(Maria Madalena, Georges de La Tour)
Estou sempre tentando explicar, mas parece que as palavras são impotentes, porque nunca queremos pensar de forma contrária aos nossos desejos e a seleção natural dos nossos pensamentos é guiada apenas pelo princípio do prazer. Não sou dona da verdade, mas posso garantir que busco por ela em todas as minhas ações e pensamentos. Não tenho comigo a mesma generosidade que tenho com os outros. Tenho um código rígido de ética e nem posso ter a certeza que isso é um impulso natural e espontâneo, porque estou em constante vigilância. Não nego as minhas sombras, não me escondo do espelho e fico realmente preocupada quando, no relacionamento com as pessoas, começo a identificar apenas o lado negativo. Penso que por não fazer de mim uma estranha, há uma energia à minha volta que atua como ímã, atraindo pessoas de polaridades opostas, mas de mesma natureza que eu.
Ninguém pode avaliar o meu contentamento ao me saber amada e com toda a sensibilidade que tenho, tenho especial cuidado com aqueles que me amam. Sei diferenciar o falso do verdadeiro, sei diferenciar o amor gratuito do interesseiro, porque vejo tudo por reflexos. Todo mundo que me conhece bem, sabe que Maria é uma personagem, ainda que tenha semelhanças comigo. Claro, a não ser que seja um texto acadêmico - retifico: mesmo nos textos acadêmicos - as nossas expressões, começam pela percepção que temos das coisas e situações. Primeiro percebemos, depois essas impressões são impregnadas pela nossa compreensão e pelas nossas experiências. Saem como novas, ou saem como se fossem nossas. Por isso aqui não escrevo verdades absolutas. Até para rezar eu uso a expressão: “Deus do meu coração, Deus da minha compreensão”...
Apesar de todo cuidado, infalivelmente, as pessoas confundem Maria comigo. Ficção e realidade se misturam com o único desejo de proporcionar aos que me lêem um encontro consigo mesmo, momentos que facilitam a reflexão. Cada um que se encontra comigo de forma profunda, dá a sua contribuição para Maria. Cada um que me contesta com argumentos verdadeiros contribui para a construção de Maria. E isso sou eu também, mas é você, é ela, a outra, nós e eles. Como todo mundo, ela e eu queremos ser amadas. Agradecemos o amor. Diferente em tudo do sexo. Aceito os amores, mas sexo, ainda está em departamento reservado. Entretanto, Maria pode falar de sexo, fazer sexo, experimentar novidades no sexo, Maria não tem limites, não precisa ser coerente, pode ser uma personagem diferente em cada conto. Observem em “Maria e o tempo” e “Um encontro com o tempo”. As posturas são bem diferentes. O conteúdo é bem diferente.
Blog novo, um desejo interno de mudança, mas lá no fundo, a vontade de escrever sufocada pela atividade do dia a dia, que embora seja uma escrita constante, não abre espaço para a ficção. Com a mudança no ar, mas ainda ligada à Maria - a primeira nascida nos Segredos de Deméter -, embora mais crescida e madura, penso em abrir um pouco mais esse universo pessoal. Uma Maria mais atrevida, que deixa sua sensualidade vir à tona, supera a natural impaciência pela falta de surpresas. O olhar treinado para perscrutar almas mostram, a nós duas, que só podemos esperar por novas experiências se estivermos abertas a elas. Não sou mais anônima como no Segredos de Deméter. Tenho um rosto, um nome, um endereço conhecido. Aposto naquilo que conheço e a primeira atitude concreta é assumir cada palavra, cada pensamento, cada ato aqui registrado. Deixo para trás a timidez, mas vou continuar contando histórias.
Maria, definitivamente, não é uma pessoa, é o sentimento de todas as mulheres que pode ser encontrado nas mães, nas amantes, nas esposas, nas namoradas, nas trabalhadoras, nas prostitutas, nas homossexuais, nas executivas. O conflito interior, aos poucos, encontra o seu caminho. Nesta nova fase, é bem possível que o universo masculino também seja explorado pelo olhar de Maria. Essa lógica fria, calculista, que se contrapõe ao mundo moderno, no qual o homem está sendo chamado a mostrar um outro lado, mais sensível, mais intuitivo, mais emocional.
As gavetinhas cartesianas serão misturadas e as palavras certas hão de brotar. Todas as portas fechadas hão de se abrir. Caminho, ainda ruborizada, mas com rosto alegre, ardendo de amor. Sou envelhescente e esta é uma fase nova para mim. Velhice honrada não se mede pelo número de anos, nem pela quantidade de cabelos brancos, mas pela sabedoria que se acumula das lições que se aprende.
Maria é mulher, fala de vida, de experiência, de sentimentos, de sexo, de lições e apreendizado, um universo identificado por qualquer mulher (e até mesmo homem). Ela sou eu, a outra, todas elas, qualquer mulher, uma mulher qualquer. É a mãe, a dona de casa, a profissional, a prostituta, a religiosa, a vencedora, a fracassada, a lutadora, a cansada, a jovem, a velha, a sábia, a louca. Não é Maria por acaso.
terça-feira, 28 de dezembro de 2010
sábado, 25 de dezembro de 2010
Voar, voar!
Maria se despe da sua armadura. Agora seria simplesmente Maria. Não saber o que acontece por dentro é andar na escuridão e os passos indecisos nunca são capazes de levar ao ponto certo. Ainda assim, Maria se sentia estranhamente feliz, com todo aperto no peito, com a voz saindo mais trêmula do que nunca, engasgando quando verdades profundas vinham à tona. Encontrava, depois de muito tempo, um João, de olhar risonho, que um dia esteve povoando os sonhos e fantasias de um mundo virtual. João é como a águia que hipnotiza a presa. João é como o rouxinol, seus gorjeios enchem o coração de Maria. João também é de barro, trabalha o dia inteiro na construção de sua casinha, no cuidado de seus filhotes. João é como o santo, acende a fogueira do coração de Maria. Sabia que ouvia um "pássaro cativo" entoando seu canto de liberdade. Se Maria o conquista, liberta o homem, não o pássaro. A conquista era como a corrida. Poderia libertar, mas também poderia aprisionar. Este era um risco a ser enfrentado e ela se recusa a pensar. Quer viver. Não quer trazer João para a realidade, não quer distribuí-lo na igualdade dos seus dias. Nem tempo, nem espaço limitariam a doce Maria cansada de solidão.
Sonho de Ícaro
Biafra
Voar, voar
Subir, subir
Ir por onde for
Descer até o céu cair
Ou mudar de cor
Anjos de gás
Asas de ilusão
E um sonho audaz
Feito um balão...
No ar, no ar
Eu sou assim
Brilho do farol
Além do mais
Amargo fim
Simplesmente sol...
Rock do bom
Ou quem sabe jazz
Som sobre som
Bem mais, bem mais...
O que sai de mim
Vem do prazer
De querer sentir
O que eu não posso ter
O que faz de mim
Ser o que sou
É gostar de ir
Por onde, ninguém for...
Do alto coração
Mais alto coração...
Viver, viver
E não fingir
Esconder no olhar
Pedir não mais
Que permitir
Jogos de azar
Fauno lunar
Sombras no porão
E um show vulgar
Todo verão...
Fugir meu bem
Pra ser feliz
Só no pólo sul
Não vou mudar
Do meu país
Nem vestir azul...
Faça o sinal
Cante uma canção
Sentimental
Em qualquer tom...
Repetir o amor
Já satisfaz
Dentro do bombom
Há um licor a mais
Ir até que um dia
Chegue enfim
Em que o sol derreta
A cera até o fim...
Do alto, coração
Mais alto, coração...
Faça o sinal
Cante uma canção
Sentimental
Em qualquer tom...
Repetir o amor
Já satisfaz
Dentro do bombom
Há um licor a mais
Ir até que um dia
Chegue enfim
Em que o sol derreta
A cera até o fim...
sexta-feira, 17 de dezembro de 2010
Quero Saber
Desconheço a autoria da imagem e esculturas
Pablo Neruda (Últimos Sonetos)
Quero saber se você vem comigo
a não andar e não falar,
quero saber se ao fim alcançaremos
a incomunicação; por fim
ir com alguém a ver o ar puro,
a luz listrada do mar de cada dia
ou um objeto terrestre
e não ter nada que trocar
por fim, não introduzir mercadorias
como o faziam os colonizadores
trocando baralhinhos por silêncio.
Pago eu aqui por teu silêncio.
De acordo, eu te dou o meu
com uma condição: não nos compreender
Pablo Neruda (Últimos Sonetos)
Quero saber se você vem comigo
a não andar e não falar,
quero saber se ao fim alcançaremos
a incomunicação; por fim
ir com alguém a ver o ar puro,
a luz listrada do mar de cada dia
ou um objeto terrestre
e não ter nada que trocar
por fim, não introduzir mercadorias
como o faziam os colonizadores
trocando baralhinhos por silêncio.
Pago eu aqui por teu silêncio.
De acordo, eu te dou o meu
com uma condição: não nos compreender
quinta-feira, 16 de dezembro de 2010
Mapa Astral
Foto de Paulo José
Você nasceu com o Sol em Áries e a Lua em Touro. Isso indica uma personalidade dinâmica, obstinada e batalhadora que aborda as questões práticas com cautela.
Graças ao posicionamento propício de sua Lua em Touro, você é mais estável e conservadora que outros com o mesmo signo solar.
Sua lucidez lhe permite ver o essencial de idéias e problemas. Você reluta em envolver-se em situações ambíguas que não prometam segurança instantânea. Suas emoções assumem a forma de possessividade e tenacidade. Embora transmita solidez, praticidade e correção, no fundo, você anseia pela aventura e pelo desconhecido.
No seu caso, a chave para o desenvolvimento harmonioso está na conciliação de duas tendências opostas: a busca do novo e o apego ao velho.
Ascendente em Gêmeos, Mercúrio na Casa 10
No momento de seu nascimento, o signo zodiacal de Gêmeos estava ascendendo no horizonte. Seu regente, Mercúrio, está situado na Casa 10.
O signo ascendente e o posicionamento de seu regente fornecem informações acerca de tendências gerais no curso de sua vida, complementando os dados relativos ao seu temperamento, anteriormente comentados na análise dos posicionamentos conjuntos do Sol e da Lua.
Gêmeos é o terceiro signo do Zodíaco e entre suas principais influências psicológicas sobre a vida estão as seguintes: atividades intelectuais, humanismo e horror à violência, dúvida constante quanto a todos os conceitos mentais, hesitação e interesses acadêmicos.
Aqueles cujo ascendente é Gêmeos geralmente são elegantes, esbeltos e expressivos, inclusive no semblante. Trata-se de pessoas que, além de uma certa inclinação literária, têm habilidade manual, sendo espertas, capazes, espirituosas, inventivas e muito curiosas e sutis.
Os que têm ascendente em Gêmeos distinguem-se pela eloqüência no falar e no escrever, pelo dia-a- dia movimentado e pela eterna incapacidade de tomar decisões com rapidez e determinação. Essa hesitação pode ser compensada pela rapidez de raciocínio.
Embora seja em geral gentil e generosa (dentro de certos limites), sua atitude diante da vida nem sempre é acertada devido ao excesso de vacilação na hora de tomar decisões. Você tem capacidade para subir na vida: basta usar seus dotes intelectuais.
Sua mente é aberta e generosa e sua capacidade intelectual é grande. No entanto, em muitas ocasiões, seu julgamento parece um tanto "distorcido". Procure evitar as brigas e discussões inúteis, pois elas são suas piores inimigas.
Para atingir o sucesso, "capriche" nos estudos literários e científicos, dê asas a seu brilhante intelecto quando for o caso e direcione sua natural diligência para a escrita, as viagens, as comunicações e a análise do ser humano. Todas essas atividades são seu forte.
Mercúrio, o regente de sua vida, está situado na Casa 10, a casa da profissão, da reputação e da vida pública. Este posicionamento faz a sua vida tender à da personalidade extrovertida: você estará sempre diante do público, realizando ao mesmo tempo várias atividades profissionais. Ele lhe garante sucesso em importantes e complexas iniciativas de representação, tornando-a uma pessoa muito versátil do ponto de vista profissional.
Esse sucesso não deve estar longe em seu horizonte: fique atenta a ele.
Você nasceu com o Sol em Áries e a Lua em Touro. Isso indica uma personalidade dinâmica, obstinada e batalhadora que aborda as questões práticas com cautela.
Graças ao posicionamento propício de sua Lua em Touro, você é mais estável e conservadora que outros com o mesmo signo solar.
Sua lucidez lhe permite ver o essencial de idéias e problemas. Você reluta em envolver-se em situações ambíguas que não prometam segurança instantânea. Suas emoções assumem a forma de possessividade e tenacidade. Embora transmita solidez, praticidade e correção, no fundo, você anseia pela aventura e pelo desconhecido.
No seu caso, a chave para o desenvolvimento harmonioso está na conciliação de duas tendências opostas: a busca do novo e o apego ao velho.
Ascendente em Gêmeos, Mercúrio na Casa 10
No momento de seu nascimento, o signo zodiacal de Gêmeos estava ascendendo no horizonte. Seu regente, Mercúrio, está situado na Casa 10.
O signo ascendente e o posicionamento de seu regente fornecem informações acerca de tendências gerais no curso de sua vida, complementando os dados relativos ao seu temperamento, anteriormente comentados na análise dos posicionamentos conjuntos do Sol e da Lua.
Gêmeos é o terceiro signo do Zodíaco e entre suas principais influências psicológicas sobre a vida estão as seguintes: atividades intelectuais, humanismo e horror à violência, dúvida constante quanto a todos os conceitos mentais, hesitação e interesses acadêmicos.
Aqueles cujo ascendente é Gêmeos geralmente são elegantes, esbeltos e expressivos, inclusive no semblante. Trata-se de pessoas que, além de uma certa inclinação literária, têm habilidade manual, sendo espertas, capazes, espirituosas, inventivas e muito curiosas e sutis.
Os que têm ascendente em Gêmeos distinguem-se pela eloqüência no falar e no escrever, pelo dia-a- dia movimentado e pela eterna incapacidade de tomar decisões com rapidez e determinação. Essa hesitação pode ser compensada pela rapidez de raciocínio.
Embora seja em geral gentil e generosa (dentro de certos limites), sua atitude diante da vida nem sempre é acertada devido ao excesso de vacilação na hora de tomar decisões. Você tem capacidade para subir na vida: basta usar seus dotes intelectuais.
Sua mente é aberta e generosa e sua capacidade intelectual é grande. No entanto, em muitas ocasiões, seu julgamento parece um tanto "distorcido". Procure evitar as brigas e discussões inúteis, pois elas são suas piores inimigas.
Para atingir o sucesso, "capriche" nos estudos literários e científicos, dê asas a seu brilhante intelecto quando for o caso e direcione sua natural diligência para a escrita, as viagens, as comunicações e a análise do ser humano. Todas essas atividades são seu forte.
Mercúrio, o regente de sua vida, está situado na Casa 10, a casa da profissão, da reputação e da vida pública. Este posicionamento faz a sua vida tender à da personalidade extrovertida: você estará sempre diante do público, realizando ao mesmo tempo várias atividades profissionais. Ele lhe garante sucesso em importantes e complexas iniciativas de representação, tornando-a uma pessoa muito versátil do ponto de vista profissional.
Esse sucesso não deve estar longe em seu horizonte: fique atenta a ele.
quarta-feira, 15 de dezembro de 2010
Lady Green
Deméter e Joseph Kern
Olhares a gente não imagina... sente. A homenagem me sensibilizou, claro! Só que prefiro pensar que mais que a probabilidade racional e matemática existe alguma coisa além e inexplicável que torna possível olhares generosos, afetos inesperados, encontros aparentemente impossíveis. Vivemos um novo milênio...Prepare-se para muitas, muiiiitaaass surpresas! Um beijo terno ao JK (o elegante cavalheiro que me acompanhou na noite de autógrafos)!
Ao meu querido Andy, que me dedicou esse texto em seu blog.
LADY GREEN
Texto dedicado à Deméter ( à pessoa, não ao arquétipo)
Tarde ensolarada, eis-me que surge uma dama linda, irreconhecível para minhas últimas imagens que tivera de um último encontro num café.
Com vestido verde, contrastando sua pele alva pelo insinuante decote, fazendo-nos imaginar como seriam as margens daqueles seios...
Teu andar ressonava como as mais belas melodias e versos de Vínicius e Jobim, ao longe acompanhava, captando cada sorriso lançado aos amigos e conhecidos.
Estava acompanhada, mas de seu par ideal: era o encontro do presente, vivido no passado para mudar traços de um futuro, para seu acompanhante era o encontro com o futuro, que se fazia presente para reconstrução de um passado.
Concluí: tratava-se de um encontro, encontro de almas, objetivos, complementos entre si; a troca de sentimentos, sentimentos estes, estarem longe dos perceptíveis olhares questionadores que ali se faziam presentes....
Nem todo amor predestina-se ao sexo....assim como nem todo Deus necessita de uma religião.
Olhares a gente não imagina... sente. A homenagem me sensibilizou, claro! Só que prefiro pensar que mais que a probabilidade racional e matemática existe alguma coisa além e inexplicável que torna possível olhares generosos, afetos inesperados, encontros aparentemente impossíveis. Vivemos um novo milênio...Prepare-se para muitas, muiiiitaaass surpresas! Um beijo terno ao JK (o elegante cavalheiro que me acompanhou na noite de autógrafos)!
Ao meu querido Andy, que me dedicou esse texto em seu blog.
LADY GREEN
Texto dedicado à Deméter ( à pessoa, não ao arquétipo)
Tarde ensolarada, eis-me que surge uma dama linda, irreconhecível para minhas últimas imagens que tivera de um último encontro num café.
Com vestido verde, contrastando sua pele alva pelo insinuante decote, fazendo-nos imaginar como seriam as margens daqueles seios...
Teu andar ressonava como as mais belas melodias e versos de Vínicius e Jobim, ao longe acompanhava, captando cada sorriso lançado aos amigos e conhecidos.
Estava acompanhada, mas de seu par ideal: era o encontro do presente, vivido no passado para mudar traços de um futuro, para seu acompanhante era o encontro com o futuro, que se fazia presente para reconstrução de um passado.
Concluí: tratava-se de um encontro, encontro de almas, objetivos, complementos entre si; a troca de sentimentos, sentimentos estes, estarem longe dos perceptíveis olhares questionadores que ali se faziam presentes....
Nem todo amor predestina-se ao sexo....assim como nem todo Deus necessita de uma religião.
domingo, 12 de dezembro de 2010
Uma carta de amor
"Accusa Segreta", Francesco Hayes
Meu querido João,
Foi muito bom tê-lo encontrado. Não existem motivos para que deixemos acabar a nossa história que, na realidade, não precisa ter um fim. Talvez, do jeito que foi escrita, sem toques, sem os desgastes da rotina, sem a dureza da realidade, ele permanece como um templo e resiste à impiedade do tempo. Demorei para conseguir dormir, refiz todas as etapas do nosso encontro, “re-ouvi” todas as nossas palavras e, como sempre, o essencial se manteve à espreita, sem coragem de se mostrar de frente. É, para mim é muito mais fácil escrever do que falar. Até porque escrever é um diálogo mudo, contracenamos com uma cadeira vazia e as respostas quase sempre são ditadas pelo nosso desejo. Enfim, minha alma se nutre de sonhos e hoje eu sou mais alma do que corpo, portanto, minhas necessidades são mais sutis, mais etéreas.
Foram muitos os momentos surpreendentes.
Na realidade eu não me lembro se lhe disse alguma vez “eu te amo”, talvez pelo meu jeito esquisito, talvez, por conviver com palavras, não querer desvalorizar aquelas que representariam meu sentimento máximo. Não importa o motivo, sempre achei que você, inteligente como é, percebia, sabia, sentia. Sempre lhe dei garantias do meu amor com as minhas atitudes. Nunca agi com ninguém como ajo com você. Nunca fui tão receptiva, tão pacífica. Dê um desconto para a época em que nos conhecemos. Eu era menina, inexperiente e morria de ciúmes de você, além de ter pouca estrutura para enfrentar os nossos impedimentos.
Pois bem, hoje,com mais idade, não tenho porque esconder o que sinto. Busquei no arquivo da memória as nossas correspondências.Só eu escrevia. Recebi uma única carta. Como você é burro! Nunca percebeu que sempre estive nas suas mãos?
Desculpe-me o mau jeito, mas sou assim mesmo. De uma franqueza que não pode ser deixada por conta da espontaneidade. Tudo isso só para dizer que eu amo você, e o amo tanto que aprendi a dividi-lo com o mundo, com seu trabalho, com sua congregação, com suas aventuras e seus outros amores. Toquei a vida pra frente sem nunca perder a expectativa, mas o perdi de vista. Acho mesmo que chegou até aqui porque eu nunca quis que morresse. Você também tocou a sua vida para frente, fez suas escolhas até mesmo quando não escolhia nada. Muitos e muitos anos depois, ainda estamos nos olhando, sem coragem de romper com o passado, sem coragem de encarar o futuro, cada vez mais limitado pelo tempo. Vivemos momentos diferentes, mas eu ainda o amo. Sempre o amei.
A maturidade transforma o amor. Da menina ciumenta que não suportou a pressão, surgiu a mulher que contava os dias com serenidade, que aprendia, com a vida, a sublimar o amor. Descobri que eram as lacunas que alimentavam minha literatura. Amor, encantamento, ideal, são sentimentos que podem unir por um determinado tempo as pessoas, mas não foi suficiente para nós.O encantamento acabou cedo demais. Antes de ser. O tempo passo e mudamos nós dois. Mudar significa entrar em um campo desconhecido e tudo que não podemos prever nos causa medo, não sabemos como lidar com o inesperado e parece que não entendemos nunca que as mudanças acontecem, apesar de nós.
Assim, João, estão aqui as minhas respostas, as conclusões que chequei ao me confrontar no espelho tendo apenas a mim mesma como debatedora. Não sei as suas respostas, mas o ser humano é encantador, imprevisível, surpreendente e não há o que se rotular como bem ou mal, bom ou ruim. João, onde está você? Serei sempre feliz pelo privilégio de o ter conhecido um dia.
Todo meu amor
Maria
quarta-feira, 8 de dezembro de 2010
Um Mergulho Nas Profundezas
Imagem de Carlos Eduardo
Maria se encontra dividida entre o feijão e o sonho. Entre o amor platônico, ideal, que lhe alimenta a alma e o amor real, feito de pequenos gestos diários, de toques e olhares. O duelo é uma questão interna, de alma, cheia de lembranças nos dois caminhos percorridos. Estar dividida não significa que Maria terá que escolher um e dar adeus ao outro. Apenas quer entender, saber no seu âmago qual dos dois amores é o verdadeiro.
Deitada em seu quarto observa na janela os pequenos pontos de luz formados pelas gotas da chuva que caiu momentos antes. Gosta da sensação de estar perdida no espaço e aqueles pontos de luz são como uma galáxia inteira.
Seus dias andam difíceis, problemas cujas soluções não estão em suas mãos. Maria consegue enfrentar todos eles, mas as dores de coração são como correntes que a envolvem e a apertam. É assim que Maria se sente. Aprisionada pela própria fragilidade, pelo medo de ter que optar entre dois sentimentos de roupagem tão diferentes, mas tão idênticos em sua essência. Angustiada, acende um incenso, coloca uma música de fundo, procurando se relaxar, deixar seu pensamento livre. Nos momentos de vigília seu guardião interno costuma lhe sussurrar instruções.
Entre reflexões e lampejos inconscientes Maria penetra no subterrâneo do seu ser. As escadas parecem que apenas descem e ela sente um impulso de ir até às profundezas. São vários andares até que se sente chegando a uma espécie de porão submerso.. Maria nem pensa no absurdo que aquela cena pode representar. As águas estão limpas, mas há lodo no fundo. Sem tirar a roupa ela se lança no mergulho mais profundo que já tentara em toda a sua vida. À medida que afunda vai se desvencilhando das roupas, acessórios, sapatos. Sente-se criança, livre de preconceitos, de limites, dos medos, das máscaras. Mergulhar naquelas águas é como flutuar no espaço infinito do universo. Encontra-se a si mesma, nua, lavada, limpa.
Não encontra ninguém. Apenas resgata lembranças, como se colhesse flores no jardim, ou conchinhas na praia. Nem tempo, nem espaço. Nem sonho, nem realidade. Apenas ela e sua consciência, iniciando agora o caminho de volta. Deixava para trás o passado. Emergir é como nascer, renascer, despertar. As luzes da superfície ofuscam-lhe os olhos.
Não está em um porão. É um lago. Um menino solitário sentado à margem completa o cenário. É o futuro. Maria passa em silêncio, não quer incomodar. (Publicado no meu livro "Histórias de Maria")
terça-feira, 7 de dezembro de 2010
Impotência
O Julgamento de Eros e Psiquê - desconheço o autor
Impotência
Muitas vezes entrei em atrito com pessoas que amava por não conseguir explicar de maneira satisfatória o que penso a respeito do amor. E tive sim, muitas vezes, que arcar com o ônus de carregar a pesada cruz do amor, do idealismo, do sonho, da esperança. Reconheço-me humana e esta é a minha maior luta. É contra mim mesmo que se desencadeia a cada nascer do sol uma verdadeira batalha e tenho a consciência de que não sou diferente de ninguém por isso. Mais dia, menos dia, teremos todos que nos olhar no espelho e nos ver sem máscaras, sem dissimulações e, principalmente sem medo.
Quisera eu ser a dona da verdade. Quisera eu ter a certeza de que o caminho que trilho um dia vai me levar ao centro, à verdade absoluta do Ser. Reconheço-me caminhante, corajosa, guerreira, mas, tão longe da Verdade, embora a busque com toda a garra.
Salvar-me de mim mesma é uma guerra diária. Como poderia ter a prepotência de acreditar que poderia ajudar outra pessoa a se salvar de si mesma? Porque esta arrogância de pensar que porque vivi mais, necessariamente tenho que saber mais? Não conheço sequer a estrada onde tenho que andar. A minha própria história de vida é uma história de batalhas perdidas e ganhas.
Às vezes, ao observar os que estão chegando agora para a vida, sinto que poderia indicar alguns atalhos, mas logo percebo meu terrível engano. Dizem que os animais nunca caem duas vezes em um mesmo buraco, mas o ser humano, este sim, vai cair quantas vezes forem necessárias até que a lição seja apreendida. E cada um terá que ter a sua própria experiência. Há alguns que são mais sábios, apoderam-se da experiência alheia como se fosse uma lanterna para os guiar na escuridão. O conhecimento intelectual não nos livra de viver aquilo que temos que viver, mas só terá sentido se servir para clarear e ser um suporte nas vicissitudes da vida.
O que me dá a tranqüilidade de enfrentar dias difíceis é saber que esta não é a primeira vez, que a vida, assim como a natureza, obedece ciclos. Assim,o que hoje parece um infindável inverno, amanhã renasce com todo o esplendor da primavera. Gostaria de poder passar esse meu sentir a todos os que amo, mas sei que é impossível e daí, reconheço, no mais profundo sentido o que significa a impotência. É um querer fazer e não poder, é um querer mostrar e não conseguir, é um querer mover e, no entanto, permanecer estático. E nem mil livros podem mudar essa realidade.
Tudo isto faz parte do processo de envelhecimento. Na nossa cultura onde ter 50 anos já é ser velho, percebo que não me sinto assim. Tenho energia para tudo que ainda sonho em ser/fazer, o que realmente muda é a minha compreensão do que sou. Não sou onipotente! Não posso me sentir Deus na minha vida, nem dos meus filhos, nem na vida de ninguém. Não vou abandonar a luta, mas sei que é uma luta minha, contra mim mesma. Por ora, recolho-me à minha antiga e amiga solidão.
domingo, 5 de dezembro de 2010
Maria e o Tempo
Imagem de Mihaly Von Zichy, artista russo do século XIX.
Aqui está Maria, de novo, tentando se acertar com o tempo. Ao penetrar em si, esse malvado lhe foge e tanto faz se tem 10 mil anos ou se acaba de nascer. É sempre um recomeço. Tenta prosseguir sua viagem de vida, mas um guardião lhe diz que não pode pular etapas, tem que viver cada uma delas. O vazio no qual mergulha, não é tão solitário assim. Personagens escondidas aparecem para dar as suas instruções e depois se desfazem como éter no ar.
Os pés sentem um formigamento que vai aos poucos sendo substituído por um enorme calor. Chove lá fora, a temperatura é amena, mas Maria está em chamas! Um calor que percorre cada célula do seu corpo e a faz gotejar de suor. Sente seu coração bater em um ritmo diferente, mas não o sente descompassado do universo, desta força perfeita e invisível.
É nesta atmosfera fluídica, fantasiosa e cheia de delírios que conversa com João, mas não o vê, não o ouve. Do outro lado, em algum espaço virtual seus pensamentos se encontram.
- Quem é essa mulher de múltiplas faces? Mãe, mulher, profissional?
- Sou um ser em constante evolução, aberta para a vida, sujeita a chuvas e trovoadas.
- Gosto da forma como você se expressa. Sempre foi intensa assim? Você transmite muita vontade de viver.
- Sim sempre fui intensa, dramática, apaixonada. Sofria por amor, desesperava, curtia fossa ! A dor era sempre intensa, mas só até virar a esquina e encontrar um novo amor.
- E o que busca hoje?
- Não sei. Vivo uma constante fase de mutação. Tento voltar a escrever pra mim, sobre mim, restabelecer esse diálogo que perdi ao me fixar em fantasmas.
- Não entendi.
- Nem precisa.
- Não tem namorado?
- Não. Sucessivas desilusões me desanimam de procurar.
- Foram tantas?
Risos.
- A culpa sempre foi minha.
- Porquê?
- Porque esperei, arquitetei planos; as pessoas não são obrigadas a preencher o desenho da minha fantasia.
- Vou lhe falar uma coisa, mas não sei explicar o motivo: eu hoje fiquei curioso em saber um pouco sobre você.
- Eu queria mesmo lhe perguntar sobre isso. O que uma mulher na minha idade teria para chamar a atenção de um jovem, bonito, inteligente, interessante?
- Sua forma de se expressar. Em segundos, parecia que lhe conhecia há anos. Percebi que você não é hipócrita, tem uma sensualidade aflorada. Já parou para pensar nisso?
- Olha, nesse aspecto eu posso ser uma fraude.
- É uma personagem?
- Bom, eu não sou só Maria... e sou todas as Marias. Na realidade o ato de escrever tem muito do autor, são reflexos. E essa sensualidade talvez se expresse agora que não tenho mais barreiras mentais.
- Isso quer dizer que você vem rompendo seus tabus?
- Vamos dizer que sou uma eterna buscadora de mim mesma. Meu forte nunca foi ser uma mulher bonita. Meu trunfo sempre esteve ligado às questões mentais, talvez por isso ao fato de estar envelhecendo não me incomoda.
- Seu nome é Intensidade.
Maria está confusa, não sabe o que pensar sobre a motivação daquela conversa. Pensa em parar, mas João a submete a um verdadeiro interrogatório. Quer saber mais e tudo. E ela trata logo de buscar argumentos que possam cortar aquele diálogo sem sentido.
- Tenho mais de 50 anos, passei recentemente pela menopausa, engordei 16 quilos, não tenho mais nenhuma beleza para mostrar.
-Todo mundo vai passar por isso, Maria. Você ainda se sente mulher?
Risos.
- Eu bem que poderia ter nascido uns anos depois. Agora estaria investindo em você!
- Isso não me assusta! Já se relacionou com alguém mais novo?
- Você poderia ser meu filho. Meu marido era mais novo, mas não tanto.
- E ele foi o mais novo?
- Eu não tenho preconceito João, mas as experiências de vida são muito pesadas em relacionamentos com diferenças acentuadas de idade. Principalmente se a mulher é a mais velha.
A partir desse momento Maria sente que deu mesmo sinal verde. Ele vai continuar a questioná-la e ela não sabe onde ele quer chegar.
- Acho que a mulher madura se entrega mais, ela se permite sentir prazer e isso é gostoso. Falta dialogo hoje em dia, abertura para falar o que gosta. Já ousou na sua intimidade alguma vez?
- Depende, o que seria "ousar"?
- Se você já se permitiu viver suas fantasias?
- Minhas fantasias são normais. Não sou adepta de Sade. Gosto de sexo, de sentir e dar prazer, mas não preciso ser jogada na parede, plantar bananeiras, fazer piruetas e coisas do gênero . Gosto de ternura. Gosto de sexo sem pressa, de me permitir cada detalhe
A conversa continua e passeia sem barreiras por todas as atividades possíveis na sexualidade de uma pessoa. Não há desrespeito e a curiosidade é mútua. Em meio a risos, brincadeiras, as verdades vão sendo ditas. João está à vontade, sente-se escudado pela idade, curiosamente o mesmo escudo que deixa Maria também à vontade. O encontro entre os dois é tão insólito que qualquer barreira que seja erguida , seria sem sentido algum. Maria relembra outro encontro, há sete anos, que nunca passou dos olhares, do platonismo, da edificação do amor como se fosse um templo. Passou. Como tudo. A saudade, sem nada de concreto para se alicerçar desapareceu como fumaça. Os encantamentos não são revivíveis. Absorta em seus pensamentos paralelos, Maria se surpreende com a pergunta de João.
- Posso lhe perguntar uma coisa?
- Sim.
- Você se masturba?
- Agora?
Risos.
- Pense em mim, quando o fizer.
A música dissolveu-se pelo quarto como um perfume. Maria estava deitada na cama a se tocar levemente. Mantinha os olhos fechados e o movimento dos dedos acompanhava o ritmo preguiçoso da música. Queria mantê-lo em sua consciência, sem importunar o sonho dele. No sonho de Maria ele pode entrar e chega de mansinho, despe-se e deita-se ao seu lado numa posição de modo a poder lhe acariciar os pés. Seus corpos ocupam na cama o sentido oposto ao ato da penetração sexual. Ele substitui a mão dela pela dele à procura do clitóris e esta troca de desejo é tão suave como se a melodia tivesse encontrado no ventre de Maria o seu espaço eterno. Quase por instinto ou sobreposição de prazeres ela o masturba com aquela inocência de quem se sente estranhamente perdida num labirinto erótico. Prisioneira de um tempo luxurioso. Sente então a língua de João a rastejar pela perna dela numa lentidão chocante, nesse momento, o desejo de um é o desejo do outro. A intimidade sexual era tão intensa, os corpos tão ausentes, que a sensação de serem tocados, lambidos e explorados sexualmente parecia uma oferta divina de uma imaginação profundamente amorosa. Sim. O amor que sentiam um pelo outro era mesmo uma fantasia. Eles não se amavam. Favoreciam as necessidades sexuais numa troca imaginária de corpos para que cada um pudesse sonhar à sua maneira. Seus sonhos são como uma galeria de imagens provocantes que os faz sentir a presença um do outro.
Aqui está Maria, de novo, tentando se acertar com o tempo. Ao penetrar em si, esse malvado lhe foge e tanto faz se tem 10 mil anos ou se acaba de nascer. É sempre um recomeço. Tenta prosseguir sua viagem de vida, mas um guardião lhe diz que não pode pular etapas, tem que viver cada uma delas. O vazio no qual mergulha, não é tão solitário assim. Personagens escondidas aparecem para dar as suas instruções e depois se desfazem como éter no ar.
Os pés sentem um formigamento que vai aos poucos sendo substituído por um enorme calor. Chove lá fora, a temperatura é amena, mas Maria está em chamas! Um calor que percorre cada célula do seu corpo e a faz gotejar de suor. Sente seu coração bater em um ritmo diferente, mas não o sente descompassado do universo, desta força perfeita e invisível.
É nesta atmosfera fluídica, fantasiosa e cheia de delírios que conversa com João, mas não o vê, não o ouve. Do outro lado, em algum espaço virtual seus pensamentos se encontram.
- Quem é essa mulher de múltiplas faces? Mãe, mulher, profissional?
- Sou um ser em constante evolução, aberta para a vida, sujeita a chuvas e trovoadas.
- Gosto da forma como você se expressa. Sempre foi intensa assim? Você transmite muita vontade de viver.
- Sim sempre fui intensa, dramática, apaixonada. Sofria por amor, desesperava, curtia fossa ! A dor era sempre intensa, mas só até virar a esquina e encontrar um novo amor.
- E o que busca hoje?
- Não sei. Vivo uma constante fase de mutação. Tento voltar a escrever pra mim, sobre mim, restabelecer esse diálogo que perdi ao me fixar em fantasmas.
- Não entendi.
- Nem precisa.
- Não tem namorado?
- Não. Sucessivas desilusões me desanimam de procurar.
- Foram tantas?
Risos.
- A culpa sempre foi minha.
- Porquê?
- Porque esperei, arquitetei planos; as pessoas não são obrigadas a preencher o desenho da minha fantasia.
- Vou lhe falar uma coisa, mas não sei explicar o motivo: eu hoje fiquei curioso em saber um pouco sobre você.
- Eu queria mesmo lhe perguntar sobre isso. O que uma mulher na minha idade teria para chamar a atenção de um jovem, bonito, inteligente, interessante?
- Sua forma de se expressar. Em segundos, parecia que lhe conhecia há anos. Percebi que você não é hipócrita, tem uma sensualidade aflorada. Já parou para pensar nisso?
- Olha, nesse aspecto eu posso ser uma fraude.
- É uma personagem?
- Bom, eu não sou só Maria... e sou todas as Marias. Na realidade o ato de escrever tem muito do autor, são reflexos. E essa sensualidade talvez se expresse agora que não tenho mais barreiras mentais.
- Isso quer dizer que você vem rompendo seus tabus?
- Vamos dizer que sou uma eterna buscadora de mim mesma. Meu forte nunca foi ser uma mulher bonita. Meu trunfo sempre esteve ligado às questões mentais, talvez por isso ao fato de estar envelhecendo não me incomoda.
- Seu nome é Intensidade.
Maria está confusa, não sabe o que pensar sobre a motivação daquela conversa. Pensa em parar, mas João a submete a um verdadeiro interrogatório. Quer saber mais e tudo. E ela trata logo de buscar argumentos que possam cortar aquele diálogo sem sentido.
- Tenho mais de 50 anos, passei recentemente pela menopausa, engordei 16 quilos, não tenho mais nenhuma beleza para mostrar.
-Todo mundo vai passar por isso, Maria. Você ainda se sente mulher?
Risos.
- Eu bem que poderia ter nascido uns anos depois. Agora estaria investindo em você!
- Isso não me assusta! Já se relacionou com alguém mais novo?
- Você poderia ser meu filho. Meu marido era mais novo, mas não tanto.
- E ele foi o mais novo?
- Eu não tenho preconceito João, mas as experiências de vida são muito pesadas em relacionamentos com diferenças acentuadas de idade. Principalmente se a mulher é a mais velha.
A partir desse momento Maria sente que deu mesmo sinal verde. Ele vai continuar a questioná-la e ela não sabe onde ele quer chegar.
- Acho que a mulher madura se entrega mais, ela se permite sentir prazer e isso é gostoso. Falta dialogo hoje em dia, abertura para falar o que gosta. Já ousou na sua intimidade alguma vez?
- Depende, o que seria "ousar"?
- Se você já se permitiu viver suas fantasias?
- Minhas fantasias são normais. Não sou adepta de Sade. Gosto de sexo, de sentir e dar prazer, mas não preciso ser jogada na parede, plantar bananeiras, fazer piruetas e coisas do gênero . Gosto de ternura. Gosto de sexo sem pressa, de me permitir cada detalhe
A conversa continua e passeia sem barreiras por todas as atividades possíveis na sexualidade de uma pessoa. Não há desrespeito e a curiosidade é mútua. Em meio a risos, brincadeiras, as verdades vão sendo ditas. João está à vontade, sente-se escudado pela idade, curiosamente o mesmo escudo que deixa Maria também à vontade. O encontro entre os dois é tão insólito que qualquer barreira que seja erguida , seria sem sentido algum. Maria relembra outro encontro, há sete anos, que nunca passou dos olhares, do platonismo, da edificação do amor como se fosse um templo. Passou. Como tudo. A saudade, sem nada de concreto para se alicerçar desapareceu como fumaça. Os encantamentos não são revivíveis. Absorta em seus pensamentos paralelos, Maria se surpreende com a pergunta de João.
- Posso lhe perguntar uma coisa?
- Sim.
- Você se masturba?
- Agora?
Risos.
- Pense em mim, quando o fizer.
A música dissolveu-se pelo quarto como um perfume. Maria estava deitada na cama a se tocar levemente. Mantinha os olhos fechados e o movimento dos dedos acompanhava o ritmo preguiçoso da música. Queria mantê-lo em sua consciência, sem importunar o sonho dele. No sonho de Maria ele pode entrar e chega de mansinho, despe-se e deita-se ao seu lado numa posição de modo a poder lhe acariciar os pés. Seus corpos ocupam na cama o sentido oposto ao ato da penetração sexual. Ele substitui a mão dela pela dele à procura do clitóris e esta troca de desejo é tão suave como se a melodia tivesse encontrado no ventre de Maria o seu espaço eterno. Quase por instinto ou sobreposição de prazeres ela o masturba com aquela inocência de quem se sente estranhamente perdida num labirinto erótico. Prisioneira de um tempo luxurioso. Sente então a língua de João a rastejar pela perna dela numa lentidão chocante, nesse momento, o desejo de um é o desejo do outro. A intimidade sexual era tão intensa, os corpos tão ausentes, que a sensação de serem tocados, lambidos e explorados sexualmente parecia uma oferta divina de uma imaginação profundamente amorosa. Sim. O amor que sentiam um pelo outro era mesmo uma fantasia. Eles não se amavam. Favoreciam as necessidades sexuais numa troca imaginária de corpos para que cada um pudesse sonhar à sua maneira. Seus sonhos são como uma galeria de imagens provocantes que os faz sentir a presença um do outro.
sábado, 4 de dezembro de 2010
Como água para chocolate
(Whaterhouse)
A vontade de Maria era amar menos João. Angustiava-se por vê-lo reprimir seus impulsos, racionalizar tudo e transformar em teorias matemáticas situações do dia a dia. A hipersensibilidade atuava em sua vida como um calcanhar de Aquiles. O ponto onde as pessoas o atingiam e o faziam sofrer. Ela não queria que sofresse, queria que ele sentisse, mas não conseguia descobrir o mecanismo para o sacudir, provocar nele uma reação. Não seria necessariamente mudar a sua própria natureza, mas faze-lo entender que é humano, que tem direito a gritar, a sentir raiva, explodir. Como seria bom vê-lo se descontrolar ainda que fosse uma única vez. Mas não poderia ser Maria a provocar essas atitudes nele, sob pena de perder para sempre seu amor. A relação entre eles já era complicada. Eram opostos em tudo e a aproximação entre eles já era por demais insólita.
João foi um menino calado, introspectivo, tinha dificuldades de relacionamento com garotos da sua idade. Franzino, não se adaptava aos modos grosseiros dos meninos. Afastou-se dos esportes, das competições de xixi, de espreitar as meninas, das brincadeiras de rua. Não aprendeu a jogar bola, a empinar pipa, nem andar de skate, de patins e nem mesmo de bicicleta. Inteligente, jogou nesta característica a sua tábua de salvação. Embrenhou-se muito cedo no caminho da leitura e aos poucos arquitetou seu próprio mundo, rico em personagens imaginários; impenetrável por estranhos. A infância passou dentro da normalidade de uma criança retraída que conseguia se superar angariando elogios e a aprovação dos pais. Acho que nunca quebrou uma vidraça do vizinho, ou teve consciência de que estava preparando uma cilada para o galã da escola. Não teve contato com sua própria maldade.
A adolescência transformou-o em um rapaz tímido, atraente por seus dotes intelectuais, seu olhar tristonho e gestos suaves. Percorria com desembaraço os labirintos do seu cérebro, a ciência era uma ferramenta poderosa para os seus conceitos e para a compreensão do mundo. Mas não conseguia entender suas entranhas. Não percebeu que ao se isolar em si mesmo, tornou-se idealista, o que em termos práticos, escondia seu egoísmo. Sem ter com quem validar seus próprios conceitos Fabrício tornou-se um fenômeno no campo do conhecimento. Suas teorias eram perfeitas e, quando testadas, ainda poderiam ser direcionadas para o resultado que ele queria. Sua crueldade estava restrita ao pensamento, às conclusões que chegava, que mesmo expressas (às vezes em verdadeiras pérolas literárias) não revelavam a repressão acumulada ao longo dos anos.
Maria, por sua vez, desde que nasceu já dava demonstrações de que não aceitaria nada calada e que não se curvaria diante da possibilidade de uma batalha. No berçário ainda, ganhou o título de mais chorona. Sabia subir em árvores, aprendeu a nadar, sem técnica, mas aprendeu sozinha, o suficiente para não morrer afogada em rio. Trocou a reposição de sua boneca quebrada por uma bicicleta. Jogava finca, betsy, queimada. Não era boa em nada, mas não aceitava a derrota sem tentar. Sofria quando era marginalizada na aula de educação física. Preferia estar com os meninos, entre os quais sua fragilidade era justificada por ser mulher, e vivia em constante briga por causa dos ciúmes do seu irmão, que cuidava dela como um galo de rinha. Sempre achou a vida dos meninos mais privilegiada que das meninas. Eles tinham o que ela mais desejava: liberdade. Ainda assim, Maria era uma menina meiga, de gestual delicado, de muita sensibilidade. Gostava de música, dança, e desde bem pequena já fazia teatro. Gostava de declamar, mas só fazia se a platéia fosse respeitável.
- Deixa juntar gente, reclamava.
Nunca soube se era tímida porque a vida sempre lhe colocou em situações que tinha que se mover com desenvoltura, escondendo de si mesma seus medos. E assim ela formou sua personalidade, como uma moça valente, guerreira, brava. Também tinha suas máscaras e em nada poderia ser diferente de Fabrício. Aprendeu a ser dissimulada, como todas as mulheres, e a usar disso para se defender do mundo que sempre lhe pareceu hostil. Sua oralidade desde o berçário se manifestava na sua facilidade de expressão. Maria sempre procurou se equilibrar entre os extremos. Despertava nas pessoas amor e ódio. Nunca lhes era indiferente. Os que conseguiam quebrar a resistência inicial, não raro, encontravam uma moça insegura, cheia de medos, de sentimentos de menos valia que se confundiam com sua enorme capacidade de doação.
É sempre difícil e arriscado relacionar a generosidade, o idealismo, a timidez, ao egoísmo, à própria vaidade, à arrogância intelectual. Assim como é complicado entender que atrás de cada exibido, existe um tímido. Todo ser humano é um pouco assim, tenta se esconder, procura sublimar seus defeitos para que a vida em grupo lhe seja possível. Para Maria era mais fácil fazer, para João o fácil era saber. Nenhum dos dois possuía o saber-fazer.
Agora Maria e João estavam ali, frente a frente, um verdadeiro confronto entre a teoria e a prática, o empírico e o científico, o passado e o futuro. João quer eternizar o sentimento que os une. Maria conhece seus limites, não pode tocá-lo, mas é o que ela gostaria, beijar cada centímetro do seu corpo, sentir seu gosto, ver sua pele se retrair e arrepiar ao toque da sua língua. Sentir seu cheiro. Acariciar seus cabelos. Massagear-lhe os pés. Misturar seus corpos. Fazer com que a ardência do seu aqueça a frieza do dele. Não importa se ele se afastar depois, ela o quer vivo, vibrante. Maria pensa na eternidade, nada é eterno, nem mesmo aquele amor ideal. Não existe verdade, ninguém sabe o que é certo ou errado, a vida vale pelas lições que aprenderam, pela troca e equilíbrio entre as suas diferenças. Felicidade é lucro.
A vontade de Maria era amar menos João. Angustiava-se por vê-lo reprimir seus impulsos, racionalizar tudo e transformar em teorias matemáticas situações do dia a dia. A hipersensibilidade atuava em sua vida como um calcanhar de Aquiles. O ponto onde as pessoas o atingiam e o faziam sofrer. Ela não queria que sofresse, queria que ele sentisse, mas não conseguia descobrir o mecanismo para o sacudir, provocar nele uma reação. Não seria necessariamente mudar a sua própria natureza, mas faze-lo entender que é humano, que tem direito a gritar, a sentir raiva, explodir. Como seria bom vê-lo se descontrolar ainda que fosse uma única vez. Mas não poderia ser Maria a provocar essas atitudes nele, sob pena de perder para sempre seu amor. A relação entre eles já era complicada. Eram opostos em tudo e a aproximação entre eles já era por demais insólita.
João foi um menino calado, introspectivo, tinha dificuldades de relacionamento com garotos da sua idade. Franzino, não se adaptava aos modos grosseiros dos meninos. Afastou-se dos esportes, das competições de xixi, de espreitar as meninas, das brincadeiras de rua. Não aprendeu a jogar bola, a empinar pipa, nem andar de skate, de patins e nem mesmo de bicicleta. Inteligente, jogou nesta característica a sua tábua de salvação. Embrenhou-se muito cedo no caminho da leitura e aos poucos arquitetou seu próprio mundo, rico em personagens imaginários; impenetrável por estranhos. A infância passou dentro da normalidade de uma criança retraída que conseguia se superar angariando elogios e a aprovação dos pais. Acho que nunca quebrou uma vidraça do vizinho, ou teve consciência de que estava preparando uma cilada para o galã da escola. Não teve contato com sua própria maldade.
A adolescência transformou-o em um rapaz tímido, atraente por seus dotes intelectuais, seu olhar tristonho e gestos suaves. Percorria com desembaraço os labirintos do seu cérebro, a ciência era uma ferramenta poderosa para os seus conceitos e para a compreensão do mundo. Mas não conseguia entender suas entranhas. Não percebeu que ao se isolar em si mesmo, tornou-se idealista, o que em termos práticos, escondia seu egoísmo. Sem ter com quem validar seus próprios conceitos Fabrício tornou-se um fenômeno no campo do conhecimento. Suas teorias eram perfeitas e, quando testadas, ainda poderiam ser direcionadas para o resultado que ele queria. Sua crueldade estava restrita ao pensamento, às conclusões que chegava, que mesmo expressas (às vezes em verdadeiras pérolas literárias) não revelavam a repressão acumulada ao longo dos anos.
Maria, por sua vez, desde que nasceu já dava demonstrações de que não aceitaria nada calada e que não se curvaria diante da possibilidade de uma batalha. No berçário ainda, ganhou o título de mais chorona. Sabia subir em árvores, aprendeu a nadar, sem técnica, mas aprendeu sozinha, o suficiente para não morrer afogada em rio. Trocou a reposição de sua boneca quebrada por uma bicicleta. Jogava finca, betsy, queimada. Não era boa em nada, mas não aceitava a derrota sem tentar. Sofria quando era marginalizada na aula de educação física. Preferia estar com os meninos, entre os quais sua fragilidade era justificada por ser mulher, e vivia em constante briga por causa dos ciúmes do seu irmão, que cuidava dela como um galo de rinha. Sempre achou a vida dos meninos mais privilegiada que das meninas. Eles tinham o que ela mais desejava: liberdade. Ainda assim, Maria era uma menina meiga, de gestual delicado, de muita sensibilidade. Gostava de música, dança, e desde bem pequena já fazia teatro. Gostava de declamar, mas só fazia se a platéia fosse respeitável.
- Deixa juntar gente, reclamava.
Nunca soube se era tímida porque a vida sempre lhe colocou em situações que tinha que se mover com desenvoltura, escondendo de si mesma seus medos. E assim ela formou sua personalidade, como uma moça valente, guerreira, brava. Também tinha suas máscaras e em nada poderia ser diferente de Fabrício. Aprendeu a ser dissimulada, como todas as mulheres, e a usar disso para se defender do mundo que sempre lhe pareceu hostil. Sua oralidade desde o berçário se manifestava na sua facilidade de expressão. Maria sempre procurou se equilibrar entre os extremos. Despertava nas pessoas amor e ódio. Nunca lhes era indiferente. Os que conseguiam quebrar a resistência inicial, não raro, encontravam uma moça insegura, cheia de medos, de sentimentos de menos valia que se confundiam com sua enorme capacidade de doação.
É sempre difícil e arriscado relacionar a generosidade, o idealismo, a timidez, ao egoísmo, à própria vaidade, à arrogância intelectual. Assim como é complicado entender que atrás de cada exibido, existe um tímido. Todo ser humano é um pouco assim, tenta se esconder, procura sublimar seus defeitos para que a vida em grupo lhe seja possível. Para Maria era mais fácil fazer, para João o fácil era saber. Nenhum dos dois possuía o saber-fazer.
Agora Maria e João estavam ali, frente a frente, um verdadeiro confronto entre a teoria e a prática, o empírico e o científico, o passado e o futuro. João quer eternizar o sentimento que os une. Maria conhece seus limites, não pode tocá-lo, mas é o que ela gostaria, beijar cada centímetro do seu corpo, sentir seu gosto, ver sua pele se retrair e arrepiar ao toque da sua língua. Sentir seu cheiro. Acariciar seus cabelos. Massagear-lhe os pés. Misturar seus corpos. Fazer com que a ardência do seu aqueça a frieza do dele. Não importa se ele se afastar depois, ela o quer vivo, vibrante. Maria pensa na eternidade, nada é eterno, nem mesmo aquele amor ideal. Não existe verdade, ninguém sabe o que é certo ou errado, a vida vale pelas lições que aprenderam, pela troca e equilíbrio entre as suas diferenças. Felicidade é lucro.
segunda-feira, 29 de novembro de 2010
O homenzinho azul
Era uma vez um homenzinho azul que vivia na escuridão. Saía de casa toda noite para buscar o diamante do sol e voltava ao raiar do dia, mergulhado em sombras. Só vislumbrava a luz em noites enluaradas. E homenzinho azul que vivia na escuridão passou a vida dormindo de dia sem entender o tempo e morreu distante da luz, distante do sol.
Moral da história:
Quem procura a luz fora de si não se transforma em estrela.
A menina cor-de-rosa
Era uma vez uma menininha cor–de-rosa que vivia na concha furta-cor de um caracol e ousou empreender viagem para além dos seus limites. Conheceu serpentes corais, flores amarelas, insetos vermelhos, animais verdes, homenzinhos azuis. Cada um com quem se encontrava profundamente lhe transformava, modificava sua cor, fazia-a viver milhões de emoções em um só dia. Aprendeu a pensar com o coração, agir com a emoção e vencer com o amor. Aprendeu a hospedar pessoas em seu próprio ventre e a ter paciência para esperar nascer. Aprendeu a dar asas, ensinar a voar e deixar partir. Transformou em luz e sorriso as dores e incompreensões que carregou na alma e aprendeu a ter sempre à disposição um ombro forte a oferecer. E foi assim que a menininha cor-de-rosa se descobriu mulher e foi morar no arco-íris.
Moral da história: Para ser é preciso ousar.
sexta-feira, 26 de novembro de 2010
Um encontro com o Tempo
Jovem e Eros (Bouguereau)
A luta tem sido grande para exteriorizar o que se passa em meu interior. Sinto que há algo sufocado, pedindo para tomar forma, para sair e me dar a mão nesta caminhada de autoconhecimento. Há um bloqueio perceptível, mas em meu âmago sei o que gerou toda esta dificuldade. Emprestei minha vida a outras vidas e, perdida de mim, tateio o escuro, o obscuro, o morno. Buscar a Luz exige disciplina e generosidade para sair do pequeno círculo de mim e me integrar a uma energia maior. Começo então pela disciplina de me obrigar a escrever, pelo menos, uma vez por semana. A obrigatoriedade de percorrer os labirintos mentais e emocionais que criamos abre, com certeza, os portais da compreensão, sem que tenha medo de me expor. Este escrever a que me refiro vai além das palavras, das frases bem elaboradas, dos textos brilhantes. Falo de sentimentos, de descoberta do que realmente sou.
Tomada então por estas reflexões, visto-me e saio à procura de um lugar em que esse encontro seja facilitado. Sento-me então na primeira igreja que encontro aberta. Escuto o silêncio. Encontro na solidão amiga a paz que me equilibra nas ações do dia-a-dia. Nem percebo que ao meu lado se senta um rapaz, um jovem de cabelos longos, de barba, de olhar penetrante, que me olha como se visse um fantasma.
- Não estou chorando, porque será que estou chamando a atenção desse rapaz? Porque veio se sentar justamente do meu lado, quando todos os bancos estão vazios? Penso.
- Boa tarde, senhora.
Assusto-me e meu corpo estremece com a vibração daquela voz, mas respira fundo e responde.
- Pois não.
- Entrei aqui porque me sentia em crise existencial. Sentia a dor e o desespero de simplesmente viver. Senti a quietude da senhora e não resisti a vontade de me aproximar. Parecia que eu seria envolvido por essa nuvem de paz que a senhora transmite.
- Meu Deus, estou aqui em busca de mim mesma, do meu Ser. Como posso ter despertado isso em você? Você ainda é tão jovem, é natural que se faça perguntas e é bom que isso comece cedo. O tempo é algo que nos escapa das mãos. O que posso fazer por você?
- Nada. Apenas converse comigo.
- E sobre o que você quer conversar?
- Como foi que a senhora conseguiu viver até aqui? A vida não lhe pesa?
- É uma longa história, meu rapaz. Sempre pensei que o tempo fosse um velho denso, sério, fechado. Vivi. O próprio tempo se mostrou então a mim como jovem, alegre, doce, amável, etéreo, assim como você. A vida tenta complicar, mas o tempo corrige tudo.
- A senhora transmite serenidade. Há uma aura de delicadeza envolvendo as suas palavras. Não sei porque, desde que vi a senhora sentada, senti uma certa identificação. Há uma singular familiaridade no que me diz. A senhora já se sentiu perdida? Como estou eu agora? Há um jeito de sair desta angústia?
- Muitas vezes me senti perdida. Se não ficar atenta, eu me perco de mim todos os dias. Lamentavelmente não existem regras, mas há sim métodos simples que podem disciplinar a nossa mente. Um deles é não ter medo de enfrentar a si próprio, reconhecer seus defeitos, admitir que todos nós temos sombras, mas só podemos combatê-las se as identificarmos. Penetrar nossos labirintos pode ser uma experiência gratificante e pode nos ensinar os primeiros passos em direção à Luz que vem de dentro. Podemos identificar esse ponto brilhante nas sístoles e diástoles do nosso pensamento.
- Realmente, esse caminho não me parece estranho. Enquanto fala é como se eu mesmo me encaminhasse para a luz. Estou como hipnotizado, robotizado, encantado.
É como se estivesse voltando para casa. Sinto-me seguro para esse retorno. Vou de mãos dadas com o Tempo. Dissipou-se em mim as lembranças, as saudades, as amarguras. É tudo novo, embora eu saiba que é apenas o velho que se revestiu de novo. Estou indo. Desculpe-me por incomodá-la com os meus problemas. Saio daqui feliz.
- Que o Deus do seu coração o acompanhe.
Retorno então aos meus pensamentos. Penso no tempo. Alma velha em corpo novo. Sempre esteve ali, nunca chegou, nunca saiu. Enquanto tentava explicar ao rapaz a minha experiência, expliquei a mim mesma e agora estou em paz. Em meu caminho agora, apenas belas flores de serenidade.
- Hoje, encontrei-me com o tempo!
A luta tem sido grande para exteriorizar o que se passa em meu interior. Sinto que há algo sufocado, pedindo para tomar forma, para sair e me dar a mão nesta caminhada de autoconhecimento. Há um bloqueio perceptível, mas em meu âmago sei o que gerou toda esta dificuldade. Emprestei minha vida a outras vidas e, perdida de mim, tateio o escuro, o obscuro, o morno. Buscar a Luz exige disciplina e generosidade para sair do pequeno círculo de mim e me integrar a uma energia maior. Começo então pela disciplina de me obrigar a escrever, pelo menos, uma vez por semana. A obrigatoriedade de percorrer os labirintos mentais e emocionais que criamos abre, com certeza, os portais da compreensão, sem que tenha medo de me expor. Este escrever a que me refiro vai além das palavras, das frases bem elaboradas, dos textos brilhantes. Falo de sentimentos, de descoberta do que realmente sou.
Tomada então por estas reflexões, visto-me e saio à procura de um lugar em que esse encontro seja facilitado. Sento-me então na primeira igreja que encontro aberta. Escuto o silêncio. Encontro na solidão amiga a paz que me equilibra nas ações do dia-a-dia. Nem percebo que ao meu lado se senta um rapaz, um jovem de cabelos longos, de barba, de olhar penetrante, que me olha como se visse um fantasma.
- Não estou chorando, porque será que estou chamando a atenção desse rapaz? Porque veio se sentar justamente do meu lado, quando todos os bancos estão vazios? Penso.
- Boa tarde, senhora.
Assusto-me e meu corpo estremece com a vibração daquela voz, mas respira fundo e responde.
- Pois não.
- Entrei aqui porque me sentia em crise existencial. Sentia a dor e o desespero de simplesmente viver. Senti a quietude da senhora e não resisti a vontade de me aproximar. Parecia que eu seria envolvido por essa nuvem de paz que a senhora transmite.
- Meu Deus, estou aqui em busca de mim mesma, do meu Ser. Como posso ter despertado isso em você? Você ainda é tão jovem, é natural que se faça perguntas e é bom que isso comece cedo. O tempo é algo que nos escapa das mãos. O que posso fazer por você?
- Nada. Apenas converse comigo.
- E sobre o que você quer conversar?
- Como foi que a senhora conseguiu viver até aqui? A vida não lhe pesa?
- É uma longa história, meu rapaz. Sempre pensei que o tempo fosse um velho denso, sério, fechado. Vivi. O próprio tempo se mostrou então a mim como jovem, alegre, doce, amável, etéreo, assim como você. A vida tenta complicar, mas o tempo corrige tudo.
- A senhora transmite serenidade. Há uma aura de delicadeza envolvendo as suas palavras. Não sei porque, desde que vi a senhora sentada, senti uma certa identificação. Há uma singular familiaridade no que me diz. A senhora já se sentiu perdida? Como estou eu agora? Há um jeito de sair desta angústia?
- Muitas vezes me senti perdida. Se não ficar atenta, eu me perco de mim todos os dias. Lamentavelmente não existem regras, mas há sim métodos simples que podem disciplinar a nossa mente. Um deles é não ter medo de enfrentar a si próprio, reconhecer seus defeitos, admitir que todos nós temos sombras, mas só podemos combatê-las se as identificarmos. Penetrar nossos labirintos pode ser uma experiência gratificante e pode nos ensinar os primeiros passos em direção à Luz que vem de dentro. Podemos identificar esse ponto brilhante nas sístoles e diástoles do nosso pensamento.
- Realmente, esse caminho não me parece estranho. Enquanto fala é como se eu mesmo me encaminhasse para a luz. Estou como hipnotizado, robotizado, encantado.
É como se estivesse voltando para casa. Sinto-me seguro para esse retorno. Vou de mãos dadas com o Tempo. Dissipou-se em mim as lembranças, as saudades, as amarguras. É tudo novo, embora eu saiba que é apenas o velho que se revestiu de novo. Estou indo. Desculpe-me por incomodá-la com os meus problemas. Saio daqui feliz.
- Que o Deus do seu coração o acompanhe.
Retorno então aos meus pensamentos. Penso no tempo. Alma velha em corpo novo. Sempre esteve ali, nunca chegou, nunca saiu. Enquanto tentava explicar ao rapaz a minha experiência, expliquei a mim mesma e agora estou em paz. Em meu caminho agora, apenas belas flores de serenidade.
- Hoje, encontrei-me com o tempo!
segunda-feira, 22 de novembro de 2010
Envelhecer com dignidade
Envelhecer com dignidade
Agrada-me envelhecer... É como se cada ano
que passasse retirasse um véu dos meus olhos.
Reconhecer a dor, vibrar com a alegria,
sonhar com cada possibilidade,
VIVER a realidade.
Mas, o que mais me encanta é a serenidade.
É ter aprendido a perder ou a ganhar, sem
que isso tenha realmente valor em minha vida,
porque finalmente posso entender
que sempre se ganha.
Perco uma queda
de braço com a existência, mas nunca
perco a lição.
Encanta-me ser chamada de tia pelos amigos
dos meus filhos. Para ser honesta,
há um misto de prazer e
de divertimento quando alguém
desconhecido também me chama de tia,
ainda que a intenção dele
seja a de me xingar...
Só cheguei até aqui porque vivi.
Divirto-me com os donos do mundo, com
a lógica, com a competição dos jogos.
Ao envelhecer sinto que é mais fácil
compreender
os vencedores e os derrotados.
Cada ruga, ou cada fio de cabelo branco
conta uma história.
Todas válidas, reais, verdadeiras.
Gosto das marcas do meu corpo,
São provas de que realmente
EU EXISTO.
sábado, 13 de novembro de 2010
Para renovar o pecado
Há algum tempo venho juntando imagens de Psiquê e do Amor, são telas e esculturas famosas. Em nenhuma vi Psiquê tão entregue ao Amor como nesta Imagem de Bouguereau. É terna, suave, mas traz embutida um erotismo elegante. Adolescentes descobrindo o amor. Brindo o final de semana com Bilac, meu poeta da adolescência. Amem muito! Renovem o pecado... homem maior que Deus!!!
A Alvorada do Amor
Olavo Bilac
Um horror, grande e mudo, um silêncio profundo
No dia do Pecado amortalhava o mundo.
E Adão, vendo fechar-se a porta do Éden, vendo
Que Eva olhava o deserto e hesitava tremendo,
Disse:
Chega-te a mim! entra no meu amor,
E e à minha carne entrega a tua carne em flor!
Preme contra o meu peito o teu seio agitado,
E aprende a amar o Amor, renovando o pecado!
Abençôo o teu crime, acolho o teu desgosto,
Bebo-te, uma em uma, as lágrimas do rosto!
Vê tudo nos repele! a toda a criação
Sacode o mesmo horror e a mesma indignação...
A cólera de Deus torce as árvores, cresta
Como um tufão de fogo o seio da floresta,
Abre a terra em vulcões, encrespa a água dos rios;
As estrelas estão cheias de calafrios;
Ruge soturno o mar; turva-se hediondo o céu...
Vamos! que importa Deus? Desata, como um véu,
Sobre a tua nudez a cabeleira! Vamos!
Arda em chamas o chão; rasguem-te a pele os ramos;
Morda-te o corpo o sol; injuriem-te os ninhos;
Surjam feras a uivar de todos os caminhos;
E, vendo-te a sangrar das urzes através,
Se emaranhem no chão as serpes aos teus pés...
Que importa? o Amor, botão apenas entreaberto,
Ilumina o degredo e perfuma o deserto!
Amo-te! sou feliz! porque, do Éden perdido,
Levo tudo, levando o teu corpo querido!
Pode, em redor de ti, tudo se aniquilar:
Tudo renascerá cantando ao teu olhar,
Tudo, mares e céus, árvores e montanhas,
Porque a Vida perpétua arde em tuas entranhas!
Rosas te brotarão da boca, se cantares!
Rios te correrão dos olhos, se chorares!
E se, em torno ao teu corpo encantador e nu,
Tudo morrer, que importa? A natureza és tu,
Agora que és mulher, agora que pecaste!
Ah! bendito o momento em que me revelaste
O amor com o teu pecado, e a vida com o teu crime!
Porque, livre de Deus, redimido e sublime,
Homem fico na terra, e à luz dos olhos teus,
Terra, melhor que o Céu! homem maior que Deus!
sexta-feira, 12 de novembro de 2010
Só perguntas
Perguntas
Porque é que mesmo reconhecendo a própria culpa, não consegue deixar de se sentir magoada?
Porquê é tão difícil ultrapassar situações que a magoam?
O que tem por trás das suas expectativas em relação às pessoas, que elas nunca preenchem o modelo?
Será que ela escolhe quem não está preparado para preencher essa expectativa, propositalmente?
O que tem por trás disto tudo, que a faz tão infeliz?
Porquê ela tem que esperar de outros?
Porquê os que ama são os que mais conseguem feri-la?
Será que é ela que não consegue amar as pessoas como elas são?
quarta-feira, 10 de novembro de 2010
Reflexões sobre mim
Maria Madalena, desconheço o autor.
Hoje, lendo sobre o Ser Cósmico, vieram-me reflexões, não exatamente sobre o Ser, mas sobre o EU. Quem sou Eu, ou o que sou Eu. Tenho perguntas, mas não respostas. Há muito sei que não sou meu corpo. Seria Eu um Ser Humano? Isso me define? Coloca-me talvez em um grupo definido, vez que essa pode ser uma resposta para qualquer ser humano. O que me torna única? Que me faz Eu?
Penso... isso! Eu sou meu pensamento. Mas se respondo que sou meu pensamento, concluo que o pensamento ainda não sou Eu, tanto que digo meu pensamento, o pensamento exige um Eu para poder existir. É algo que se produz em mim.
Sinto! Eu digo, eu sinto! Serei então o meu sentimento? Também o sentimento precisa do Eu. A emoção é algo que acontece comigo ou em mim. Mas não sou Eu. Então sei que não sou meu pensamento e nem meu sentimento.
Percebo então que enveredo por questões profundas demais que não tenho bagagem suficiente para entender. Percebo. Serei Eu a minha percepção? Ainda não é uma resposta convincente. A percepção é algo que resulta da interação com aquilo que percebo.
Se não sou nem corpo, nem pensamento, nem sentimento, nem percepção, quem sou Eu afinal? Se não posso saber o que sou, não posso conhecer o que sou, só posso ser o que sou e concluir que essa é uma natureza que me transcende. Que faço hoje com meu existencialismo ateu?
Enquanto adepta de um existencialismo Sartreano, durante muitos anos, fiz questão de me sentir responsável por minhas escolhas. Nunca tive a quem culpar por nada do que me acontecia, fosse uma vitória ou um fracasso. Sempre me percebi na origem de tudo. Mas quem é o Eu que me percebia? Ou, o que é o Eu que me percebia? Existir é sentir, necessariamente, a angústia e o desespero. Existir não é ser, mas que sinto, neste momento angústia e desespero por não encontrar respostas, ah! isto eu sinto. E o que existe é finito, concreto, é algo... como o sentimento, como o pensamento, como o corpo, como a percepção. Se transcende eu fico travada. Parada no meio do caminho. Tenho medo do que há de vir, há de ser.
Parece que o ser humano vive melhor sem Deus. O Deus antropomórfico não me satisfaz, as religiões se apoderam de partes dele para manipular, aprisionar. Presa a uma essência volto a questionamentos que povoaram minha cabeça há mais de 20 anos. Em algum lugar deve estar o ponto. No centro do ponto.
domingo, 7 de novembro de 2010
Somente Hoje
Somente hoje
Hoje
Que os risos das crianças cessaram
Que o festivo badalar dos sinos foram esquecidos
Que mãos ansiosas buscaram o nada
Hoje
Que ando sem caminhar
Que turbilhão de ontens se misturam
Com indecisos amanhãs
Que vozes soam sem nada dizer
O hoje sem expressão
Bocas caladas e medrosas
Heróis sem medalhas
Olhares ardentes mortos no silêncio
Hoje
Retiro meus olhos
Dos sinaleiros da vida
Dos famintos deitados na avenida
E penso na flores...
Vejo então uma pétala caída
O sonho, a pétala
Eu, a Vida
sábado, 6 de novembro de 2010
sexta-feira, 5 de novembro de 2010
O pecado e doce prazer da gula
Imagem de Botero
Santo Deus! Não me deixe cair em tentação. Dietas são sempre complicadas. Traz à tona a Síndrome da Mulher Mal Amada, a saudade de um tempo que só se conhece por meio das obras de arte, quando as belezas retratadas eram todas mulheres cheinhas, de formas arredondadas e de carinhas satisfeitas. Comer, nos dias de hoje, realmente é um ato de coragem. Regra geral, depois dos 40, o maior pecado que assombra a mulher é o da gula. Um absurdo! Gula? Porque será que deram ao ato sexual a característica de "comida"? Que estranha relação é essa que afasta mulheres e homens dos saudáveis prazeres da mesa e da cama? Quando um falta, o outro supre.
Ah! A mulher mal amada não consegue mesmo se esconder sem sofrimento. A Primavera se aproxima e logo depois o Verão.Não terei como me esconder em roupas largas. Certamente não pretendo ser uma modelo esquálida, mas quero usar e abusar da elegância. Em casa, o filho mais velho olha de forma repreensiva quando lanço lânguidos olhares para a sobremesa. A filha caçula, complacente, tenta até agradar.
- Mamãe godinha... mas é tão bonita!
Fico olhando para o pé de jabuticaba. Alguns frutos estão maduros, não engordam, mas ela sonha mesmo é com deliciosas truffas, sorvete com muito chantilly, ou mesmo os deliciosos doces caseiros da minha mãe: banana, goiaba, abóbora com côco. Ambrosia. Porque não? Hum! Que tentação!.
Na sala ao lado ouve sua amiga rosnar:
-Eu quero chocolate! Não agüento esta Síndrome de Abstinência!.
Gargalhada geral.
-Abstinência de quê?
-De marido, de comida, de doce. Sou chocólatra assumida! Desse jeito acabo virando um "coró".
Nessa luta contra o vício não se pode deixar de lado a análise que mais uma vez as mulheres são mais generosas. Seus homens podem engordar, criar barriguinhas e barrigões, perderem todos os cabelos e nem por isso são chamados de feios. A mulher certamente sabe amar melhor e mais intensamente que os homens. E a maioria não tem necessidade de variação. Bela herança deixamos para os nossos filhos. Definitivamente, essa escravidão à estética tem que acabar. Por isso mesmo resisto a todas as tentações, tomo um café com adoçante. A dieta vai continuar. Afinal, tenho pés pequenos, se liberar a boca eles não conseguirão me suportar.
quarta-feira, 3 de novembro de 2010
Entre o vazio e o nada
O Pensador, de Rodin
Não é exatamente um paraíso niilista, mas em minha alma hoje o vazio e o nada se encontram. Foi assim, sentindo-me despida de tudo que resolvi sair para encontrar alguns amigos. Há muito tempo estou reclusa, com relacionamentos apenas virtuais e, bem entendido, relacionamentos que não permitem nada que não seja público. É isso mesmo, não sou adepta dos masturbadores virtuais. Aliás, coloquei essa observação em um perfil e ganhei um amigo que já há sete anos bate longos e profundos papos comigo. Conversamos há sete anos e ele nunca mostrou a cara. Isso também cansa!
Voltando então ao meu vazio, enquanto me divertia deixei meu olhar se perder. Um rosto na multidão chama a minha atenção. O olhar insistente me dá abertura para um sorriso e não sei como começamos a conversar. Primeira conversa é um porre! Trocas de biografias. Para quem estava vazia, o saldo da noite foi bastante positivo. Temos um encontro marcado no mesmo horário e local na semana seguinte.
Essa reviravolta me traz as reflexões sobre o meu vazio. Parece-me ser esta uma condição que todos nós, mais dia, menos dia, acabamos enfrentando. Algo que emerge diante de situações peculiares e às vezes estressantes, como aqueles momentos que, imagino, antecede a morte. Diante de tantas perdas, começava a vivenciar algo novo. Voltava a ter curiosidade e simplesmente o nada preenchia meu vazio. Sentia-me novamente acolhida, abraçada, com vontade de percorrer o caminho que sempre me levou à transcendência do cotidiano.
O vazio e o nada se encontram em mim. Não existe relevância na situação, mas as perspectivas são como o beijo na bela adormecida. O cansaço se estampa em meu rosto, em minhas atitudes, na impaciência de acompanhar a rotina dos dias, dos trabalhos, das pessoas. Há que se perguntar a que tipo de sinal o vazio pode nos expor. Cabe unicamente a mim questionar se o despertar pode evoluir para sofrimentos psíquicos e alertar para uma compreensão , sem distorção, da realidade. Neste momento é importante, quem sabe esse encontro do vazio com o nada possa explicar meus transtornos alimentares, a ansiedade e a angústia.
A arte e a cultura sempre foram, para mim, campos para explorar e expor o vazio de forma simbólica. A dança, a pintura, o cinema, a literatura, o teatro me conduzem do vazio ao nada. O conflito só existe porque nesse caminho eu me perdi de mim. Vivi outras vidas, dei vida ao que morria, emprestei minha alma, afaguei o ego de príncipes que viraram sapos, impotentes, dissimulados, oportunistas. O casulo foi meu abrigo. Agora preciso voltar a pensar em novos vôos.
terça-feira, 2 de novembro de 2010
Fim de linha
Uma pequena pá de jardineiro, um vaso de flores amarelas, um regador e uma Bíblia. Com essa estranha combinação de ferramentas e objetos, Maria entra no carro, totalmente vestida de negro, com o nariz inchado e vermelho de tanto chorar. Ela está de luto e não faz questão de esconder isso de ninguém. Sua mãe a chama e pede para ir com ela. Ela diz que não é necessário, apenas vai plantar aquelas flores no cemitério.
Foi para o Jardim das Oliveiras, um cemitério moderno, sem cruzes, mausoléus ou esculturas de anjos e santos. Só placas de mármore, grama e muitas árvores. Flores só em vaso. Ironicamente, ela gostava daquele cemitério e não seria enterrada nele. Havia comprado a parte que lhe cabia nesse latifúndio em outro lugar.
Enquanto se encaminha em busca de um recanto que lhe agradasse mais, percebe que algumas lápides têm fotografias e, sem pressa, se detém em algumas tentando imaginar, pelas expressões captadas como teria sido a vida daquele rosto perdido entre tantos outros, anônimos para ela, mas certamente valiosos para alguém que ainda ficou por aqui. Os rostos jovens lhe impressionavam mais e Maria percebe que todo aquele ritual que prepara tem mais a ver com um pedido de socorro para a vida, do que um pacto com a morte. Ela não tem medo de morrer, mas já que está viva, precisa descobrir sua forma de ser feliz.
Encontra uma sombra que lhe parece acolhedora, não tem ninguém por perto, está muito longe da entrada do cemitério e aquela solidão lhe parece amiga. A quietude do local lhe proporciona grandes reflexões. É ali que ela consegue a paz que precisa para colocar em ordem os sentimentos desencontrados que a perseguem nos últimos dias. É ali que ela percebe a inutilidade da vaidade, da pressa, da ganância, da paixão desenfreada. Podia ouvir o canto os pássaros, o farfalhar das árvores frondosas e até ficar encabulada ao se sentir observada por uma pequena coruja em plena luz do dia. Não sabia porque, mas achava que a coruja deveria estar dormindo e só sair para assombrar à noite. Os olhos dela eram profundos e pareciam pesquisar a sua alma e o barulho que ela emitia não era um canto, mas ecoava como uma risada ameaçadora.
Maria se ajoelha e reza. Logo ela que não crê em Deus religioso, procura encontrar alento na Fé. Abre a Bíblia ao acaso e dá de cara com o Salmo 91, "Aquele que habita no esconderijo do Altíssimo, à sombra do Onipotente descansará. Direi do Senhor: Ele é meu Deus, o meu refúgio, a minha fortaleza, e nele confiarei. Porque ele te livrará do laço do passarinheiro e da peste perniciosa. Ele te cobrirá com as suas penas e debaixo das sua asas estará seguro: a sua verdade é escudo e broquel. Não temerás espanto noturno, nem seta que voe de dia. Nem peste que ande na escuridão, nem mortandade que assole ao meio dia".
Sentada no chão, entoando entre soluços alguns sons vocálicos, Maria começa a cavar um buraco na terra. Sua alma está ferida, seu coração, magoado e a tristeza toma conta de seus pensamentos. Precisa chorar a perda, a mágoa, o desengano. Precisa chorar para poder esquecer. E será naquele buraco, onde vai enterrar o vaso de flores, que ela também vai enterrar parte das suas lembranças e toda a sua dor. O sofrimento de se saber viva e lúcida, quando o que queria era o privilégio de poder enlouquecer. Precisa sair dali aprendendo a contar seus dias de maneira a alcançar um coração sábio.
Na realidade, Maria foi ao cemitério enterrar um grande amor.
segunda-feira, 1 de novembro de 2010
Apenas uma redação
Este era o Grupo Escolar Senador Azeredo, hoje transformado em Casa do Artesão. Foto enviada pela Dra. Rosarinha Bastos (Didi), minha companheira inseparável.
Hoje é dia da árvore e por isso Deus nos presenteou com uma bela chuva. No caminho da escola, conversei com cada árvore que encontrei. Elas estavam felizes e irradiavam brilho nas gotinhas de água que guardaram em suas folhas.
Pronto. E agora? Travou.
Maria não conseguia mais escrever. A viagem no mundo das árvores parecia sem volta. Ela queria traduzir cada diálogo que teve, mas a imaginação corria à frente da disciplina e ela se deixava levar. A campainha toca avisando que acabara a aula de redação. Sobressaltada, retorna à realidade da sala de aula. O que faz agora? Chora e diz que está com dor de cabeça e por isso não terminou a redação? Não daria certo. A aula foi depois do recreio e ela, viva, esperta, havia aprontado todas. Ninguém acreditaria. Maria pensa rapidamente em outra desculpa, mas não consegue achar. Decide entregar a tarefa incompleta mesmo, afinal em poucas linhas ela já havia falado tudo o que queria e o seu diálogo com as árvores não tinha nada a ver com o dia comemorativo delas. Ela fazia isso diariamente e há muito tempo as árvores reclamavam da poeira e do tempo seco. Ninguém ouvia as reclamações delas, porque ouviriam seu cântico de agradecimento?
Em casa a realidade era diferente. Ela tinha apenas oito anos, mas alguém havia dito que era inteligente e por isso a cobrança era sempre grande. Todos esperavam mais do que ela podia dar e seu esforço nunca era suficiente para agradar. Você pode ser muito melhor, era a frase que sempre escutava. Nenhuma palavra de incentivo. Nada de parabéns. Maria tinha a obrigação de ser brilhante. Era isso o que esperavam dela.
Nesse dia ela foi para casa pensativa, mas ninguém perceberia. Logo seu irmão estaria pentelhando a sua paciência e ela daria seus gritos estridentes e ficaria tudo por isso mesmo. Difícil mesmo seria a hora de mostrar a redação incompleta em casa, com a observação, certamente, destruidora da professora. Maria resolve esquecer. Até o dia seguinte ela encontraria uma boa desculpa. Se fosse mesmo inteligente, saberia encontrar uma saída honrosa.
O som dos passos em sapato alto anunciava que a professora já estava chegando à sala de aula. O barulho era mais alto que nos dias normais. A escola tinha um porão embaixo e os corredores eram de madeira, somente nas salas a construção era de alvenaria. A julgar pelo barulho ali entraria um furacão vestido de mulher. Chega o momento tão temido e esperado. A professora entrega todas as redações, menos a de Maria que sofre calada vendo o papel na mão dela.
- Esta é a redação de uma colega de vocês. Eu vou ler.
Lágrimas começam a correr pelos olhos de Maria. Ela será humilhada na frente de todos os colegas.
Ao terminar a rápida leitura a professora completou:
- Foi uma pena que Maria não nos brindasse com o diálogo que teve com as árvores. A redação não está completa, mas Maria não me engana. Estamos diante de uma futura escritora. Eu lhe dei a nota máxima, mas ela vai levar a redação para casa e concluir.
Professora Paciana (era esse o seu nome) era uma mulher de menos de um metro e meio, usava sempre preto, guardando o luto do marido. Era uma pessoa suave. Não colocava medo nas pessoas. O medo estava na cabeça de Maria. A professora morreu no final daquele ano. Não viveu para ver as primeiras reportagens de Maria e nem ficou sabendo que foi uma das incentivadoras na carreira que escolheu. Ser escritora foi um sonho que Maria nunca chegou a ter.
Hoje é dia da árvore e por isso Deus nos presenteou com uma bela chuva. No caminho da escola, conversei com cada árvore que encontrei. Elas estavam felizes e irradiavam brilho nas gotinhas de água que guardaram em suas folhas.
Pronto. E agora? Travou.
Maria não conseguia mais escrever. A viagem no mundo das árvores parecia sem volta. Ela queria traduzir cada diálogo que teve, mas a imaginação corria à frente da disciplina e ela se deixava levar. A campainha toca avisando que acabara a aula de redação. Sobressaltada, retorna à realidade da sala de aula. O que faz agora? Chora e diz que está com dor de cabeça e por isso não terminou a redação? Não daria certo. A aula foi depois do recreio e ela, viva, esperta, havia aprontado todas. Ninguém acreditaria. Maria pensa rapidamente em outra desculpa, mas não consegue achar. Decide entregar a tarefa incompleta mesmo, afinal em poucas linhas ela já havia falado tudo o que queria e o seu diálogo com as árvores não tinha nada a ver com o dia comemorativo delas. Ela fazia isso diariamente e há muito tempo as árvores reclamavam da poeira e do tempo seco. Ninguém ouvia as reclamações delas, porque ouviriam seu cântico de agradecimento?
Em casa a realidade era diferente. Ela tinha apenas oito anos, mas alguém havia dito que era inteligente e por isso a cobrança era sempre grande. Todos esperavam mais do que ela podia dar e seu esforço nunca era suficiente para agradar. Você pode ser muito melhor, era a frase que sempre escutava. Nenhuma palavra de incentivo. Nada de parabéns. Maria tinha a obrigação de ser brilhante. Era isso o que esperavam dela.
Nesse dia ela foi para casa pensativa, mas ninguém perceberia. Logo seu irmão estaria pentelhando a sua paciência e ela daria seus gritos estridentes e ficaria tudo por isso mesmo. Difícil mesmo seria a hora de mostrar a redação incompleta em casa, com a observação, certamente, destruidora da professora. Maria resolve esquecer. Até o dia seguinte ela encontraria uma boa desculpa. Se fosse mesmo inteligente, saberia encontrar uma saída honrosa.
O som dos passos em sapato alto anunciava que a professora já estava chegando à sala de aula. O barulho era mais alto que nos dias normais. A escola tinha um porão embaixo e os corredores eram de madeira, somente nas salas a construção era de alvenaria. A julgar pelo barulho ali entraria um furacão vestido de mulher. Chega o momento tão temido e esperado. A professora entrega todas as redações, menos a de Maria que sofre calada vendo o papel na mão dela.
- Esta é a redação de uma colega de vocês. Eu vou ler.
Lágrimas começam a correr pelos olhos de Maria. Ela será humilhada na frente de todos os colegas.
Ao terminar a rápida leitura a professora completou:
- Foi uma pena que Maria não nos brindasse com o diálogo que teve com as árvores. A redação não está completa, mas Maria não me engana. Estamos diante de uma futura escritora. Eu lhe dei a nota máxima, mas ela vai levar a redação para casa e concluir.
Professora Paciana (era esse o seu nome) era uma mulher de menos de um metro e meio, usava sempre preto, guardando o luto do marido. Era uma pessoa suave. Não colocava medo nas pessoas. O medo estava na cabeça de Maria. A professora morreu no final daquele ano. Não viveu para ver as primeiras reportagens de Maria e nem ficou sabendo que foi uma das incentivadoras na carreira que escolheu. Ser escritora foi um sonho que Maria nunca chegou a ter.
O caminho de volta
Foi há muito tempo, talvez obedecendo os ciclos da vida que mudam de 7 em 7 anos, que criei meu primeiro blog. Amei a experiência. Ele ainda está lá (www.segredosdedemeter.blogger.com.br) e alguma coisa eu vou republicar aqui, mas a idéia é escrever coisas inéditas, contos, crônicas, reflexões. O primeiro virou livro "Histórias de Maria", mas nunca teve a intenção de ser uma obra literária. Este blog também não tem esta pretensão. Escrever facilita meu encontro comigo mesma, obriga-me a me ler e, consequentemente, a enfrentar meus fantasmas. Vida para mim é importante a partir do momento que vivencio cada experiência e compartilho as minhas lições. Então, o primeiro passo está dado.
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