Detalhe de La Jeneusse de Baccus, de W. Bouguereau |
Maria afirma não ter religião, vai em todas que for convidada e sempre com o mesmo respeito. Tem forte tendência a se ligar ao Criador, cuja percepção não fica atrelada às religiões, sem a necessidade de intermediários, nem santos, nem pastores, nem padres. Traz Deus em sua vida como uma experiência íntima, particular, intransferível e inenarrável. Um segredo. Nessa questão, Maria é total e completamente individual, o que não a impede de pensar de forma plural em todos os outros assuntos que envolvem a vida humana. Então, no jogo entre viver e ser há empate técnico.
Foi Maria que me trouxe a experiência de mãe como exemplo para entender algumas coisas do cotidiano que extrapolam a família. Desde pequenos, seres humanos são solicitados a aprender regras de convivência e quanto mais expostas a elas mais contatos têm com sentimentos de toda natureza: do amor ao ódio, da compreensão à intolerância, da solidariedade ao egoísmo, do radicalismo à maleabilidade, do autoritarismo à liberdade.
As diferenças de nossas individualidades não são computadas de forma isoladas, mas agrupadas de forma que se pode dizer que o coletivo é construído como o resultado da aprendizagem interna, coordenada com o fluxo externo. É aqui que, alertou-me Maria, que nossos filhos nos ensinam muito, tanto a respeito de nós mesmos, quanto de nossos adversários. Regra geral, irmãos brigam quando estão jogando, passam por cima das regras, roubam, criam estratégias, mas muitos apenas brincam, divertem-se durante o processo. A observação do comportamento infantil remete-nos ao ser adulto. As reações podem ser contidas, mas a natureza humana continua lá, à espreita, esperando o momento de se manifestar.
A humanidade, no entanto, já devia estar acostumada ao fato de o tempo alterar a lógica dos fatos. Não vivemos o mundo de verdade absoluta, mas de verdades relativas, suscetíveis às influências e limitações de tempo e espaço. É nítida a percepção de que estamos em um mundo em construção, aprendendo a viver e a conviver com as semelhanças e diferenças, evoluindo em nosso conhecimento intuitivo e científico. Mas apesar de tudo, de todos e de mim, o mundo gira. Obrigada Maria, por estar atenta.