terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

Um segredo íntimo

Imagem de Godward


Num mundo perfeito eu estaria dormindo assim, em paz, e nenhum pensamento ruim contaminaria o mundo que encontrarei ao acordar e abrir os olhos.


De repente, instalou-se em mim um cenário de caos emocional. Princípios, ética, consciência, tudo parecia ter trocado de lugar na escala de valores. Passado e futuro marcaram encontro em algum ponto da imensidão cósmica e eu aqui, mísera mortal, procuro explicações para o inexplicável. É nesse espaço imaginário que os olhares perdidos se encontram, que as almas se entrelaçam num profundo e esplendoroso abraço. Não existem diferenças, não existe certo ou errado, não prevalece a lei dos homens. Pouco importa o que o mundo pensa. Não existe velho, nem novo. Não existe feio, nem bonito. Não existe perto, nem longe. Apenas sentimentos tão intensos e imensos quanto o espaço que nos separa. Neste instante mágico somos apenas dois amantes apaixonados alimentando o espírito. Fundimo-nos construindo o amor, além das muralhas das convenções, além dos limites humanos. Como um artista que, embalado pela música, voa para encontrar a sua musa, como a adolescente que esquece o olhar em um ícone qualquer, deixando seu pensamento expandir-se em espirais de luz. Um encontro sem toques. Como em um templo. O amor existe além de nós.
Acordo assustada. Não terei mais o sono restaurador, mas é uma vigília gostosa que traz à memória cenas passadas, lampejos do futuro e alguma clareza em situações presentes. Hoje bailou na minha lembrança imagens da mais linda história de amor que já vivi. Sonhos que revigoram. Desilusões que se transformam em compreensão. Diferenças que se igualam e se desfazem diante do sentimento verdadeiro da união de almas. Entendo que preciso do sonho, da compreensão, da esperança para continuar acreditando no ser humano. De novo as reflexões sobre o tempo. O tempo que gastamos para entender o próprio tempo.
Seis horas. Preciso levantar. Levantar significa exatamente abrir os olhos para a realidade, para a necessidade de sobrevivência, para o eterno aprendizado da tolerância, da superação, da busca da serenidade diante de tantas adversidades.
O tempo será curto para cumprir as atividades do dia. Pulo da cama num salto. Chuveiro, lanche rápido, escolher uma roupa larga, briga eterna com o espelho. Saio de cabelo molhado. Assim começa a rotina do primeiro dia de uma semana que deveria seguir sem alterações. A chuva fina que caiu durante a noite inteira começa a ceder, deve fazer sol durante o dia. Do carro vejo que a lua ainda está firme no céu. Nem percebi que estávamos em época de lua cheia. Adoro a lua cheia. Posso vê-la da janela do meu quarto e muitas vezes ela me acompanha até o início da madrugada. Fico plena. Mas esses dias chuvosos parecem encher de nuvens negras o céu e o meu coração. Ando sedenta de luz!
Dentro de mim, sei que preparo um encontro como o do sonho. Sinto-me novamente adolescente, com a cabeça cheia de fantasias, vivendo em um mundo arquitetado pela imaginação e impenetrável por estranhos. O coração bate desritmado. Sem pestanejar pego o telefone. Aquele encontro, adiado tantas vezes, finalmente acontecia. Estou aqui, ouvindo a voz do homem que povoou minha mente e protagonizou meus sonhos. Não sei como reagir, não sei se expresso minha felicidade ou se me deixo tragar pela timidez. O encantamento que nos envolve parece tão denso quanto o tempo de espera.Uma história que começou a ser escrita em outro tempo e que nos fez vítimas do nosso medo, prisioneiros de um mesmo destino. Talvez o mesmo destino que se encarregava agora de promover um novo encontro. Trago-o escondido, como um segredo íntimo e só meu. Não quero análises, nem perguntas de mais ninguém. Quero-o só para mim. Durante uma hora, um dia, um mês. Quero-o dentro de mim. Na memória.

2 comentários:

  1. "Pouco importa o que o mundo pensa." É, exatamente, esse o momento que o Humberto e eu estamos vivendo...Estou desconfiada que você escreveu para mim (metida né?). Humberto veio comer arroz com pequi (só para te dar água na boca)e resolvi mostrar seu espaço a ele, que além de ator é um "senhor" dramaturgo, aliás, declamou o seu texto. E eu, ah! Fiquei toda orgulhosa só contando nossas histórias (ou seria peripécias?!?). Humberto lhe recomenda que nunca deixe de sonhar... Belíssimo texto, tal qual a sua autora... Te amo! linda noite! intemasvê!

    ResponderExcluir
  2. A Maria sempre se identifica, em algum sentido, com outra Maria e esse sonho/desabafo me levou de volta aos 16 anos, tendo Cuiabá como cenário. Sinto muitas saudades, aliás, nunca a saudade foi assim tão grande. Mas arroz com pequi Goiás também tem, sinto falta do peixe...e da pescaria de bagres que fazíamos na Usina São Gonçalo. Ah tempos que não voltam...E orgulhosa fico eu com tanto elogio. Gostaria de ter presenciado a leitura do Humbertto. Dê meu abraço a ele. Mil beijos!!

    ResponderExcluir