segunda-feira, 4 de maio de 2015

Début em Bruxelas

Jacques Carabain (1834) Many Figures at an Auction on the Grande Place in Brussels - Oil On Canvas
Maria me observa atentamente enquanto me visto para o primeiro passeio oficial. Estou confusa ainda: fuso horário, a dor pela perda recente de meu pai, a alegria da concretização de sonho acalentado e abandonado nas curvas da vida... e o medo.
- Medo? Como assim? Porquê? De quê?,  indaga Maria.
- Simples. Medo do desconhecido. Medo de que as informações armazenadas ao longo de nossas experiências não sejam suficientes para fundamentar as surpresas que certamente virão.
Ainda assim me preparo com esmero para sair. Quero estar bonita. Os últimos meses me mostraram um reflexo no espelho de constante sofrimento, cabelos com raízes brancas, olhos inchados e sempre vermelhos.  Tudo bem. Eu sei que não é questão de geografia. Não basta sair para achar que nossos sentimentos mudarão como passe de mágica. Munida de mapa interior de acertos e erros, desejos e realizações enfrento as sonhadas férias. Fica visível para mim a dualidade que permeia as ações humanas. Há um lado subjetivo e abstrato que também escolhe e organiza as atividades, e outro, racional e concreto, que possibilita perceber a realidade. Não é preciso ser mágico ou ter poderes especiais, basta apenas manter a disciplina e ter a certeza de suas reais motivações, ganhos, perdas e riscos para formular bons objetivos, que valham a pena correr para alcançá-los.
- Escolha sem medo.  É assim que agem os vencedores, diz Maria.
Bruxelas é a primeira viagem no tempo. Na Grand Place, o clima medieval se torna áspero e hostil, presente com mais intensidade com o vento frio e a chuva fina. Há sensação de pertencimento, de ter conhecido aquilo e também certo desconforto. A sensação de desconforto se instala em meus olhos. O vento entra por trás das lentes e os fazem arder e lacrimejar. Aproveito então para deixar minhas lágrimas caírem enquanto olho e fotografo apenas com o olhar. Não consigo tirar a mão do bolso, mesmo com luvas, por causa do frio.  São muitos detalhes arquitetônicos. Uma parede vista de longe esconde mil detalhes quando vista de perto. É. Os medievais não conheciam a fotografia. Os artistas se encarregavam do olhar diferenciado.  E são tantas janelas. Tantas janelinhas nos tetos. Não pesquisei, mas deu para perceber que as edificações teriam datas diferentes e pelo menos três estilos ficaram claros: gótico, barroco e clássico. Pesquisa posterior mostrou mais um: o neogótico.
A caminhada pelas ruas e vielas próximas mostrou outro lado: bares e restaurantes frequentados, em sua maioria, por jovens.  Nítida demonstração de que a noite fria não era nenhum problema. Muitos turistas.  Esperava ouvir francês, mas ouvi muito o japonês, ou seria o coreano? E pasmem: português também, e do Brasil. Aliás, brasileiros foram companhia em quase todos os lugares que visitamos.
Passando por uma galeria tenho sessão solitária e nostálgica observando a vitrine de chapéus "retrô" e boinas como as que meu pai usava. Sinto saudades. Mas naquele cantinho eu volto a me encontrar. Pé na realidade para não deixar que o sonho e a fantasia me arrebatem. O frio convida a um chocolate quente, mas já está tudo fechado. Vamos tomar café no hotel mesmo. O chocolate belga só será degustado em Berlim, alguns dias depois.
Maria é mesmo companheirona. Não me abandonou um minuto sequer. Trocamos informações, impressões, mas, principalmente, ela esteve presente para me dar confiança. Sempre poderemos contar com as surpresas, com o imponderável, com situações completamente novas. Isso é fato. No entanto, o que nos segura nas situações imprevistas são princípios e valores que escolhemos para nossas vidas. São colunas de sustentação diante do desconhecido.  Bruxelas deixou sua marca como tempo passado dando suporte ao presente. Estava vista e registrada, possivelmente, como o début. Encantada, mas não deslumbrada! Sim, eu seria capaz de empreender os 30 dias sem me perder de mim e de minhas origens.

Nenhum comentário:

Postar um comentário