sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

Por causa de um brinco

Imagens : Yes or No, de Godward e The Painter Honeymoon, de Frederich Leighton


João está confuso. Por mais que não queira admitir, vive uma situação que lhe é estranha. Maria o desorganiza, atrapalha o correr simples da vida, não deixa passar detalhes, portanto, ocupa boa parte do seu pensamento. Ele ainda não sabe se isso é bom ou ruim. Sabe apenas que voltar para casa não significou o reencontro com a serenidade. A cabeça está recheada de questionamentos e dúvidas. Custa-lhe acreditar que Maria seja uma mulher madura, sensata, de sentimentos nobres, apesar das circunstâncias. O brinco pode ser uma evidência. Aborrece Maria, mas depois se culpa pelo equívoco. Justo com Maria que nada quer dele. Ela, por sua vez, compreende que tudo é novo, diferente, que João não tem outras informações para conhecê-la. Também ele está empenhado em buscá-la. Se para Maria, João é o presente maior, não tem certeza da sua significância para ele. Por isso, inicialmente, se aborrece. Precisam se conhecer melhor, dar espaço para a confiança.
No trato com seu anfitrião, Maria pôde perceber que João tem facilidade em fazer amigos, mostrando-se original, encantador e espontâneo, com boa dose de refinamento na arte de conviver. Diria mesmo que ele é pouco ortodoxo, com abertura para abraçar idéias progressistas. Diz-se simples, mas seus gostos são sofisticados. Humanista por natureza, João mostra-se dotado de lucidez e espírito positivo, daquele tipo que assume o comando com total naturalidade em qualquer situação.
Maria está encantada. Acostumada a homens frágeis, entrega-se ao seu poder de sedução. João é imbatível neste aspecto. Coloca nas coisas a pitada certa de humor. Algo, no entanto, intriga Maria. João lhe parece livre, aberto à mudanças, mas ela tem a certeza íntima que a vida dele se orienta por princípios bem definidos e fixos, ainda que a demanda pela liberdade seja constante. Ele fala, com verdade e despojamento, dos seus relacionamentos e nada passa despercebido para Maria que, mesmo envolvida, observa os mínimos detalhes. Pode, sem medo de errar, afirmar, que em questões de amor, ele é bem peculiar. Mesmo emocionalmente atraído por alguém, ele consegue romper um relacionamento, de repente. Sem grandes explicações. Os passatempos de João, os prazeres, os casos amorosos são marcados pela imprevisibilidade e excentricidade, haja vista que sua visão de sexo também não é nada convencional. Muito carinhoso, ele age com liberalidade, ignorando convenções religiosas e sociais.
Do ponto de vista social, pela frequência com que dá valor financeiro às coisas, Maria entendeu que, mentalmente, João aspira a glória, o prestígio social, as honrarias, o poder e a ascensão por meio da compreensão intelectual. Ele soube escolher o caminho certo. É um estudioso e sua visão da vida é otimista, segura e generosa.
Maria é dura. Conhece a si mesma como ninguém. Costuma entender as coisas pelo avesso. Percebe, lá no fundinho, traços semelhantes aos seus e uma agressividade bem disciplinada, submissa a um rígido autocontrole. Ela aprendeu, a duras penas, que fazer concessões demonstra força de caráter, e não fraqueza. Quer ser respeitada por sua maturidade e não se esconde. Age com espontaneidade e deixa vir à tona sua personalidade dinâmica, obstinada e batalhadora, que aborda as questões práticas com cautela. Ironicamente, Maria talvez seja, em relação a João, um pouco mais conservadora. Sua perspicácia lhe permite ver o essencial - o que sempre foi um trunfo em sua profissão - mas suas emoções estão divididas. Anseia pela aventura e pelo desconhecido. A chave está na habilidade de conciliação das duas tendências opostas: a busca do novo e o apego ao velho. Não julgaria João por causa de um brinco. O Ser habita águas mais profundas.

Com o coração apertado Maria se vê diante do homem que povoou seus sonhos e descobre que juntos, eles poderiam ter sido mais do que são separados. São pessoas fortes individualmente e a energia conjunta é brilhante. Maria está cheia de idéias e poderia se recolher por semanas, que a riqueza daquele encontro lhe inspiraria muitas páginas. Encontra uma afinidade de propósitos, que nunca encontrou em outra pessoa. Não é um relacionamento sexual apenas. Está diante de significativo amor, puro e verdadeiro, tão forte que foi capaz de promover aquele encontro insólito. A felicidade, na maioria das vezes, é equivocada. Está relacionada à aquisição de bens materiais, sucesso pessoal e profissional. Por isso, cada vez mais o ser humano clama por uma mudança interior, o vazio interno pede mais que palavras para ser preenchido. É no silêncio, quando as palavras se aquietam em nós, que conseguimos ouvir as vozes que vêm de dentro. No silêncio aprendemos como dissecar as nuances da nossa percepção, mesmo que elas nos pareçam vagas ou enigmáticas. O maior entrave é o medo que nos ronda, quando percebemos que este processo pode ser doloroso. Quando olhamos para nosso espelho, e vemos apenas reflexos. Quando nos deparamos com o vazio, trazemos ao campo da consciência essas forças contraditórias que nos desconsertam e nos fazem sofrer. Se por um lado nos causa sofrimento reconhecer que não somos absolutamente bons - nem maus -, a compreensão deste processo areja as nossas mentes e pode nos tornar agentes ativos na tarefa de descobrir a nós mesmos.
João! Prazer em (re)conhecê-lo!

7 comentários:

  1. Ahhhh, como é bom encontrar Maria tão doce, tão cheia de amor!

    ResponderExcluir
  2. Que delicia de texto ... que delicia te achar por aqui , apartir de agora quando vc sumir do face ja sei onde te achar !!! Beijinhos !!

    ResponderExcluir
  3. Maria está vivendo uma fase boa, não é mesmo Rô? Tomara que não passe nunca, rsrsrs. Assim completo estas histórias...

    ResponderExcluir
  4. Sol!!! Que surpresa!!! Venha mesmo, visite-me e mostre a cara, dê seu palpite. Maria se alimenta das muitas histórias que ouve. Mil beijos!

    ResponderExcluir
  5. Isso aí, Flor! Tomara que não passe nunca! T S2!

    ResponderExcluir
  6. Tomara Rô, mas a vida já me mostrou que "tudo passa"...

    ResponderExcluir
  7. Passa mesmo! Sem dó nem piedade...
    "É uma sopa de pedra!"

    ResponderExcluir