sexta-feira, 27 de fevereiro de 2015

A Travessia

Old man and the sea, de Vic Gomery


Gostaria de agradecer a cada um em particular, mas não tenho condições físicas nem emocionais para fazer isso. Tantos amigos, tantas palavras de conforto, de carinho, de amizade, de gente que há tempos não vemos, de gente que está sempre por perto, de gente que sempre nos surpreende. A atenção dos médicos que o atenderam , em especial Dr. Aloísio Ferreira e sua equipe do Hospital Jardim América, o corpo de enfermagem, duas das quais choraram junto comigo quando meu pai partiu. E foram tantas orações... todas acolhidas pelo nosso pai com o mesmo amor.

Eu nunca vi alguém partir com tanta coragem, consciência, lucidez e serenidade. Eu diria que o papai estava até um pouco eufórico, tão grande era sua fé. A todos que diziam que estariam em oração, ele frisava: "orem para que eu siga o caminho da Luz. A vida não é aqui... está do outro lado". E se foi na Luz... tornou-se estrela. Esbanjou, até o último minuto, sua inteligência singular e sabedoria. Riu, brincou, fez piada... e choramos juntos quando me fez prometer que não deixaria que ele fosse levado para a UTI, que queria ter uma morte natural, sem máquinas a lhe prolongar a morte. Foi tudo do jeito que ele quis, com a família e amigos mais próximos compartilhando seu final. 

A saudade já começa a apertar, antes mesmo que a ficha tenha caído por completo. A casa está vazia, silenciosa. Mamãe muito calada. Mas há paz nos envolvendo. A mesma serenidade que nosso pai demonstrou ao partir. Pequenas mostras que se nosso corpo está aqui e agora, nossa mente pode estar pesquisando outros labirintos, outros sentimentos, outras formas de existência, e a cada descoberta, por menor que seja, percebemos que a vida é um grande presente. O silêncio pode clarear lições. Em silêncio a vida pode encontrar seu sentido, a serenidade pode conhecer seu caminho, e o ser humano pode se render à sua imperfeição sem ser vítima de julgamento.

Poucas vezes paramos para pensar no privilégio que temos em compartilhar um mesmo período de nossa existência com familiares, amigos, autoridades, ou quem quer que seja. Vivemos uma fatia do tempo apenas e muitas vezes perdemos a melhor parte, gastando nosso tempo em satisfazer nosso ego. A preciosidade que é a vida passa despercebida nesse emaranhado que o mundo tece. É a morte que nos nivela, nos torna iguais em todos os sentidos: não há fortuna, cor de pele ou poderio capaz de evitar a morte. Vida e morte fazem parte de um processo único, tudo que nasce morre. Estrelas nascem e morrem. O homem não seria a exceção,

Imagino que todos nós convivemos bem com a morte. O que temos de maneira inexplicável é o medo de morrer. Há uma diferença sutil. A morte é inevitável e acabamos por aceita-la de forma tão legítima, que nem gostamos de pensar nela. Fica o medo de morrer, as dores que poderemos sentir, as humilhações a que poderemos ser submetidos quando não conseguimos mais cuidar do próprio corpo, o sofrimento que poderemos causar nas pessoas que deixamos aqui, a insegurança de habitar um espaço chamado saudade.

Estamos na vida para viver e a morte nos remete de forma direta e inquestionável ao fenômeno da vida. Papai entendeu bem isso, sem medo, foi nosso exemplo de vida e de morte.

Obrigada a todos!

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