quinta-feira, 17 de outubro de 2013

Para sempre

Imagem de Malaquias Belo

Ao bater os olhos na imagem do jornal, Maria sentiu seu coração bater mais forte. Não restava dúvida: aqueles traços em estilo surrealista só poderiam ser de Ezequias Brandão. Mais de 15 anos sem vê-lo, no entanto, a identificação continuava a mesma. Sem pensar duas vezes, Maria busca o fio da meada para reatar uma relação que sempre foi marcada por profunda identidade espiritual. Fecha os olhos, faz retrospectiva, vendo o tempo passado voltar e contar uma história por meio de imagens que a memória armazenou. Sente saudades, um sentimento nostálgico que se mistura à alegria presente. Reencontrar esse amor que se traduzia em imagens e silêncio mexia com as entranhas de Maria, uma sensação emoldurada por boas, profundas e inesquecíveis lembranças.
O dia não amanhece como todos os outros. Maria teve uma noite povoada de sonhos surreais e se prepara para ir ao encontro do insólito; mais uma vez, iria à luta para vencer os limites do tempo e do espaço.
Impossível prever os resultados daquele encontro.
Começam então pelos relatórios do tempo. Casaram-se no mesmo ano, têm filhas da mesma idade e com o mesmo nome, as datas das grandes transformações também coincidem. Maria deixa a fábrica de chocolate, na mesma época em que Ezequias Brandão, cria um novo estilo artístico e mais comercial, que firma seu talento em outro mercado. O lançamento do livro de Maria coincide com o período em que ele retorna às telas. O recomeço encontra então seu ponto de partida.
A tarde inicia com uma visita à galeria onde Ezequias está expondo. Maria observa cuidadosamente cada quadro. Ali também, observa que o artista recomeça de onde parou. Nada de bananas cortadas em rodelas voando no espaço, o masculino encontra expressão, apenas o mito de Eva ainda se mostra em conflito (simbolizado pela maçã verde, cortes feitos com lâmina e em presença de sangue) e em diversos planos - janelas ou portais da existência. Maria busca o humano. Não há ainda uma presença real, mas em algumas telas já se pode perceber elementos da vida. Os antigos ovos que se explodiam ou se dissolviam, se transformaram em formas orgânicas "humanovegetais" que se assemelham a cromossomas, ou espermatozóides, ou larvas, ou algas, e que se sobrepõe, em outra perspectiva, transformando-se em verdadeiras cidades-fantásticas - supostamente metafísicas - de perturbadora solidão.
Há na obra de Ezequias uma aparente sensualidade pela presença de elementos fálicos e eróticos, mas percebe-se também que não é essa a pretensão. A expressão está mais para a indagação dos mistérios que envolvem o mito da criação e a ruptura com o paraíso, tudo dentro de um contexto simbiótico e contraditório de lirismo e dor, cujo resultado é uma obra que transmite a solitária solidão de Ezequias.
No texto do catálogo a confirmação do que Maria percebia: "Após percorrer outros caminhos em modalidades diversas, aprimorando outras técnicas, o artista retoma seus antigos aspectos da vertente surrealista que marcou sua personalidade artística no começo da carreira, em que predomina o virtuosismo técnico, tanto na execução da pintura como no engajamento temático que define a sua estética com rigoroso apuramento técnico e excelente resultado de plasticidade".
Um café tomado depois da chuva em ambiente acolhedor, algumas palavras para marcar momentos importantes vividos no passado, a constatação das mudanças que aconteceram ao longo do tempo, mas que não alteravam o profundo e inexplicável amor que unia as duas almas. Ligados por essa energia lírica, intimamente eles sabem que nunca vão promover um rompimento, ainda que seus caminhos insistam em seguir direções opostas.
É noite quando os dois se separam. No ar, inúmeras possibilidades, mas somente o tempo - sempre o tempo - poderá explicar a magia desse encontro.

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