a lei e também é justo aquele que dá ao outro aquilo que lhe é devido. É nesta última forma que a justiça se confunde com a generosidade e que se faz necessário entender o que é virtude. Para ser justo é necessário ser generoso, e para ser generoso é preciso ser justo.
Virtude não é uma característica da pessoa, mas uma inclinação que ela tem e que a orienta para a prática do bem. Muitos foram os filósofos a tratar de seu conceito, mas citei Aristóteles e fico com ele - embora pudesse me apoiar em qualquer outro que veio depois e ampliou esse conceito - que divide a virtude em intelectual e moral: intelectual é o resultado gerado da aprendizagem, da educação, da inteligência; virtude moral é o resultado do hábito, que nos torna capazes de praticar atos justos. Intelectual ou moral, ninguém nasce virtuoso. As virtudes são adquiridas pela repetição dos atos, que geram o costume e que, por sua vez, geram os atos. Estes não podem se desviar, nem por defeito, nem por excesso, pois a virtude está no equilíbrio, na justa medida.
A justiça também lida com conteúdos internos e quando se busca a igualdade está também lidando com a generosidade, mas tem a seu favor um conjunto de leis para aplicar, o que faz parecer mais fácil de ser praticada. A generosidade é mais fluida, passa pela moral (que sofre influência do tempo e do espaço) e também precisa ser equilibrada. Generosidade de menos é avareza, em excesso é extravagância. Generosidade tem que ser como remédio, aplicada na medida certa, porque a falta causa a morte e o excesso se transforma em veneno.
A vida nos proporciona vários enganos e ninguém está livre de embarcar em uma canoa furada ou errada, mas nem tudo é equivocado. A prática da virtude, da justiça, da generosidade, acaba atuando como escudo e nos protegendo de enganos. Todos somos afetados pelo que está à nossa volta e afetamos o outro com aquilo que somos. São essas certezas interiores que me guiaram a vida toda. Bato as portas da velhice sem os valores imprimidos pelo mundo, mas amparada pela dignidade e orgulho de ter vivido uma vida reta. O que não consegui, pelo menos tentei. Então, grosseiramente, posso concluir que a virtude completa, de modo excelente, a natureza de um ser.

sexta-feira, 14 de novembro de 2014

Vida e Morte: irmãs siamesas

The Return, de René Magritte
As irmãs Vida e Morte são como irmãs siamesas, falar de uma é chamar a presença da outra.Aqui e agora é intervalo de tempo que existe entre o nascer e o morrer. É o que chamamos de vida. Ao nascer, o ser vivo traz em si a presença interior da morte. A natureza existe a partir de um processo cíclico, do nascimento e da morte, ou da morte para que haja renascimento. O fruto morre para dar lugar à semente, a semente morre para dar lugar a uma nova planta. Este processo também é nosso, da humanidade, somos parte da natureza, nos diferenciando apenas por nossa capacidade de raciocinar e questionar a nós mesmos. Valores, crenças, saberes, em tudo há um ciclo natural na evolução, nascer, progredir, existir, decair, renovar.
Nesse processo, a morte e os mistérios que envolvem seu significado ainda incomodam o homem. Sabemos que é uma experiência única, última, pessoal, intransferível e inevitável. .Ninguém escapa deste momento: ricos, pobres, bonitos, feios, desconhecidos, famosos, homossexuais, heterossexuais, brancos, negros, comunistas, capitalistas, jovens, idosos. Meditar/filosofar sobre a morte é, segundo Michel de Montaigne, aprender a morrer. Ele nos apresenta a morte como finalidade da vida, e a filosofia como o remédio que nos permite enfrentá-la com serenidade. Não sabemos onde a morte nos aguarda, portanto, podemos esperá-la em toda parte e a qualquer momento. E aprender a morrer nos exime de toda sujeição e constrangimento, já que a vida nos parece rápida – como um relâmpago – e a morte, ao contrário, nos parece uma condição natural e perpétua. Assim, se algo ou alguém pode nos tirar a vida, nada pode nos tirar a morte.

Hoje, especialmente triste com a partida de um amigo, cavei na alma, e nas raízes de nossa infância, plantei saudade.