quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

Um Mergulho Nas Profundezas


Imagem de Carlos Eduardo


Maria se encontra dividida entre o feijão e o sonho. Entre o amor platônico, ideal, que lhe alimenta a alma e o amor real, feito de pequenos gestos diários, de toques e olhares. O duelo é uma questão interna, de alma, cheia de lembranças nos dois caminhos percorridos. Estar dividida não significa que Maria terá que escolher um e dar adeus ao outro. Apenas quer entender, saber no seu âmago qual dos dois amores é o verdadeiro.
Deitada em seu quarto observa na janela os pequenos pontos de luz formados pelas gotas da chuva que caiu momentos antes. Gosta da sensação de estar perdida no espaço e aqueles pontos de luz são como uma galáxia inteira.
Seus dias andam difíceis, problemas cujas soluções não estão em suas mãos. Maria consegue enfrentar todos eles, mas as dores de coração são como correntes que a envolvem e a apertam. É assim que Maria se sente. Aprisionada pela própria fragilidade, pelo medo de ter que optar entre dois sentimentos de roupagem tão diferentes, mas tão idênticos em sua essência. Angustiada, acende um incenso, coloca uma música de fundo, procurando se relaxar, deixar seu pensamento livre. Nos momentos de vigília seu guardião interno costuma lhe sussurrar instruções.
Entre reflexões e lampejos inconscientes Maria penetra no subterrâneo do seu ser. As escadas parecem que apenas descem e ela sente um impulso de ir até às profundezas. São vários andares até que se sente chegando a uma espécie de porão submerso.. Maria nem pensa no absurdo que aquela cena pode representar. As águas estão limpas, mas há lodo no fundo. Sem tirar a roupa ela se lança no mergulho mais profundo que já tentara em toda a sua vida. À medida que afunda vai se desvencilhando das roupas, acessórios, sapatos. Sente-se criança, livre de preconceitos, de limites, dos medos, das máscaras. Mergulhar naquelas águas é como flutuar no espaço infinito do universo. Encontra-se a si mesma, nua, lavada, limpa.
Não encontra ninguém. Apenas resgata lembranças, como se colhesse flores no jardim, ou conchinhas na praia. Nem tempo, nem espaço. Nem sonho, nem realidade. Apenas ela e sua consciência, iniciando agora o caminho de volta. Deixava para trás o passado. Emergir é como nascer, renascer, despertar. As luzes da superfície ofuscam-lhe os olhos.
Não está em um porão. É um lago. Um menino solitário sentado à margem completa o cenário. É o futuro. Maria passa em silêncio, não quer incomodar. (Publicado no meu livro "Histórias de Maria")

2 comentários:

  1. Flor,
    Hoje também me senti assim... No porão, de agua suja, de lodo e me fez sentir revolta e o pior dos seres. Me senti usada. Como aquele brinquedo que depois da diversão ficou esquecido no tempo. Estou hoje, sem chão. Lágrimas brotam em meus olhos sem controle. E dói, dói muito.
    Beijo!

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  2. Minha Anônima querida... Levanta!!! Ninguém neste mundo merece nossas lágrima e menos ainda a nossa dor. O mundo está cheio de gente!Conquistar o nosso lugar tem um preço não negociável. Nada do que se arrepender, nada porque procurar reviver o passado. A sua vida está aqui, na sua frente, limpa, transparente, vigorosa.

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