Jacob van Ruisdael (1628-1692) Paisagem com Moinhos de Vento Perto de Haarlem |
A manhã foi tomada na viagem de trem de Bruxelas a Amsterdã.
Viajo calada (isso não é normal, rsrsrs), olhos inquietos e filmo tudo que
vejo. A paisagem rural é, em tudo, diferente da nossa. Boa parte da vegetação
ainda exibe a aridez provocada pelo inverno. Caules que se levantam formando
imagens que se alteram segundo o estado de espírito. Ora belas, ora tristes,
ora medonhas. Enquanto isso a imaginação cria histórias sobre elas que serão
esquecidas na próxima curva do trem. Muito vai se perder e, de fato, se perdeu
ainda nos trilhos. Mas também não dava para ficar anotando tudo que passava
pela cabeça, então a decisão foi deixar a alma filmar, sentir, fotografar,
viver. Apenas o que ficasse retido na memória faria parte do arquivo.
Os lugarejos por onde passávamos evocavam outras histórias,
lembranças, cenas de filmes, telas, romances. Tudo parecia, paradoxalmente,
familiar e diferente, afinal passáramos parte de nossas vidas tendo a fantasia
como ferramenta de trabalho e, naquele instante, o que me vem à mente é o mito
quixotesco que permeou minha literatura. Lutei sim com enormes e cruéis
gigantes que, ao final, se transformaram em moinhos de vento. Claro! Ao entrar
em terras holandesas não esperava encontrar mulheres de roupas típicas usando
tamancos – isso seria muito complicado enxergar da janela do trem – mas, os
moinhos de vento, ah! Isso sim, sem dúvida veria muitos naquele cenário
rural. Apostei minhas fichas no
impossível. Vi sim moinhos se transformarem em gigantes. Imensos moinhos
modernos produtores de energia eólica. Mais uma vez a luta contra moinhos de
vento se transformou no paradigma da inutilidade e é Maria que vem – de novo –
a meu socorro. Ela entendia o significado profundo da literatura. Ficção e
realidade se entrelaçavam e uma alicerçava a outra, pavimentavam as pontes, de
forma que a inutilidade da imaginação não importava. Naquele momento Maria não
apenas realizava, por meu intermédio, uma de suas inúmeras viagens imaginárias
e fantásticas, também pincelava de realidade o que um dia não passou de
alucinação. O tempo não pára (já disse que não consigo escrever sem assento?) e
tem um momento que somos obrigados a assumir nossa fantasia.
Então volto a pensar no tempo, enquanto passo o tempo
observando novas paisagens. Maria muda comigo, se transforma a cada experiência
e ainda não se pode saber que rumo tomaremos. Estamos envelhecendo, o que
vivenciamos tem agora outro sentido e não sei se conseguirei traduzir tudo em
palavras. A mesma inutilidade da luta contra moinhos de vento alimenta as
palavras. Nunca é fácil sentar e escrever sem qualquer objetivo. Trazer os
pensamentos do nada para o vazio da palavra e sentir a pressão do tempo. Entre
o ideal e a realidade fica o sentimento de vazio. O que queremos, Maria e eu, é
saber se você nos acompanha nesta viagem. Se aceita a vir conosco e a não
falar, a não escrever, a não sentir, a não ter o que trocar a não ser o
silêncio e a beleza dessa paisagem fria e bucólica.
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