domingo, 27 de fevereiro de 2011

Maria e eu

Imagem de Tolouse Lautrec


Nem todos os dias amanhecem com sol radiante, com algazarras de pássaros, música no ar. A Natureza também obedece a seus ciclos e faz chover, escurecer, calar os bons sons. Troveja lá fora e em mim. As janelas estão fechadas para a tempestade e dentro de mim também. Não vejo o relâmpago lá fora e, em mim faltam lampejos de luz. O dia amanheceu triste. Para mim e para Maria.
Encontro Maria no saguão da Igreja, após a missa. Acontece ali uma apresentação da orquestra de câmara. Sentamo-nos a um canto, embaladas ao som dos grandes clássicos, para conversar sobre nossas últimas experiências. Maria representa a esperança, o sonho, a vontade de realização, e eu, a mente pesquisadora querendo lhe invadir a alma. Somos, ao mesmo tempo, o complemento e a diferença. Invejo a capacidade de Maria de começar, começar sempre. Comento com ela sobre o constante recomeço e ela explica que nunca recomeçou.

- Recomeçar significa zerar tudo e voltar atrás fazendo um novo início, mas o que já vivemos não é possível apagar. Então, estou sempre começando, com uma nova compreensão, outro olhar, outro ambiente.

Maria diz invejar em mim a capacidade de aceitar a vida sem que a luta signifique guerra, pela habilidade da eterna transformação do cotidiano em palavras. Conversamos sobre ética, sobre valores que, hoje, parecem não pautar mais o comportamento das pessoas.

- Em todas as camadas hierárquicas, a necessidade de sobrevivência tomou o lugar da ética e o ser humano não tem mais tempo de apreciar o outro lado da vida, comenta ela.

Já encontramos o cenário pronto quando chegamos para a vida, mas esse cenário não existe apenas para o passado e o presente. Ele está pronto, inclusive, para muitas das etapas futuras. Não é tão fácil como parece desvencilhar-se das tendências da massa e ter pensamento e luz próprios. Algumas situações são ainda mais constrangedoras, pois não adianta fazer a coisa certa, porque está estabelecida outra forma para a sobrevivência e convivência, que nos deixa com a sensação de sermos inadequados para o mundo. Comento então com Maria que a humanidade parece ter um ritmo, que não é necessariamente o nosso.

- Gente é gente, no oriente e no ocidente, e sempre terá que lidar com a dualidade de tudo que existe, procurando o equilíbrio e a sensatez. Mesmo aquele que tem a percepção mais limitada é chamado, em algum momento, a participar da vida, sem representar papel algum.
- É chamado, mas pode recusar o convite e continuar a sua vida dentro dos limites que se impôs, completa Maria.
- Não seja tão dura.

Assim, reconhecemos que passamos por períodos de transição, ela e eu. Percebemos o quanto somos resistentes às mudanças. No entanto, há um momento em que colocamos o passado e o futuro em um mesmo ponto: no presente.

- O tempo inibe a nossa arrogância, enquanto senhores do mundo, quando não permite ser palpável.
- Somos corajosas. (Risos). Olhamos em nossos espelhos sem tentar esconder nossos lados sombrios e arrancamos, sem titubear, as nossas máscaras.
- O mundo está aí, cheio de contrastes, mas podemos escolher de que lado viver, que papel representar e, nós escolhemos construir nosso ser e prepará-lo para buscar a serenidade.
- Humanas e falíveis. Erraremos ainda muitas vezes, mas sempre tentando acertar.

O tempo passou sem que percebêssemos. Emocionadas com o reencontro, com o elegante espaço que nos cercava, com a música envolvente, com a conversa intimista, fizemos um acordo: não nos abandonaremos outra vez.

4 comentários:

  1. Mais uma vez chego primeiro ao seu cantinho. Maria e você... propositalmente unidas? Adorei!

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  2. Poque sempre me vejo nas suas Marias ?? Ou melhor sempre me encontro nelas rsrs !! bjs

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  3. Rosana, realmente, as personagens grudam na gente e às vezes é difícil separar Maria de mim. Beijos!

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  4. Porque Maria é um sentimento feminino... permeia todas as mulheres e, independente das situações vividas ela busca se apoiar na alma de todas as mulheres. Ah sol, como é bom ter vc por aqui!...

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