sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

A verdadeira beleza é triste

O ano está no fim. A data é um misto de tristeza e de alegria, de vida e de morte. De um lado a comemoração dos 59 anos de casamento dos seus pais, do outro a saudade pelos três anos sem a presença de sua tia querida. Após o almoço em família, Maria e sua mãe levam flores ao cemitério. Falam de saudades, de preocupações, dos sonhos e pesadelos, e do vento. O vento que parece beijar-lhes o rosto, mas que não permite manter a chama acesa, como se estivesse a lhes dizer que um dia tudo se acabará com um sopro. Ainda estavam reflexivas quando foram interrompidas pelo chamado ao celular.
Em menos de meia hora Maria já estava providenciando sua viagem para o Rio de Janeiro. O motivo bem que poderia ser o Réveillon, a queima de fogos em Copacabana, a reunião com os amigos que também estariam lá. O motivo era bem outro e a passagem do ano foi solitária. Da sacada vê alguns fogos de artifício na orla e na Marina da Glória; mais distante, o pipocar de luzes e cores em Niterói. Nenhum espetáculo. Grossas lágrimas lhe escorrem pelo rosto. Marcava-se naquele momento mais um reinício, no tempo e na vida. Recomeçar, reestruturar, refazer-se, com algumas diferenças, desta vez não precisava reencontrar-se consigo mesma. Há algum tempo suas idas ao Rio de Janeiro não tinham o mesmo sabor e entusiasmo da sua juventude.
Nos dias que se seguiram Maria pôde observar – e aí não sabia explicar se era apenas a sua percepção – que o Rio de Janeiro não era mais o mesmo. Cheirava a mofo, à decadência; as paredes do casario antigo, por todos os lados, estavam infiltradas. Ao subir e descer a Ladeira Nossa Senhora da Glória, observa o muro de pedras musgosas do Outeiro, não pode negar a sua beleza histórica. Entre uma pedra e outra, nascem árvores, plantas, samambaias e as raízes expostas evidenciam o capricho com que a Natureza tece o tempo. Na rua calçada com paralelepípedos sabe que terá que usar sandálias rasteirinhas, porque assim como o Rio envelhecia, ela também. Saltos altos e elegância naquele trajeto, não lhe pertenciam mais. Chegou exausta ao topo.
Mais dois dias e Maria fazia seu caminho de volta para casa. Deixava parte de uma história para trás. Vivenciou momentos de muita dor, de renúncia, de desapego. De despedidas. Pôde compreender que é na memória que ficam os verdadeiros registros e os motivos da angústia; que uma caixa de fósforo de papel, com a propaganda de um restaurante, é mais difícil de jogar no lixo, que um aparelho de televisão ou qualquer outro eletrodoméstico. Que o cheiro de mofo se mistura ao ranço da vida. Buscou forças em esconderijos interiores, sabia que aquela não era a sua história, mas era co-protagonista. Daqui pra frente a sua vida não será mais a mesma.

6 comentários:

  1. "Amar o perdido
    deixa confundido
    este coração.

    Nada pode o olvido
    contra o sem sentido
    apelo do Não.

    As coisas tangíveis
    tornam-se insensíveis
    à palma da mão

    Mas as coisas findas
    muito mais que lindas,
    essas ficarão."

    (Carlos Drummond de Andrade)

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  2. Tenho sempre a impressão que sei quem é meu comentarista anônimo... Seja lá quem for, posso dizer do post não-comentário que todo amor é bem vindo. Amor nunca se perde e na pior das hipóteses retorna ao coração de origem. Drummond parece que sabia bem o que estava escrevendo.

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  3. Clovis Garcia no Facebook: Imperial Irmandade da Nossa Senhora da Glória do Outeiro. Texto sublime que encanta.

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  4. Clóvis, obrigada! Vc sabe a importância do seu comentário para mim.

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  5. Texto sublime... bonita a expressão do Clóvis! E que coragem a sua de dizer que a Cidade Maravilhosa cheira a mofo! Eu também percebi que o Rio está velho, da última vez que estive lá...

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  6. Obrigada Rosana! Mas mesmo assim o Rio de janeiro é lindo, né?

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