sexta-feira, 31 de outubro de 2014

Um segredo

Detalhe de La Jeneusse de Baccus, de W. Bouguereau


Maria afirma não ter religião, vai em todas que for convidada e sempre com o mesmo respeito. Tem forte tendência a se ligar ao Criador, cuja percepção não fica atrelada às religiões, sem a necessidade de intermediários, nem santos, nem pastores, nem padres. Traz Deus em sua vida como uma experiência íntima, particular, intransferível e inenarrável. Um segredo. Nessa questão, Maria é total e completamente individual, o que não a impede de pensar de forma plural em todos os outros assuntos que envolvem a vida humana. Então, no jogo entre viver e ser há empate técnico.

Foi Maria que me trouxe a experiência de mãe como exemplo para entender algumas coisas do cotidiano que extrapolam a família. Desde pequenos, seres humanos são solicitados a aprender regras de convivência e quanto mais expostas a elas mais contatos têm com sentimentos de toda natureza: do amor ao ódio, da compreensão à intolerância, da solidariedade ao egoísmo, do radicalismo à maleabilidade, do autoritarismo à liberdade.

As diferenças de nossas individualidades não são computadas de forma isoladas, mas agrupadas de forma que se pode dizer que o coletivo é construído como o resultado da aprendizagem interna, coordenada com o fluxo externo. É aqui que, alertou-me Maria, que nossos filhos nos ensinam muito, tanto a respeito de nós mesmos, quanto de nossos adversários. Regra geral, irmãos brigam quando estão jogando, passam por cima das regras, roubam, criam estratégias, mas muitos apenas brincam, divertem-se durante o processo. A observação do comportamento infantil remete-nos ao ser adulto. As reações podem ser contidas, mas a natureza humana continua lá, à espreita, esperando o momento de se manifestar.

A humanidade, no entanto, já devia estar acostumada ao fato de o tempo alterar a lógica dos fatos. Não vivemos o mundo de verdade absoluta, mas de verdades relativas, suscetíveis às influências e limitações de tempo e espaço. É nítida a percepção de que estamos em um mundo em construção, aprendendo a viver e a conviver com as semelhanças e diferenças, evoluindo em nosso conhecimento intuitivo e científico. Mas apesar de tudo, de todos e de mim, o mundo gira. Obrigada Maria, por estar atenta.



segunda-feira, 20 de outubro de 2014

Campanha política e relações de amizade

La Discussion Politique, de Emile Friant
As redes sociais dão a falsa impressão de que temos amigos. Eu, por exemplo, lotei o perfil, abri um segundo, e percebi que realmente eu continuava muito só e que amigos virtuais não eram amigos, conhecidos não são amigos e amigos são relações que construímos ao longo do tempo. Por outro lado, tive a oportunidade de conhecer algumas pessoas virtualmente que depois se transformaram em amigos queridos na vida real e outros, que mesmo desconhecidos, passaram a fazer parte de minha vida. Reencontrei amigos que o tempo e a distância fizeram questão de afastar.

Em tempo de campanha política acirrada, com o Estado e o Brasil dividido em dois, novas experiências e reflexões. Quem me acompanha pelo facebook sabe que em nenhum momento alisei ou tentei justificar os mensaleiros do PT. Quando todo mundo falava que ia terminar em pizza, bati firme que o julgamento iria até o final e mais, que eles seriam condenados. Durante o julgamento todo mundo dizia que no final eles seriam inocentados. Julgados e condenados, não apareceu ninguém para assumir que errou, que tirou conclusões precipitadas, que apenas queria tumultuar o processo. Teve um do Paraná que, não contente em escrever porcarias na caixa de comentários, usou o in box para me ofender me chamando de “velha” (ele era 3 anos mais velho que eu), “mapa do inferno”, “bixo feio do satanás” e outras que não tenho coragem de postar aqui.

Então pergunto: isso é algo para se conservar? Mesmo em nome da democracia e liberdade de expressão? Decidi bloquear e ponto final. Até porque liberdade de expressão é um conceito que poucas pessoas entendem. É um direito constitucional, mas tem restrições, obedece a limites, obedece a um ordenamento jurídico. O ser humano é livre para escolher, mas se escolhe errado está sujeito a penalidades. Um princípio básico da convivência social entre pessoas civilizadas.
Aqui procurei, inicialmente, mostrar as realizações do governo Dilma.  Há muita difamação, informações erradas  e uma sistemática dos jornais de grande circulação de não divulgarem os benefícios do governo dela. Ora, se alguém é livre para escolher, que tenha, pelo menos, a informação correta. Não faltaram “amigos” a me destratar por isso. Os que pensam de forma contrária continuam aqui, mas os que vinham escrever palavrões e ofensas pessoais estão merecidamente bloqueados.  Aos poucos fui trocando chumbo. Não poupei borrachadas. E foi até interessante. 

Nos debates entre os candidatos observei que a Dilma se sente constrangida ao ouvir as frases desrespeitosas do seu adversário. Nunca retribui na mesma moeda, mesmo quando ataca. Ela não tem a mesma habilidade oratória do hominho e passa a impressão que “perde” a discussão.  O que está por trás de tudo isso é a verdade. A verdade tem vida própria, resiste às contradições, bate forte nas pessoas, mesmo que em algumas produza efeito de rejeição. Estamos diante de dois candidatos com histórias pessoais diferentes, com propostas de modelo de governo diferente. Enquanto uma lutava contra a ditadura, outro era um playboy mimado alheio ao que se passava no país.  Um é neoliberalista, outro é social democrata. O resto é tudo igual.

Alternância de poder é importante no processo democrático,  mas o Brasil vem de 500 anos de governos que só pensaram no econômico, que não perceberam que o mercado interno é importante e que foi a partir desse entendimento que o Brasil chegou à 7ª. economia do mundo.  Da crise mundial aqui só chegou MESMO uma marolinha. Mais 4 anos à Dilma é até uma questão de justiça. É dar a ela a oportunidade de concluir obras importantes no desenvolvimento do país, em especial às regiões que nunca receberam atenção do governo federal – aqui se incluem Goiás, Tocantins, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, e não apenas o Norte e o Nordeste. 

A menos de uma semana das eleições, vou continuar mobilizada, mas desde já agradeço aqueles que de forma inteligente e polida contribuíram para o debate democrático em meu perfil. Gozo o privilégio de ter amigos leais, inteligentes, comprometidos, parceiros ou não, compartilhando os mesmos pensamentos ou de opiniões contrárias. Cresço com todos. 

quarta-feira, 8 de outubro de 2014

O Complexo do Capitão do Mato



O artista alemão, Rugendas, viajando no Brasil em 1822-1825, retratou um capitão do mato montado a cavalo e puxando um cativo (também negro) com uma corda

Considero meu irmão uma das grandes inteligências que tenho o privilégio de conviver. Ele é lúcido, desapaixonado, racional, reservado, espirituoso, sem contar que foi abençoado com essa inteligência rara e especial capacidade de percepção e discernimento. E nestes tempos (difíceis) de eleição, costumamos conversar muito e ele sempre aclara os pontos duvidosos que tenho em relação às pesquisas que faço. Para chegar à conclusão que meu voto seria da Dilma, há uma pesquisa que antecede a campanha pessoal. Fico satisfeita quando minha conclusão bate com a dele.
Recentemente ele usou um termo que nunca tinha ouvido: Complexo de Capitão do Mato. Só então – a partir da observação dele -  fui pensar a respeito.  Negro, empregado público da última categoria, era encarregado de capturar os escravos fugitivos. Tinha que ser negro, porque, sendo um deles, conhecia os hábitos, pensamentos, estratégias e esconderijos dos escravos. Era um deles, mas tinha conseguido alçar um cargo e, para mantê-lo, não se importava de negar a própria raça, espezinhá-la e, principalmente, não deixá-la alçar ao seu “nobre” status.  Esse sentimento conseguiu atravessar gerações e ainda hoje estamos deparando com a figura do capitão do mato, disfarçada em outras funções e classes, pois também independe da cor atual da pele. (Como assim? Você já reparou naquele funcionário público que pega o cargo de chefia de sua divisão? Prestou bastante atenção na maneira como ele age? Como protege seu cargo? Com certeza, sofre do complexo de capitão do mato). 
Hoje o complexo de capitão do mato pode ser observado no sentimento corporativista, daqueles que batalham muito para chegar a um determinado status.  Quando conseguem ultrapassar a porta, a primeira coisa que fazem é fechá-la para os que vem depois. Afinal, ele ralou muito para chegar até ali. Enquanto quer chegar ele reclama, mas depois que chega, faz exatamente a mesma coisa. Advogados que passaram na OAB não concordam com a retirada do exame. Médicos que tiveram que estudar sete anos para poder trabalhar, não apoiarão jamais “a facilidade” do Mais Médicos. Jovens que estudam para passar no vestibular ou concursos sem cotas, jamais vão aprovar o sistema de cotas para negros e pobres.
Quando o assunto é pobreza então, o complexo de capitão do mato se manifesta como uma explosão de ódio. Agora qualquer um pode ter carro, qualquer um pode viajar de avião, para o exterior!! (olha só que absurdo. Perdeu toda a graça), qualquer um pode almoçar em restaurante, ir a shopping e até usar roupa de marca. Como se explica esse ódio aos nordestinos? Pior, de nordestinos aos nordestinos? De negros contra negros? Quem não se lembra dos comentários a respeito do Joaquim Barbosa assim que começou o julgamento do mensalão? E dos comentários já ao final do mensalão? Passou de protegido a herói, pelos que eram contra petistas, e de competente a arrogante pelos que eram petistas.  E não faltou quem afirmasse que ele fez o papel de capitão do mato ao condenar os mensaleiros ao dobro da pena de Carlinhos Cachoeira.
O tempo muda e a história se repete. O cargo de capitão do mato, para um escravo liberto, de acordo com o professor Nelson Rosa, "atendia às demandas simbólicas de distinção social numa sociedade escravista", mas o que de fato acontecia é que ele, apenas tinha a ilusão da dignidade de seu ofício e se sua suposta autoridade e prestígio de sua função o deixava acima dos escravos e dos pobres livres - mesmo estando mais próximo do senhor do que da escravaria, mesmo morando nas freguesias que atuavam, mesmo vivenciando o cotidiano de outras comunidades -,  nunca foi credencial para ser aceito pelos brancos e poderosos. Não tinha nenhum prestígio social, era inimigo dos negros, e não tinha o respeito dos brancos, mas achava que era superior.
Sempre foi a ralé, como hoje.

https://www.youtube.com/watch?v=albUp-4E1kU#t=48

sexta-feira, 3 de outubro de 2014

Ecos do Silêncio

Létoile perdue, de J.W. Bouguereau
Poucos imaginam minha luta para voltar à vida, para acreditar de novo na humanidade, na política. Poucos imaginam que passei meses sem que brotasse um sorriso espontâneo em meu rosto. Meses em que preferia ouvir “eu quero tchu” que deixar a alma se embebedar de sensibilidade na música das esferas. Poucos imaginam a dor que é perder a motivação e o desejo de escrever, quando isso parece ser a única coisa que se sabe fazer. Em meu lado sombrio habitava o desejo de reconhecimento, em conflito com meu lado luz, que achava isso uma bobagem muito grande. O melhor é que essa fase passou.

Feliz quem sabe dobrar os joelhos em oração e alçar dimensões superiores mesmo diante das dificuldades. Feliz quem consegue transformar a oração em canto de exaltação. Feliz daquele, cuja oração permite romper os muros da solidão, do medo, da fragmentação. Feliz o homem que compreende que não vai mudar o mundo, mas que poderá dar sua contribuição moldando a si próprio. Ninguém pode moldar o mundo à sua vontade, mas pode educar-se, disciplinar-se, gerar ações positivas. Este é o grande poder do indivíduo, enquanto apenas indivíduo. Trabalhar por um mundo melhor, implica trabalhar por um ser humano melhor, consciente, generoso, sem preconceitos e tolerante. 

Então, estou de volta à vida e à luta.

quarta-feira, 1 de outubro de 2014

Pintando o cenário

Painting Studio, de Daniel Bilmes
Acredito que ao nascermos encontramos uma parte da vida já desenhada, o cenário, cujo traçado não dependeu de nós. A outra parte está em branco para que a gente possa preencher de acordo com o que somos. Nem sempre precisamos de grandes acontecimentos para sentirmos motivados para a vida, precisamos apenas compreender os pequenos acontecimentos. Em tempo de tirar máscaras, fico impaciente se me pedem para colocar uma. Nortear-me por princípios universais, valores próprios e códigos de ética individuais pode parecer extravagância, excentricidade ou que sou temperamental demais. Nada disso. Vivo mesmo é em um mundo mágico, reservado àqueles que se detém a olhar além do que está visível, um mundo impenetrável por mascarados. Será que pedir uma vida transparente, honesta, verdadeira é pedir muito?


Cada manhã um novo dia se perfila à nossa frente. Algumas coisas seguem o planejamento, outras nos fogem ao controle. Não se controla a vida, não temos poder de garantir o futuro. Podemos ser senhores de nosso destino, apenas no campo mental, que é onde acontecem as coisas do espírito. Parece que preciso de uma caixa de lápis de cor de pelo menos 48 matizes, para pintar as penas do anjo que mora dentro de mim. Não consigo ainda ter o cenário completo de minha vida, mas cada palavra que consigo extrair de mim é uma peça que entra em cena.