quarta-feira, 25 de junho de 2014

As duas faces do amor

Venus and Adonis, de Jacopo Amigoni
Vênus e Adônis é um poema de Shakespeare e insinua uma alegoria moral, na maneira da mitologia. Vênus representa a si mesma como deusa, não somente da paixão erótica, mas também do amor eterno conquistando o tempo e a morte. Porque Adônis perversamente recusa esse ideal, Vênus conclui que a beleza humana deve perecer e que a felicidade humana deve ser sujeita ao infortúnio. Vênus e Adônis são porta-vozes de atitudes contrastantes diante do amor. 

Vênus, por exemplo, alerta Adônis da necessidade de precaução ao perseguir o javali, opina que “O perigo planeja mudança; a argúcia espera com medo”. Adônis suplicando o seu despreparo para o amor, cita analogias de triviais: “Nenhum pescador exceto o girino imaturo reprime / A suave ameixa cai; o verde crava rápido”. No âmago, seus argumentos são usualmente convencionais. Vênus encoraja se apegar ao momento do prazer. “Faça uso do tempo, não deixe a vantagem escorregar; / A beleza dentro de si não deve ser desperdiçada”. Adônis pleiteia tempo para amadurecer.
Assim, nenhum competidor ganha o argumento.

segunda-feira, 23 de junho de 2014

A hora de pecar

Aphrodite and Eros, Henri Camille Danger

A noite foi longa e fria.  Maria acorda com o corpo dolorido,  a  cabeça  como  se  estivesse  no vácuo,  o coração apertado.  Espreguiça com vontade e faz alongamento ainda na cama, para enfrentar mais um  dia sem graça, isolada em sua enorme sala, tendo por companhia apenas uma tela de computador. Tem lá suas vantagens: pode ler, ouvir música e escrever. Mas está dividida.Deixa para trás outros aspectos da vida que reclamam  sua  atenção.  Hoje,  especialmente hoje,  ela sabe  que precisa separar um tempo para si, para resolver essa questão interna da divisão. Lembra-se de quando tinha seus filhos pequenos e precisava deixá-los para ir à luta pela sobrevivência. Hora de retribuir o que a vida lhe presenteou.

Em meio à tempestade de areia no deserto, um pequeno oásis. Não saber o que acontece por dentro é andar na escuridão e passos indecisos nunca são capazes de levar ao ponto certo. Ainda assim, Maria se sente estranhamente feliz, com todo aperto no peito, com a voz saindo mais trêmula do que nunca, engasgando quando verdades profundas vem à tona. Encontra, depois de muito tempo, um João, enigmaticamente de olhar tristonho e sorriso risonho, que um dia esteve povoando os sonhos e fantasias de um mundo virtual. João é como a águia que hipnotiza a presa. João é como o rouxinol, seus gorjeios enchem o coração de Maria. João é como o santo, acende a fogueira do coração de Maria. Quer viver. Não quer trazer João para a realidade, não quer distribuí-lo na igualdade de seus dias. Nem tempo, nem espaço, nem qualquer preconceito, limitariam a doce Maria cansada de solidão. 

segunda-feira, 9 de junho de 2014

Oh de casa!



On the roof of Paris, de Marc Chagall
Às vezes as atividades cotidianas me afastam de momentos  de intimidade  comigo, e quando sobra um tempinho, percebo que estava com saudades de mim. Assim, hoje, resolvi dar um passeio por dentro.  Revisitar,  no tempo e no espaço, antigos sonhos e realidade.  Apaziguar sentimentos, lançar luzes e novas compreensões sobre fatos da vida, aceitar o que está pronto e não pode ser mudado, encher-me de coragem para ainda promover mudanças. Não é fácil cumprir todas as tarefas, o tempo estratifica conceitos, mas se o corpo pode envelhecer, quero me manter jovem mentalmente, ter abertura para compreender o novo e, em especial, dar-lhe o espaço necessário para crescer e se realizar. Em uma dessas gavetinhas reencontro minhas emoções e percebo a necessidade de ampliar o contato com a vida universal, bebendo em fonte de águas puras.  Não preciso me angustiar com o futuro, nem camuflar meus medos, nem nadar contra a correnteza. Minha vida se tornou um exercício de humildade, de disciplina, de constância naquilo que faço. Enfim, posso circular em meu interior com coragem e confiança, sem precisar me esconder no silêncio.