quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

O Mistério do Amor

Imagem: Anunciação, de Caravaggio


Maria entra no banheiro e chora escondida. É um sofrimento atroz e, mesmo sem culpas, ela não consegue se desvencilhar da sensação de impotência.
A história parecia ser a mesma, embora os tempos e os limites fossem outros. Os pesos da balança estavam em perfeito equilíbrio, mas existia o tempo, existia o espaço. Sempre esses dois fatores de limitação tentando impedir que sua alma alçasse voo.
Foram dias de alegria, de partilha, de intensa caminhada, de grandes descobertas, de entrega total. A harmonia entre ela e João não poderia encontrar nas palavras dos mortais uma simples definição. Seria preciso sentir, viver cada momento, ser cada movimento, para ter a compreensão do céu que ela havia experimentado. O paraíso só pode ser conquistado pelos puros de coração, pensa ela. Desde a juventude Maria buscou a sabedoria. Pediu a Deus por ela e decidiu procurá-la até o fim, seguindo as pegadas do amor com passos retos. Inclinou seus ouvidos para ouvir, e um Anjo apareceu para lhe sussurrar ensinamento abundante.
O domingo amanhece lindo. Conhece aquela missa, sabe que mexerá com suas emoções e com lembranças muito bem guardadas. Não sabe o que fazer para evitar que o passado lhe bata a porta e interrompa a magia e o encantamento com João. Está perdida em seus pensamentos. O tempo passa e com ele o horário da missa. Chegam ainda a tempo de ver a saída das irmandades, dos anjinhos, do cortejo de seminaristas. Maria engole a seco. Sofre. Deplora o que seus ouvidos também ouviram, seus olhos viram, sua percepção mostrou. Lamenta o desencontro. Prefere ouvir o Anjo - seu guardião interno - e se ajoelha em busca de conexão com Deus. Suas entranhas tremem ao dirigir-se a Ele.
- Desejei a sabedoria e a encontro na pureza. Afasto de mim a tristeza, não me deixo afligir com preocupações, quero apenas agradecer a Quem me concedeu sabedoria – reza Maria em estado de contrição. Não quero mais me privar de sentimentos que a minha alma tem sede. Também não posso confiar em caminhos que não têm obstáculos. Ah! Pai Poderoso aqueça meu coração, não quero causar dor, mas também não quero sentir. Eu amo João. Preciso de Luz, de discernimento.
E o Anjo, no seu pedestal de luz, inclina-se para mais uma vez sussurrar-lhe ao ouvido.
- Grave-o como um selo em seu coração, pois o amor é forte, é como a morte! Cruel como o abismo é a paixão.

Com o coração aquietado Maria deixa o banheiro. O nariz está vermelho, único vestígio das lágrimas que caíram um pouco antes. Lágrimas de amor, de compreensão, de saudade. Tem trabalho pela frente. Precisa se inspirar para o artigo da semana. Busca a Bíblia. Abre no Cântico dos Cânticos. O amor humano é espelho, sacramento e manifestação do próprio Deus, que se torna presente nos seres humanos que se amam.

Beijos

Beije-me com os beijos de sua boca!
Seus amores são melhores que o vinho,
O odor de seus perfumes é suave,
Seu nome é como óleo escorrendo,
E as donzelas se enamoram de você...
Arraste-me com você, corramos!
Leve-me, ó rei, aos seus aposentos,
E exultemos! Alegremo-nos em você!
Mais que ao vinho, celebremos seus amores!
Com razão se enamoram de você...
(Cântico dos Cânticos)

2 comentários:

  1. Lendo textos tão verdadeiros,embebidos de experiência, me inspiro a escrever sobre o amor...
    Ahhh, como gosto de ler Maria!

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  2. E eu gosto de você Rô querida. Maria está sufocada, precisando se esvaziar. Feliz! Maria está feliz!!!

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