quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

Benedicite

A dúvida tomava conta do coração de Maria. Pensou muito se iria àquele encontro, já havia decidido, no entanto, sentia medo, suas mãos tremiam, seu coração estava apertado e ela perdia o ar. Tenta lembrar dos exercícios respiratórios, das técnicas de relaxamento, das cores tranquilizantes, mas ainda assim seu ritmo continua descompassado. Era agora ou nunca mais.
Ela chega ao aeroporto atrasada e o vê de costas no mirante, observando as luzes da cidade. Está em forma, discretamente vestido, e assim de costas, a única coisa que ela pode observar é que os cabelos se tornaram brancos. Sente ímpetos de ir ao seu encontro e abraçá-lo, falar da sua saudade, mas sente-se grudada ao chão, com os pés de chumbo. De repente, o rosto de Maria se ilumina. Aquele encontro, adiado tantas vezes, finalmente acontecia. Ele se volta e seus olhos se cruzam. Vencido o impacto inicial, ele lhe estende a mão e sorri com leve discrição ao perceber que a dela está gelada. João sempre foi um cavalheiro. A emoção do encontro lembra ainda aquela corrida desvairada de sua casa até a casa da amiga, quando ainda era uma adolescente despertando para vida.
Naquele tempo, Maria teve que amargar a escolha de João com uma carta, a despedida com um único abraço. Agora ela não quer ser surpreendida pelo acaso, preparou-se durante semanas para entender que viveria com ele também a sua primeira aventura, e depois a vida deveria seguir seu curso normal. Não era um início, não era um recomeço, mas o fechamento de uma vida que não chegou a ser vivida. Em sua existência abriu e fechou parênteses, enfrentou duras rupturas, viveu experiências que voluntariamente não escolheria viver e que muitas vezes a sufocaram e oprimiram. Pensa então de que adiantaria ter vivido tudo isso se não pudesse compreender que lição deveria extrair. Maria e João queriam aquele momento como se fosse o primeiro em suas vidas, mesmo sabendo que o final seria inevitável.
João também evidenciava emoção e sabia que aquele era um momento definitivo para os dois. Não podia mais adiar decisões porque estava ciente da impossibilidade de mudanças. Era aquele momento quando tudo já foi pensado e repensado em detalhes; quando já se dialogou, ponderou, alertou, mas tudo encaminha para o fim. Não é fácil deixar para trás situações, trabalhos e pessoas amadas, não obstante se sentir angustiado, preso, impedido de dar um próximo passo. A palavra certa a ser adotada é decisão e na bagagem estão ainda as decepções, as dores, as incompreensões, as promessas não cumpridas, o medo do futuro, do desconhecido, de ter que enfrentar o mundo, tendo como ferramenta apenas a si próprio.
Mais para João que para Maria esse era um momento difícil. O que fazer quando esta avaliação já foi feita, o medo identificado, a direção a ser tomada já foi escolhida, mas ainda assim falta coragem para a decisão final? Talvez aqui a luta interna - fora do campo da razão - seja a mesma para os dois. Maria também precisa proteger a própria luz para não ser sugada pelas trevas. É o momento de dissociar-se, sair do filme, reprogramar o cérebro para o novo, para as possibilidades que só ela mesma tem como avaliar. João e Maria conversam sobre suas vidas, fazem verdadeiros relatórios, manifestam a saudade que sentiram, mas também falam do fim. Compreendem, finalmente, que tudo passa, não só a vida, mas os problemas, as dificuldades, os momentos felizes, a novidade.
Alguns dias depois, no hotel fazenda que haviam escolhido para o balanço de vida João e Maria se olham com ternura. Foi um jantar simples, romântico, nostálgico, cheio de lembranças. Tudo que era ruim e feio foi esquecido em alguma curva do tempo. Viveram vidas separadas, sofreram os reveses do dia a dia, mas conseguiram se manter com o coração puro, sem mágoas, prontos para vibrar diante da simplicidade daqueles dias. O vento frio ajudou a aproximar os corpos sedentos de afeto.
Maria aconchegou-se àquele peito forte, o perfume gostoso e másculo a deixava inebriada, as mãos seguras lhe davam a certeza que não estaria mais só. Não envelheceriam juntos, mas eram poupados da parte dolorida de todos os relacionamentos. João não seria distribuído na igualdade dos seus dias. Continuaria ali, onde sempre esteve, no cantinho sagrado do seu coração, como um segredo. Finais são quase sempre doloridos, são momentos de análise e avaliação, são momentos de colheita. Final não é briga, é conclusão. Maria e João estavam felizes!

4 comentários:

  1. Ah! Que triste Marley! Porque Maria não termina este conto com o seu amado? A idade deveria servir para dar uma banana ao mundo, como Gabriel Garcia Marques faz no romance "O amor nos tempos do cólera". Ainda vou torcer para vc mudar o final deste conto.

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  2. As vezes é necessário um pouco de realidade nas histórias...Eles terminaram felizes...

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  3. Sereno e sensato. Triste e belo. Como a vida mesmo. Amei. Beijos!

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  4. Liliane que surpresa vc por aqui. Volte sempre que sua opinião é valiosa! Obrigada!

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