quinta-feira, 14 de abril de 2011

Pago o preço

Maria Madalena, Georges de La Tour

Roteiro

Parar. Parar não paro.
Esquecer. Esquecer não esqueço.
Se carácter custa caro
pago o preço.

Pago embora seja raro.
Mas homem não tem avesso
e o peso da pedra eu comparo
à força do arremesso.

Um rio, só se for claro.
Correr, sim, mas sem tropeço.
Mas se tropeçar não paro
- não paro nem mereço.

E que ninguém me dê amparo
nem me pergunte se padeço.
Não sou nem serei avaro
- se carácter custa caro
pago o preço.

Sidónio Muralha, "Poemas" Editorial Inova, Porto, p.196


Pago o Preço

Na constante batalha da vida, nem sempre sou capaz de identificar quem é meu real adversário. As dificuldades que enfrento dependem da forma como as recebo e compreendo. Se partir de mim para compreender o mundo, posso entender que sou minha maior inimiga. Sou meu defeito, minha limitação, meus medos. No entanto, observo que nem todas as pessoas estão voltadas para seus sentimentos internos ou preocupadas em lidar com eles em busca de melhor convivência. Sexo, dinheiro e poder são metas que determinam comportamentos e códigos pessoais de ética. No fundo, percebo que a luta interna se resume aos instintos de sobrevivência e destruição: vida e morte, luz e sombra.
Poucos conseguem uniformidade de comportamento, sem prejuízo – em algum momento – de seus princípios ou objetivos. Realizar o prodígio do equilíbrio em um mundo tormentoso, com certeza torna os homens raros, verdadeiras obras-primas. Nem uma palavra, nem uma linha, nem um passo em falso. Nada que possa ser explorado contra os interesses da humanidade. Esta seria uma possibilidade para aqueles que tem cabedal de virtudes interiores. Na vida, estou sempre representando papéis – impostos ou escolhidos por mim –, constantemente remando contra a correnteza. Momento em que a pedra arremessada tem a força da realidade e o peso da minha incoerência. Ir contra meus próprios valores causa-me sofrimento interno.
Preparo-me para envelhecer com dignidade. Os princípios éticos, que nortearam minha vida, não deixam brechas para arrependimento ou recomeço. Fiz minhas escolhas, criei mecanismos de defesa para me adequar à realidade. Muitas as preocupações que começam a assombrar, principalmente, a econômica, com inevitável redução da renda a que se expõe o aposentado. O mundo parece girar mais rapidamente. Os avanços da medicina acenam a um tempo de vida mais longo. Tempo que, para muitos, simboliza o prolongamento da batalha quando o viver já não registra a esperança de dias melhores. O mercado de trabalho não consegue absorver a população jovem. Os mais idosos significam excedentes na mão de obra, embora a idade seja, em si mesma, um trunfo, prerrogativa de experiência, conhecimento e percepção.
Tudo que escrevo, desvio para a vida interior, mas o mundo não está preocupado em conhecer o luminoso e terrível significado da guerra interna. A realidade dual me incita a lutar, dentro de mim mesma, contra minhas imperfeições. Difícil é identificar as situações, porque elas se camuflam. Nem sempre são o que parecem. Quando brigo desesperadamente pela vida é quando mais me aproximo da morte. A energia sexual – que acreditava extinta em mim –, a energia criativa e, consequentemente, de vida, corre o risco de ser desviada para degradações ou formas mais sutis. Eu escrevo. Apesar de parecer que isso é bom, por produzir a sensação de prazer, não estou convicta de não violar leis.
Todos sentem, todos veem, todos sabem admirar minha coragem, a fidelidade aos princípios, mas poucos compreendem a complexidade do conflito para me fixar uma linha de conduta. Não posso desistir da luta, entregar-me à morte e ao desânimo. Quero viver. Por você. Por nós.