terça-feira, 15 de março de 2011

Que venha o outono

Imagem: The Leaf, Elizabeth Forbes (1897-1898).


Foram dias sofridos, marcados pela dúvida. Maria não consegue sequer escrever, perdida no emaranhado dos seus pensamentos. São tantas coisas acontecendo ao mesmo tempo, que ela só consegue fechar os olhos e pedir a Deus que lhe dê discernimento. Está visivelmente em seu limite e, por mais que procure, não consegue encontrar uma área da sua vida que esteja realmente serena. Trabalho, família, amor, tudo tem uma marca de angústia, tudo está em compasso de espera. Não consegue ler também. Uma rápida passada em frente à TV arranca-lhe lágrimas doloridas: chora por ela, chora pelas notícias, chora pelo Japão, chora pela humanidade. Acostumada a percorrer os labirintos da alma humana, Maria se vê, mais uma vez, diante de si mesma, precisando lidar com conceitos de moral, de lealdade, e, infalivelmente, com a verdade. Pensa em conversar com João, quem sabe aqueles detalhes reveladores, escondidos nas justificativas, venham à tona. É complicado falar das fraquezas do ser humano sem resvalar-se nos próprios reflexos e Maria parte do princípio que só identifica nos outros aquilo que tem nela mesma.
– Posso sair na frente, admitindo os meus erros, pensa ela.
Ledo engano. Maria não consegue conversar com João. Ele desvia o assunto para amenidades e a faz parecer uma pessoa complicada, daquelas que criam chifres em cabeça de cavalo. Pela primeira vez Maria o acha vaidoso. Ela também seria vaidosa? Onde e o quê é que estava “pegando”? Porquê não conseguiam se entender? Era evidente que o bloqueio não era apenas dele. Maria estava em um turbilhão de pensamentos e João deu a pista com um simples comentário.
– Para mim está tudo bem, mas você está recebendo pouco de mim e isso não a está deixando satisfeita. Por isso está angustiada.
– Não é apenas isso, responde ela, a verdade bate na minha cara. Fico procurando defeitos em você para justificar minha desistência, mas acabo os encontrando em mim mesma. Há pouco, achei-o vaidoso, mas mesmo a vaidade tem dois lados. Vista de forma positiva é autoestima, de forma negativa é orgulho. E neste momento, nós dois, vaidosos, nos colocamos em lados opostos.
– Minha Vida, não complique as coisas. Vamos levar as coisas com serenidade, vivendo o que nos é permitido viver e com a alegria que marcou nossos primeiros encontros. Aos poucos, vou me acostumando às suas alfinetadas. Tento entender que a sua crítica afiada não tem o sentido de denegrir a mim, mas é uma máscara que você usa para compensar a carência, a sensação de desamparo. Eu também me sinto carente, talvez não da mesma forma que você. Minha solidão é outra. Meu silêncio grita e delata outras situações.
Fragilidade e impotência estão presentes em todos nós. O outono está próximo, o sol radiante depois das pancadas de chuva será mais raro e, aos poucos, o que hoje é verde dará lugar ao alaranjado, com matizes em musgo e marrom. Maria se sente contagiada, desde já, pelo ciclo da natureza. Está no outono da sua vida. Na natureza isto significa o tempo de preparo para enfrentar dias frios e sombrios. Na vida também. Humana que é, sabe que terá que se equilibrar nas estações da existência e ser capaz de enxergar o belo no escuro e decodificar, pela linguagem da arte, a cultura da sombra.
– Tenho pressa de viver.
O tempo que tenho pela frente é precursor de horrores e não posso deixar que mágoas e raivas sejam interiorizadas e expressas em detrimento da harmonia do cotidiano, conclui Maria. Em sua maneira de simplificar as coisas, em amenizar – melhor dizendo –, João lhe mostrou ser capaz de abrir caminhos alternativos que lhe permitem trafegar em todos os reinos físicos e psicológicos, com maturidade interna. Maria entende que o ser humano não pode ser aprisionado por estereótipos porque é livre para agir e reagir. Não há regras fixas de comportamento, mas Maria pauta sua vida no bem coletivo. Quando o assunto é a emoção, o comportamento humano não se enquadra em nenhuma expressão matemática de resultado exato. Na nossa cultura, em que o novo e o descartável são supervalorizados, a serenidade madura ocupa outro espaço. De novo, Maria tem a oportunidade de exercitar sua habilidade em trafegar entre o novo e o antigo, entre o moderno e o tradicional, entre o maleável e o estratificado. Se por um lado, inventamos mecanismos para facilitar nossa sobrevivência, inventamos também a arte, um instrumento para alimentar o espírito, para nos distrair de um mundo duro e chato. Pela sua escrita, Maria se propõe a ir além do humano e criar o encontro entre o sutil e o belo. É verdade que o momento tende ao cinza, mas o importante é entender que o sentimento do outono não está, necessariamente, ligado ao declínio, mas ao sentido e ao significado que se percebe com o olhar experiente. Parabéns João! A sabedoria pode ser bem mais simples que imaginamos.

4 comentários:

  1. Maria é especial. Su busca incessante motiva a todas nós e é muito bom vê-la contracenar com um João equilibrado, sensato, amoroso. Tão diferente da maioria dos joãos que conhecemos!

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  2. É verdade Rosana... mas ainda não consegui dar a João um ar de verdade. Ele está ideal demais e não existe um ser humano sem pontos fracos. O pior é que tenho entrado nas histórias como narradora e personagem. Mas chego lá... obrigada pelas visitas!

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  3. Que saudade de Minha Querida MARIA!!!

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