terça-feira, 12 de maio de 2015

Berlim: Esqueci Maria em Amsterdam...

Unter den Linden in Berlin, Anna Bilinska-Bohdanowicz (1857-1893)


A viagem de Amsterdam para Berlim não teve grandes surpresas. O cenário bucólico dos pequenos lugarejos enchiam os olhos, mas já não chamava tanta atenção,  e eu me sentia mais entrosada com o grupo. Já estava desmatutizada. A Alemanha foi a minha maior surpresa em toda viagem. Primeiro, por ter sido palco e protagonista de duas grandes guerras e pelas impressões que o nazismo deixou marcado na história, acho que esperava encontrar um povo hostil, mal-humorado, truculento. Enganei-me redondamente. Um povo alegre, gentil, atencioso. Uma cidade moderna. Segundo, estava frio em Berlim, embora já fosse primavera, e nevou. Pouca neve, mas suficiente para matar minha curiosidade de como é a neve. Um floquinho de gelo, ou melhor, uma espuminha congelada. Não precisaria mais ir a lugar nenhum para conhecer a neve. Na minha idade -  aliás, nem quando era nova -  esquiar ou praticar qualquer esporte de inverno não está incluído em minha caixa de desejos. A neve, portanto, estava vista.
Os passeios em Berlim foram históricos. Hospedamos bem pertinho da Alexander Platz e fomos recepcionados na gare por dois artistas que tocavam e dançavam. Não sei dizer de onde eram. Eu até diria que eram meio ciganos, meio hyppies, mas que transmitiam alegria. Começava a mudar minha impressão dos alemães. Não é só porque tinha dois artistas na praça, mas porque tinha gente da cidade apreciando os dois, dando moedinhas. Acho que os que filmavam e fotografavam eram turistas. E embora em todo lugar a gente ouvisse alguém falando em português, ali, a maioria falava alemão mesmo.
De todo jeito procuramos viver um pouco da cidade.  O Café da Manhã no
 Hotel era 18 euros. Então saímos e nos fartamos no Back Factory.  Minha boca ainda enche de água quando me lembro do sabor dos pães, croissants, donnuts, pretzels.   Aliás, amei os pães da Europa. Tomei chocolate quente.  Andamos a pé e também pegamos metrô. Comprávamos o ticket, validávamos, e ninguém nas roletas para conferir. É, mas se um fiscal pedir para ver o ticket e você não tiver, a multa, dizem, é bem cara. Então, no metrô, a preocupação era não perder o ticket até que chegássemos ao destino.  Fizemos compras e tivemos que andar todo o passeio carregando as sacolas, mas valeu a pena. Impossível passar diante das lojas e ver coisas incrivelmente baratas, mesmo em euro, e não se sentir atraída. Pelo menos em alguns aspectos não posso esquecer que sou mulher e no mundo feminino, vitrine está incluída.
Não vou descrever os lugares todos em que passamos. Foram os tradicionais: Reichstag, Potsdamersplatz, Brandenburg Tor, Unter den Linden, Gendarmenmarket, Memorial do Holocausto, Topography of terror, Berliner Mauer, Zeughaus, Berliner Dom, Checkpoint Charlie. Vou destacar dois: O Memorial do Holocausto e o Museu Topografia do Terror. Experiência pesada, dolorida que me fez chorar várias vezes. Sou sensível à história judaica, mas ali, vendo os alemães enfrentando suas feridas, eu não tinha preferência. Via os dois lados, o sofrimento e a falta de opção dos alemães e minha conclusão foi só uma. Alemães não são nazistas, assim como o muro de Berlim nada teve a ver com a guerra. Eles  se redimiram diante dos meus olhos. Por outro lado, convenhamos, a geração que aí está, não tem nada a ver e nem culpa do aconteceu. É história e ponto final.
Ainda nevou duas vezes nesse dia. Numa corrida para nos esconder da neve, em uma galeria, encontramos umas jovens fazendo o mesmo e falando em português.  Como sempre, sou conversadeira, logo perguntei às meninas de onde eram. Era o Brasil representado ali: do Sul (Curitiba e uma cidade de Santa Catarina que me esqueci o nome agora) , de Mato Grosso do Sul (Dourados), do Rio e de Fortaleza. Participavam do programa Ciência Sem Fronteiras na Espanha, estavam em férias e aproveitavam para conhecer outros países da Europa. Esse é o Brasil que eu vivo. Um país que abre portas e dá oportunidades. Não tinha isso quando eu era jovem e queria estudar na Sorbonne e tem gente que diz que o Brasil vai de mal a pior. Mas esse é outro papo.
Também foi em Berlim que passei por enorme constrangimento. Aguardávamos Adélia e Marcelo que compravam alguma coisa em um supermercado e entramos. Estava frio lá fora. Ao sair o alarme tocou. Eu estava com a sacola das compras que havíamos feito mais cedo e imaginei que alguma coisa dentro dela ainda estava com etiqueta. Quando o segurança pediu para ver, eu me senti muito mal, era algo que nunca tinha acontecido comigo e eu não sabia que essas máquinas apitavam errado. Sem falar alemão e inglês só pedi socorro com o olhar para minha cunhada que tirou pacientemente as coisas da sacola e mostrou para ele. Só depois de chorar muito no hotel tive condições de processar o ocorrido. O pobre do segurança tinha sido extremamente gentil, muito cauteloso em explicar que precisava ver, que não podia colocar a mão dentro de minha sacola. Enfim, doeu, mas passou. O mais incrível é que não tinha etiqueta nenhuma nas compras.  Era eu que apitava. Chegando no Hotel a Cleuza cortou todas as etiquetas de minhas roupas novas. Mas na volta, no aeroporto Charlles De Gaulle eu apitei de novo, só então descobrimos que o meu cartão de crédito, guardado na pochete dentro da calça é que disparava o alarme. Mas meu irmão e minha cunhada passavam com o deles sem apitar. Vai entender. Quando tirei a pochete, parei de apitar. E aí a pochete apitou na mão da fiscal.
E onde esteve Maria esse tempo todo que não veio me socorrer? Não veio me ajudar a processar o que estava acontecendo comigo? Meu Deus! Só então é que me dou conta que deixei Maria em Amsterdam...



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