domingo, 5 de dezembro de 2010

Maria e o Tempo

Imagem de Mihaly Von Zichy, artista russo do século XIX.



Aqui está Maria, de novo, tentando se acertar com o tempo. Ao penetrar em si, esse malvado lhe foge e tanto faz se tem 10 mil anos ou se acaba de nascer. É sempre um recomeço. Tenta prosseguir sua viagem de vida, mas um guardião lhe diz que não pode pular etapas, tem que viver cada uma delas. O vazio no qual mergulha, não é tão solitário assim. Personagens escondidas aparecem para dar as suas instruções e depois se desfazem como éter no ar.
Os pés sentem um formigamento que vai aos poucos sendo substituído por um enorme calor. Chove lá fora, a temperatura é amena, mas Maria está em chamas! Um calor que percorre cada célula do seu corpo e a faz gotejar de suor. Sente seu coração bater em um ritmo diferente, mas não o sente descompassado do universo, desta força perfeita e invisível.
É nesta atmosfera fluídica, fantasiosa e cheia de delírios que conversa com João, mas não o vê, não o ouve. Do outro lado, em algum espaço virtual seus pensamentos se encontram.

- Quem é essa mulher de múltiplas faces? Mãe, mulher, profissional?
- Sou um ser em constante evolução, aberta para a vida, sujeita a chuvas e trovoadas.
- Gosto da forma como você se expressa. Sempre foi intensa assim? Você transmite muita vontade de viver.
- Sim sempre fui intensa, dramática, apaixonada. Sofria por amor, desesperava, curtia fossa ! A dor era sempre intensa, mas só até virar a esquina e encontrar um novo amor.
- E o que busca hoje?
- Não sei. Vivo uma constante fase de mutação. Tento voltar a escrever pra mim, sobre mim, restabelecer esse diálogo que perdi ao me fixar em fantasmas.
- Não entendi.
- Nem precisa.
- Não tem namorado?
- Não. Sucessivas desilusões me desanimam de procurar.
- Foram tantas?
Risos.
- A culpa sempre foi minha.
- Porquê?
- Porque esperei, arquitetei planos; as pessoas não são obrigadas a preencher o desenho da minha fantasia.
- Vou lhe falar uma coisa, mas não sei explicar o motivo: eu hoje fiquei curioso em saber um pouco sobre você.
- Eu queria mesmo lhe perguntar sobre isso. O que uma mulher na minha idade teria para chamar a atenção de um jovem, bonito, inteligente, interessante?
- Sua forma de se expressar. Em segundos, parecia que lhe conhecia há anos. Percebi que você não é hipócrita, tem uma sensualidade aflorada. Já parou para pensar nisso?
- Olha, nesse aspecto eu posso ser uma fraude.
- É uma personagem?
- Bom, eu não sou só Maria... e sou todas as Marias. Na realidade o ato de escrever tem muito do autor, são reflexos. E essa sensualidade talvez se expresse agora que não tenho mais barreiras mentais.
- Isso quer dizer que você vem rompendo seus tabus?
- Vamos dizer que sou uma eterna buscadora de mim mesma. Meu forte nunca foi ser uma mulher bonita. Meu trunfo sempre esteve ligado às questões mentais, talvez por isso ao fato de estar envelhecendo não me incomoda.
- Seu nome é Intensidade.


Maria está confusa, não sabe o que pensar sobre a motivação daquela conversa. Pensa em parar, mas João a submete a um verdadeiro interrogatório. Quer saber mais e tudo. E ela trata logo de buscar argumentos que possam cortar aquele diálogo sem sentido.

- Tenho mais de 50 anos, passei recentemente pela menopausa, engordei 16 quilos, não tenho mais nenhuma beleza para mostrar.
-Todo mundo vai passar por isso, Maria. Você ainda se sente mulher?
Risos.
- Eu bem que poderia ter nascido uns anos depois. Agora estaria investindo em você!
- Isso não me assusta! Já se relacionou com alguém mais novo?
- Você poderia ser meu filho. Meu marido era mais novo, mas não tanto.
- E ele foi o mais novo?
- Eu não tenho preconceito João, mas as experiências de vida são muito pesadas em relacionamentos com diferenças acentuadas de idade. Principalmente se a mulher é a mais velha.


A partir desse momento Maria sente que deu mesmo sinal verde. Ele vai continuar a questioná-la e ela não sabe onde ele quer chegar.

- Acho que a mulher madura se entrega mais, ela se permite sentir prazer e isso é gostoso. Falta dialogo hoje em dia, abertura para falar o que gosta. Já ousou na sua intimidade alguma vez?
- Depende, o que seria "ousar"?
- Se você já se permitiu viver suas fantasias?
- Minhas fantasias são normais. Não sou adepta de Sade. Gosto de sexo, de sentir e dar prazer, mas não preciso ser jogada na parede, plantar bananeiras, fazer piruetas e coisas do gênero . Gosto de ternura. Gosto de sexo sem pressa, de me permitir cada detalhe


A conversa continua e passeia sem barreiras por todas as atividades possíveis na sexualidade de uma pessoa. Não há desrespeito e a curiosidade é mútua. Em meio a risos, brincadeiras, as verdades vão sendo ditas. João está à vontade, sente-se escudado pela idade, curiosamente o mesmo escudo que deixa Maria também à vontade. O encontro entre os dois é tão insólito que qualquer barreira que seja erguida , seria sem sentido algum. Maria relembra outro encontro, há sete anos, que nunca passou dos olhares, do platonismo, da edificação do amor como se fosse um templo. Passou. Como tudo. A saudade, sem nada de concreto para se alicerçar desapareceu como fumaça. Os encantamentos não são revivíveis. Absorta em seus pensamentos paralelos, Maria se surpreende com a pergunta de João.

- Posso lhe perguntar uma coisa?
- Sim.
- Você se masturba?
- Agora?
Risos.
- Pense em mim, quando o fizer.


A música dissolveu-se pelo quarto como um perfume. Maria estava deitada na cama a se tocar levemente. Mantinha os olhos fechados e o movimento dos dedos acompanhava o ritmo preguiçoso da música. Queria mantê-lo em sua consciência, sem importunar o sonho dele. No sonho de Maria ele pode entrar e chega de mansinho, despe-se e deita-se ao seu lado numa posição de modo a poder lhe acariciar os pés. Seus corpos ocupam na cama o sentido oposto ao ato da penetração sexual. Ele substitui a mão dela pela dele à procura do clitóris e esta troca de desejo é tão suave como se a melodia tivesse encontrado no ventre de Maria o seu espaço eterno. Quase por instinto ou sobreposição de prazeres ela o masturba com aquela inocência de quem se sente estranhamente perdida num labirinto erótico. Prisioneira de um tempo luxurioso. Sente então a língua de João a rastejar pela perna dela numa lentidão chocante, nesse momento, o desejo de um é o desejo do outro. A intimidade sexual era tão intensa, os corpos tão ausentes, que a sensação de serem tocados, lambidos e explorados sexualmente parecia uma oferta divina de uma imaginação profundamente amorosa. Sim. O amor que sentiam um pelo outro era mesmo uma fantasia. Eles não se amavam. Favoreciam as necessidades sexuais numa troca imaginária de corpos para que cada um pudesse sonhar à sua maneira. Seus sonhos são como uma galeria de imagens provocantes que os faz sentir a presença um do outro.

9 comentários:

  1. Fico imaginando se tivesse música... Texto e imagens perfeitos e em harmonia. Visitar seu blog é sempre muito prazeroso.

    ResponderExcluir
  2. Rsrsrs leia então com a música de fundo do Leonard Cohen, In My Life. Obrigada amiga!

    ResponderExcluir
  3. É !!!!!!!!!!! SEM PALAVRAS PARA EXPRESSAR, TUDO É MUITO E POUCO É TUDO!

    ResponderExcluir
  4. Maria agora está mais audaciosa, né Carlos. Amei sua visita... enche meu coração de saudade!

    ResponderExcluir
  5. Tive um sonho com Maria. Ele me inquietou.

    ResponderExcluir
  6. Maria povoa os sonhos anônimos, perdidos em noites de chuva, esquecidos em imagens que não podem ser reais. Isso se chama solidão.

    ResponderExcluir
  7. tudo isso é real, basta entrelaçar-se e dizer que a chuva que cai lá fora é um sentimento, aqui dentro ,que cobre nossos corpos de sentimentos de um amor eterno e profundo nas entranhas de nossas profundezas ainda que sejamos inocentes desse amor...solidão lá fora aqui tudo é muito voraz... aqui dentro tudo é voraz. voraz?...BASEAMOS NO NOSSO SENTIMENTO...
    Eliane

    ResponderExcluir
  8. Eliane querida... só agora respondo! Os dias que antecedem o natal são sempre muito movimentados para quem é dona-de-casa também. É verdade querida, podemos sonhar de acordo com os nossos sentimentos. Acho que deveria perguntar para o meu comentarista anônimo se o sonho foi bom...

    ResponderExcluir
  9. Recebi por e-mail... gostei tanto que decidi postar aqui, mas vou respeitar a discrição e mantê-lo no anonimato para os leitores do blog.

    Pequena História de Maria:Simplesmente Mulher

    "Ela chegou defensiva, uma barreira tomava conta do seu eu, ameaçava sem atacar, simplesmente, dizia que não e não. Não estou para ninguém, já vivi o bastante para tolerar certo tipo de pessoas. Deixei ela dizer tudo, desabafar toda a sua angustia e temores de mulher. Aos poucos fui entrando de mansinho penetrei a sua alma, e ela foi abrindo cada vez mais o espaço que faltava, o seu coração. Quando eu pensei em sair, ela simplesmente disse, não vá, é cedo! ...foi então que imaginei o seu sexo molhado e o meu.. bom o meu, tive que recolher e fazer ele repousar em um saco quente e acolhedor.Não podia esquecer o seu nome. Seu nome simplesmente é o mais lindo dos nomes de mulher, Maria. Eu estava acordado, mas, navegando, sei lá aonde, estava gostando do que eu sentia...."


    Marley, meu abraço!

    ResponderExcluir