terça-feira, 1 de março de 2011

Ninguém sabe a dor que sinto

Imagem de Munch



Os últimos dias não foram risonhos para Maria. O clima chuvoso, cheio de nuvens e escuro a atingem como um petardo de guerra e tudo que ela deveria ter pensado antes, vem à consciência agora. Está irremediavel- mente apaixonada. Não é o amor que a faz sofrer, mas a paixão. Sofre duplamente, por que a paixão, “posto que é chama”, está fadada ao fim e, ainda, por que a distância a impede de alimentar o fogo. Que sei eu do fim para fazer previsões? Uma visão otimista diria que a paixão vai passar e o amor vai se fortalecer, alicerçado pelo genuíno desejo de ver João feliz. É verdade. Palavras que consolam.
João já é feliz sem Maria. Sabe lidar com suas influências aquarianas como ninguém, sem perder o foco da objetividade, do utilitarismo. Pela primeira vez, desde que se encontraram Maria tem medo de sofrer. O medo, por si só, já é sofrimento. Natural, portanto, essa angústia generalizada e sem motivo aparente, mas que assusta. A angústia desequilibra a nossa dinâmica psicológica, provoca transtornos mentais, dá a sensação de aperto no coração e o medo que não sabemos de quê. Certa está que estas sensações fundamentam a condição humana diante da liberdade absoluta, da morte ou da distância.
Ronda-me a morte e é difícil seguir em frente quando nos sentimos em estado de desamparo, quando nos falta convicção de que podemos sobreviver por conta própria, nutrindo-nos dos conteúdos internos, sentimentos e pensamentos que nos identificam. Afirmei que João é feliz, mas coloquei-o numa condição objetiva. Fui rasa. Todos nós, em maior ou menor intensidade, somos constantemente desafiados a nos olhar no espelho, a ficar diante de nós mesmos e responder as perguntas que mais evitamos. Podemos até tentar empurrar com a barriga, mas só conseguimos adiar a crise. Passear na alma de João é um risco, uma incógnita. Ele sabe guardar bem seus sentimentos e dúvidas. Vive. Se isso lhe basta, basta a mim também. Sorte a nossa que o inconsciente não se deixa corromper pelas facilidades.
Maria sempre olha João com amor. Não o rotula pela educação, cultura ou conhecimento, mas pela sua capacidade de administrar conflitos – se é que os têm –, de forma que sua vida não se sustenta no que o outro pensa. Na realidade, a vida de Maria também não, mas ela tem o hábito de mergulhar em águas profundas para se encontrar com sua vacuidade, sua inexistência, sua angústia da ausência. Reconhecer as diferenças entre João e Maria, no entanto, não me dão autoridade para qualquer julgamento, uma vez que nem todo o conhecimento do mundo seria capaz ou suficiente para me representar diante do abismo da identificação. Também eu procuro pela harmonia interna, pelo resgate da minha identidade.
Desde que eu, João ou Maria, aceitemos o desafio de derrubarmos o mundo que construímos baseado nas pessoas que amamos, colocamos em xeque os nossos alicerces. Sinto que é possível, sem alterar o visível, desnudar-nos do aparato lógico, encontrar novas possibilidades e experimentar a sensação de liberdade. Uma liberdade que, segundo Sartre, “não é o arbítrio ou o capricho momentâneo do indivíduo, mas o radical da mais íntima estrutura da existência, separado de todos os outros”. Não sei como se faz isso na prática.

3 comentários:

  1. Novamente me encontrei em vários trechos... Maria sempre consegue "estar com"... Deve ser por este motivo que fico dias sem abrir outras páginas na rede, mas a este blog, é como uma refeição diária para a alma, não dá mais para ficar sem. Como eu a amo Maria!

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  2. "Pois são luminosas as almas cansadas

    Em seu repouso e sono apaixonadas.

    Já não suporto o Sol e seu fulgor:


    E quando estou quase toda desfeita.

    E que meu corpo no leito se deita,

    A noite toda eu choro a minha dor."

    Encontrei o Soneto V de Louise Labé, e lembrei de Maria!

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  3. Então Rô, e hoje achei uma Prece por Maria... Acho que eu, a autora, sou como sua alma cansada. Este será o carnaval mais longo da minha vida.

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