quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

Noite de inverno


Sonho que estás à porta...
Estás - abro-te os braços! - quase morta,
Quase morta de amor e de ansiedade.
De onde ouviste o meu grito, que voava,
E sobre as asas trêmulas levava
As preces da saudade?


Maria está, há horas, a observar João. Sentado despojadamente em sua poltrona, ar distraído a folhear um livro. Confirma seu porte de aristocrata inglês, mesmo em momentos de total descontração. Ele lê Bilac.

Fitando o olhar ansioso
No teu, lendo esse livro misterioso,
Eu descortinaria a minha sorte...


Ela fixa seus olhos na sua pele alva de João, nas mãos delicadas, nos cabelos que lhe lembram a neve, naquela noite fria. Ele está ali, bem pertinho de dela, absorto em seu mundo, alheio ao seu pedido silencioso de amor. Não sabe o que fazer para chamar a sua atenção. João continua a sua leitura.

Mas... talvez te ofendesse o meu desejo.
E, ao teu contacto gélido, meu beijo
Fosse cair por terra, desprezado.
Embora! que eu ao menos te olharia,
E, presa do respeito, ficaria
Silencioso e imóvel a teu lado.


Maria resolve então preparar um chá de maçã com biscoitos de canela, que ele tanto gosta. Antes coloca uma música suave, apenas orquestrada e acende um incenso. João levanta os olhos e sorri.

Se eu sentisse bater em minhas faces
A luz celeste que teus olhos banha;
Se este quarto se enchesse de repente
Da melodia, e do dano ardente
Que os passos te acompanha


Com o olhar João aprova a iniciativa de Maria e isso a deixa feliz. É escrava do seu amor, do seu silêncio, da sua solidão compartilhada.

Beijos, presos no cárcere da boca,
Sofreando a custo toda a sede louca,
Toda a sede infinita que os devora,
- Beijos de fogo, palpitando, cheios
De gritos, de gemidos e de anseios,
Transbordariam por teu corpo afora...


Ela chega com o chá e seus olhares se encontram. Ele lhe acaricia os cabelos e entende seu apelo. Agora é Maria quem vê o desejo em seu olhar, no seu gesto solene de fechar o livro.
Maria sorri sem nada lhe dizer.
O aroma do chá de maça mistura-se ao incenso e ao seu perfume. Inebriada de amor, encosta seus lábios aos dele. Um beijo quente e suave, com gosto de maçã.

Rio aceso, banhando
Teu corpo, cada beijo, rutilando,
Se apressaria, acachoado e grosso:
E, cascateando, em pérolas desfeito,
Subiria a colina de teu peito,
Lambendo-te o pescoço...


A noite está apenas começando!

4 comentários:

  1. Cada frase de maria é deliciosamente envolvente! Estas Histórias merecem um livro!

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  2. Maria é uma fonte inesgotável de amor. E você Marley consegue nos envolver com a força do sentimento que a constrói. Não fico mais sem passar por aqui. Beijos!

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  3. Rô e Rosana, respondo hoje às duas em um mesmo post. Sei que são homônimas, não são iguais, mas as duas falam fundo ao meu coração. Maria anda em um processo interno de descoberta de si mesma e cada vez vai mais fundo. Acompanhá-la tem sido um exercício muito grande para mim também, é como se ela passasse a ter vida própria á medida que consgui dar características mais palpáveis a João. Não está mole...

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  4. Pode ser bem duro! Maria suporta! Maria pode tudo!

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