Monachof Love, de Rassouli |
Tento evitar, quero esquecer, mas ainda não consegui, e hoje, foi a primeira
coisa que me lembrei ao levantar. Há exatos três anos começava um processo
transformador em minha vida, por fora e por dentro. Retirava o primeiro quadrante de minha mama
esquerda. Treze dias depois iriam as duas, inteiras. As marcas são tão
profundas, que só mesmo quem passou ou passa pela experiência é capaz de
aquilatar os sentimentos desencontrados que tomam conta da gente. Não é o medo
da morte, mas a forma como morrer; a vida que se deixou de viver, adiada tantas
vezes à espera de um tempo mais favorável. É a certeza de que a vida não
termina ali, mas o futuro que se descortina é completamente desconhecido,
impossível de ser planejado e os planos possíveis não poderão mais ser a longo
prazo.
Até hoje não consegui decifrar a raiva que senti de tudo e
todos que amava. Bendito silêncio. Impediu que eu ferisse mais, pessoas tão
queridas. Não existe perdão, não existe justificativa, apenas a pergunta: onde
está quem sempre fui? Tempo em que não me reconhecia, embora o espelho
refletisse quase a mesma imagem de sempre. Também não era a falta das mamas,
elas foram reconstruídas e em seis meses o resultado era surpreendente. Era alguma coisa mais profunda que ainda
persiste e que me leva aos períodos silenciosos em busca de mim.
Desde então tenho percorrido meus labirintos, e se às vezes
me sinto isolada do mundo, na maioria, tenho a íntima certeza que faço parte de
algo maior, sinto as pessoas como parte de mim. Se às vezes sou rabugenta,
intolerante, impaciente, na maioria, sou tomada de amor, compreensão,
paciência. Chego até a ser permissiva. Sou mais coletiva que individual. De tudo só consigo entender que o câncer pode
ser extirpado do corpo, mas não sai da alma. Fica ali,
como um guardião interno,
um guia na defesa espiritual, no auxílio à comunhão com minha verdadeira
natureza. É a companhia no imenso vazio, a convicção da necessidade de rupturas
e desencontros para que a verdade possa emergir do silêncio.
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