Vitrais na Catedral de San Vito, de Alphonse Marie Mucha |
Sexta-feira Santa. Chego cansada em Praga, com o pé esfolado
de calo, mas cheia de expectativa. Todos com quem conversei antes da viagem
elegiam Praga como a número 1. Cidade lotada de turistas que mal se podia
andar. Até para tirar fotografia a gente não conseguia espaço. Para variar a
campeã de turistas continuava sendo o Japão (ou Coréia, vai saber...) seguida
pelo Brasil. Encontrar gente do país da gente já é uma farra, do mesmo Estado
já é coincidência, mas o que dizer quando se encontra turista da mesma cidade e
ainda amigo? Pois bem, em Praga, isso aconteceu.
Sou apaixonada em cristais e nesse aspecto Praga superou
minhas expectativas. Um espetáculo inesquecível para os olhos. Desde as peças
em miniaturas, extremamente mimosas e delicadas, às peças imensas e requintadas
que exigiriam, no mínimo, um palácio para colocá-las. Os preços, se comparados
ao Brasil, muito baratos, mas ainda assim caros. Afinal, são cristais da
Bohemia. Há de se convir que transportar essas peças para quem não vai
comercializá-las é comprar dor de cabeça e preocupação. Então é melhor esquecer
a posse e se fixar na admiração. Impregnar os olhos com a beleza, o brilho e o
tilintar dos cristais.
Rudolf von Alt "Brückenturm auf der Kleinseite in Prag-1843 |
A visita ao Castelo de Praga me fez vivenciar alguma coisa
que já escrevi por aqui, algo como o importante é a jornada e não o destino. A
travessia na Ponte foi tumultuada, as ondas de gente lhe carregavam e o que era
esperado aconteceu: o grupo acabou se perdendo, ou melhor, se dividindo em
dois. Eu era a “ímpar” e desta vez fiquei com a Adélia e o Marcelo. Essa nossa ‘miguinha’,
por sinal, recebeu o título de Miss Simpatia. Alegre, espontânea e disposta
coloria nossos passeios com seu entusiasmo.
Emocionei-me em uma capela que entramos. Não sei como o Marcelo a
descobriu. Do lado de fora era apenas uma portinha. Sentei, rezei, chorei,
agradeci. Uma subida longa até o Castelo nos esperava. Além dos calos (agora
incomodando pouco por causa do band aid), a questão do joelho e do tornozelo, cujas
dores me acompanham desde o tratamento do câncer, era preocupante. Subimos
rindo, conversando, fotografando, parando, perguntando preços, que nem
percebemos quando chegamos lá em cima.
Bom, estava combinado que se perdêssemos no mar de gente nos
encontraríamos todos lá. É, mas isso parece que não ficou bem explicado.
Marcelo saiu para procurar os outros dois e desapareceu. Quando os outros dois
apareceram, já tinham entrado no castelo e na Catedral de San Vito. Pelo
celular ficamos sabendo que o Marcelo estava em uma torre de metal filmando e
que se encontraria conosco no hotel. Só então Adélia e eu entramos no castelo e
já nos sentindo desanimadas. Desânimo maior ainda quando vimos a fila para
entrar na Catedral. E eu queria muito entrar e ver os vitrais de Alphonse Marie
Mucha. Esse artista tcheco tem ilustrado muitas das minhas histórias, em
especial, com suas Quatro Estações. Adélia compartilha comigo o desânimo.
Fazemos algumas fotos ali fora mesmo. Apreciamos a arquitetura externa e
demos a Catedral como vista. Estamos pensando mesmo é no chocolate quente no pé
do morro.
Mais tarde resolvo sair sozinha e comprar petiscos para a
viagem de trem no dia seguinte. Entro no supermercado pego umas barras de
chocolate e umas caixas de batata frita, pago, e quando estou saindo, a coisa
apita de novo. O rapaz do caixa me olha e faz sinal para eu andar, sair. Ufa! Nem de
bolsa eu estava. Dessa vez não me senti nem um pouco constrangida, apesar de
que na hora achei estranho o raio ter caído duas vezes no mesmo lugar. Volto
para o hotel ouvindo uma moça americana (a julgar pelo sotaque) que canta na
rua Wave.
A cidade das cem cúpulas estava vista.
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