Jovem e Eros (Bouguereau)
A luta tem sido grande para exteriorizar o que se passa em meu interior. Sinto que há algo sufocado, pedindo para tomar forma, para sair e me dar a mão nesta caminhada de autoconhecimento. Há um bloqueio perceptível, mas em meu âmago sei o que gerou toda esta dificuldade. Emprestei minha vida a outras vidas e, perdida de mim, tateio o escuro, o obscuro, o morno. Buscar a Luz exige disciplina e generosidade para sair do pequeno círculo de mim e me integrar a uma energia maior. Começo então pela disciplina de me obrigar a escrever, pelo menos, uma vez por semana. A obrigatoriedade de percorrer os labirintos mentais e emocionais que criamos abre, com certeza, os portais da compreensão, sem que tenha medo de me expor. Este escrever a que me refiro vai além das palavras, das frases bem elaboradas, dos textos brilhantes. Falo de sentimentos, de descoberta do que realmente sou.
Tomada então por estas reflexões, visto-me e saio à procura de um lugar em que esse encontro seja facilitado. Sento-me então na primeira igreja que encontro aberta. Escuto o silêncio. Encontro na solidão amiga a paz que me equilibra nas ações do dia-a-dia. Nem percebo que ao meu lado se senta um rapaz, um jovem de cabelos longos, de barba, de olhar penetrante, que me olha como se visse um fantasma.
- Não estou chorando, porque será que estou chamando a atenção desse rapaz? Porque veio se sentar justamente do meu lado, quando todos os bancos estão vazios? Penso.
- Boa tarde, senhora.
Assusto-me e meu corpo estremece com a vibração daquela voz, mas respira fundo e responde.
- Pois não.
- Entrei aqui porque me sentia em crise existencial. Sentia a dor e o desespero de simplesmente viver. Senti a quietude da senhora e não resisti a vontade de me aproximar. Parecia que eu seria envolvido por essa nuvem de paz que a senhora transmite.
- Meu Deus, estou aqui em busca de mim mesma, do meu Ser. Como posso ter despertado isso em você? Você ainda é tão jovem, é natural que se faça perguntas e é bom que isso comece cedo. O tempo é algo que nos escapa das mãos. O que posso fazer por você?
- Nada. Apenas converse comigo.
- E sobre o que você quer conversar?
- Como foi que a senhora conseguiu viver até aqui? A vida não lhe pesa?
- É uma longa história, meu rapaz. Sempre pensei que o tempo fosse um velho denso, sério, fechado. Vivi. O próprio tempo se mostrou então a mim como jovem, alegre, doce, amável, etéreo, assim como você. A vida tenta complicar, mas o tempo corrige tudo.
- A senhora transmite serenidade. Há uma aura de delicadeza envolvendo as suas palavras. Não sei porque, desde que vi a senhora sentada, senti uma certa identificação. Há uma singular familiaridade no que me diz. A senhora já se sentiu perdida? Como estou eu agora? Há um jeito de sair desta angústia?
- Muitas vezes me senti perdida. Se não ficar atenta, eu me perco de mim todos os dias. Lamentavelmente não existem regras, mas há sim métodos simples que podem disciplinar a nossa mente. Um deles é não ter medo de enfrentar a si próprio, reconhecer seus defeitos, admitir que todos nós temos sombras, mas só podemos combatê-las se as identificarmos. Penetrar nossos labirintos pode ser uma experiência gratificante e pode nos ensinar os primeiros passos em direção à Luz que vem de dentro. Podemos identificar esse ponto brilhante nas sístoles e diástoles do nosso pensamento.
- Realmente, esse caminho não me parece estranho. Enquanto fala é como se eu mesmo me encaminhasse para a luz. Estou como hipnotizado, robotizado, encantado.
É como se estivesse voltando para casa. Sinto-me seguro para esse retorno. Vou de mãos dadas com o Tempo. Dissipou-se em mim as lembranças, as saudades, as amarguras. É tudo novo, embora eu saiba que é apenas o velho que se revestiu de novo. Estou indo. Desculpe-me por incomodá-la com os meus problemas. Saio daqui feliz.
- Que o Deus do seu coração o acompanhe.
Retorno então aos meus pensamentos. Penso no tempo. Alma velha em corpo novo. Sempre esteve ali, nunca chegou, nunca saiu. Enquanto tentava explicar ao rapaz a minha experiência, expliquei a mim mesma e agora estou em paz. Em meu caminho agora, apenas belas flores de serenidade.
- Hoje, encontrei-me com o tempo!
Maria é mulher, fala de vida, de experiência, de sentimentos, de sexo, de lições e apreendizado, um universo identificado por qualquer mulher (e até mesmo homem). Ela sou eu, a outra, todas elas, qualquer mulher, uma mulher qualquer. É a mãe, a dona de casa, a profissional, a prostituta, a religiosa, a vencedora, a fracassada, a lutadora, a cansada, a jovem, a velha, a sábia, a louca. Não é Maria por acaso.
É por isso que não envelhece. Não se preocupa com o tempo!
ResponderExcluirNão envelheço heim?... é porque pinto o cabelo, rsrsrs!
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