"Clarie" - Frederic Leighton
Passou-se mais de um mês desde que Maria recebeu o telefonema de João. Nos primeiros dias ela se sentiu extremamente incomodada, as lembranças daquele amor ingênuo e puro povoavam sua mente e inundavam seu coração de ternura. Só recebeu dele uma única carta. Não a guardou, mas ainda sabia de cor todas as palavras: "Você é uma menina de ouro! Posso antever o lar maravilhoso que você vai formar, dá até água na boca, mas escolhi um caminho diferente do seu. É a Deus que quero dedicar cada momento de minha vida. Sei quanto é dura a caminhada, mas sei também quanto vale a pena".
Maria pensava no tempo, que transformou aquelas palavras em ironia. Nem ele se tornou padre, nem ela tinha um lar maravilhoso. Teve uma vida sofrida, estava no segundo casamento que também já capengava. Não era infeliz, tinha conquistado o lugar que buscou no mundo, e o preço a ser pago não era negociável. Uma vida quadradinha certamente não a deixaria satisfeita. Não lhe proporcionaria as experiências e a profundidade com que lidava com as situações adversas. Nada do que se arrepender, nada por que procurar reviver o passado. Sua vida estava ali, na frente dela, limpa, transparente, vigorosa.
Do outro lado, João certamente se culpava por sentir tanta saudade, por não ter tido a oportunidade de estar perto dela no momento que sua vida tomou um novo rumo. Nunca soube explicar a si mesmo se foi a vontade de viver sua sexualidade que o tirou do seminário, ou se sua vocação não era assim tão forte. Não teve muitas experiências amorosas, casou-se logo depois de abandonar a batina, mas os anos reprimidos pareciam explodir com o vigor da adolescência agora na vida madura. Depois de muito debater consigo mesmo decide ligar para Maria outra vez. Tomaria cuidado de deixar o escritório fechado, não queria passar pelo fiasco de ter que desligar o telefone abruptamente. Maria o atende com a mesma espontaneidade, e eles conversam animadamente, quando o marido dela chega. Sem colocar a mão no fone ela retribui o beijo e pede que ele a espere no quarto com as crianças.
- Com quem você está falando?
- João, um amigo meu de adolescência. Há mais de 20 anos que havíamos perdido o contato.
- Dê meu abraço a ele.
O diálogo deixa João sem jeito.
- É o seu marido? Como você consegue?
- Viver, sem necessariamente ter dedicado minha vida a Deus, proporcionou-me um valor muito maior. Sou livre e essa liberdade eu conquistei com a minha consciência. Não estou pecando por conversar com pessoas queridas.
Desligar o telefone era como fechar a porta de um consultório médico, sentindo dor, com o coração sangrando. A impotência esbofeteava sua arrogância. Não tinha como controlar o tempo. A vida, enquanto se é jovem, parece eterna. Somente o tempo e a compreensão dos valores reais podem dar a dimensão exata do prazer que as pequenas coisas proporcionam. Somente o tempo é capaz de mostrar que sua solidão é sempre uma grande solidão, porque é dela. Estas constatações evidenciam a pequenez de Maria diante da grandeza do Ser, coberto ainda por camadas de ignorância, vaidade, egoísmo. Intuitivamente sabe que suas experiências internas a despertam para a compreensão de uma realidade maior, que transcende a consciência comum e as atribulações na lufa-lufa dos dias.
A vida acontece no intervalo entre o nascer e o morrer. O modelo tradicional - crescer, comer, beber, dormir, estudar, trabalhar, casar, ter filhos, criar filhos, aposentar - não promete nenhuma felicidade e embaça a visão do fim. Há uma aura de mistério envolvendo Maria. Sentimentos, sensações, percepções se instalam em sua profundeza, sem que ela saiba como lidar com eles. Busca no recolhimento intuir sobre o significado dessas experiências em sua vida. Isto sim é ser mestre de si mesmo - pensa ela -, é aprender a percorrer a solidão e o silêncio sem medo das próprias sombras; só simplicidade e liberdade de espírito. Não teve coragem de enfrentar Deus, mas tem coragem de enfrentar os homens. Revive momentos marcados no tempo, e cada lembrança é como se abrisse uma gavetinha em seu coração. Seus olhos se enchem de lágrimas de saudades.
Saudades de você, João!
Maria é mulher, fala de vida, de experiência, de sentimentos, de sexo, de lições e apreendizado, um universo identificado por qualquer mulher (e até mesmo homem). Ela sou eu, a outra, todas elas, qualquer mulher, uma mulher qualquer. É a mãe, a dona de casa, a profissional, a prostituta, a religiosa, a vencedora, a fracassada, a lutadora, a cansada, a jovem, a velha, a sábia, a louca. Não é Maria por acaso.
segunda-feira, 31 de janeiro de 2011
sexta-feira, 28 de janeiro de 2011
MEU MINUTO
Waldemar LC Moreira®
A mim não interessa
A intensidade do seu amor,
Nem se realmente é amor.
Nem se tem intensidade.
Um minuto só...
Era o que eu queria,
Mas um minuto
Que fosse intenso,
Que fosse inteiro meu,
Numa entrega total,
Num misto de lucidez e fantasia,
Confundindo tudo em você.
E depois desse minuto, meu amor,
Numa comoção tresloucada,
Gritaria ao mundo
Que nosso minuto foi eterno.
Waldemar LC Moreira®
A mim não interessa
A intensidade do seu amor,
Nem se realmente é amor.
Nem se tem intensidade.
Um minuto só...
Era o que eu queria,
Mas um minuto
Que fosse intenso,
Que fosse inteiro meu,
Numa entrega total,
Num misto de lucidez e fantasia,
Confundindo tudo em você.
E depois desse minuto, meu amor,
Numa comoção tresloucada,
Gritaria ao mundo
Que nosso minuto foi eterno.
terça-feira, 18 de janeiro de 2011
A hora da vingança
O estilo era o mesmo. João chegava de mansinho, desmanchando-se em gentilezas, mostrando uma discrição que jamais poderia ser confirmada na vida real. O tempo não conseguiu apagar a mágoa e agora tudo o que ela queria era a oportunidade de se vingar e desmascarar aquele homem. Ainda não sabia exatamente onde iria chegar aquela brincadeira, mas tinha certeza que o faria experimentar a mesma dor, a mesma desilusão.
Foram apenas quatro contatos. O suficiente para Maria perceber que João não valia mesmo a pena, nem como alvo de vingança. Maria era uma médica nutricionista de 45 anos, viúva, mãe de uma linda jovenzinha de 14 anos. A vingança, tão detalhadamente planejada, perdia seu sentido ao observar a fragilidade daquele homem. Era apenas um coitado, ávido, solitário, incapaz de manter relações duradouras e/ou profundas. Tinha limites, mas de alguma forma conseguia encobri-los com máscaras que não duravam muito tempo. Ainda tinha o detalhe da aparência que ele próprio não conseguia superar, a princípio, sempre muito sério, parecia um nerd. Não podia sorrir; faltavam-lhe dentes. Falava compulsoriamente sobre todos os best sellers, demonstrando que não tinha uma programação de leitura e a superficialidade nas análises comprovavam que "burro carregado de livro não é doutor".
Ainda assim, houve uma época em que Maria se deixou levar pela solidariedade. Fez todo o trabalho de editoração e revisão (quase reescreveu) do livro sobre comida, que aos poucos percebeu se tratar de uma tradução de obras americanas e, muitas, conservavam até o ranço dos americanos em relação aos latinos. Maria só percebeu que estava sendo usada em suas habilidades quando terminou o último capítulo do livro, de graça. A constatação a deixou muito irritada, chegou a ter dúvidas da sua lisura ética. Ela teria feito aquilo para qualquer pessoa que precisasse, sem precisar das mentiras, da perda de tempo emocional de ficar levantado a autoestima de um homem sem grandes atrativos.
Esparramada sozinha na cama de casal, entre quatro travesseiros, Maria aproveita a manhã de chuva para um passeio em seu interior. Os últimos tempos não foram convidativos para esses mergulhos; mágoas, desejos de vingança, impaciência, eram sentimentos que fechavam os portais e a jogavam para um isolamento cada vez mais difícil de romper. Não conseguir se ler, de alguma forma, a impedia de se escrever. Se não se escreve, também não se lê e acaba perdida dentro de uma teia tecida por ela mesma.
Busca a saída, mas os momentos de luz se tornam raros.
-Perdoe, ouve, sem identificar quem lhe fala.
Aconchega-se ainda mais ao travesseiro, indecisa se é isso mesmo o que quer. Essas vozes são incômodas e, na maioria das vezes, é muito mais fácil encerrar esses papos apenas ignorando o apelo.
-Perdoe, torna a insistir a voz , certa de que está a incomodando.
Espreguiça-se languidamente, levanta-se, abre a janela para ver melhor o dia, respira o ar molhado, encanta-se com o violeta das flores da quaresmeira, encaminha-se para o banheiro com a decisão tomada.
Esta manhã escura, chuvosa, fria, tem um mérito: trouxe-a de volta à vida.
Esperou muito para poder planejar a vingança, mas uma vez possível, ela se envergonha do seu plano. A vingança se assemelhava à conquista. Concretizá-la seria preencher de vazio a sua vida. Desistir dela, abria-lhe as portas da sua alma para horizontes desconhecidos. Maria entendia o significado da vingança e a desistência a fazia feliz. Maria não era um monstro!
sexta-feira, 14 de janeiro de 2011
Um vôo de liberdade
A gente se desfaz de uma neurose, mas não se cura a si próprio (Sartre)
Um Triste Resgate
O verão tinha levado João para perto de seus filhos, enquanto o inferno se instalava definitivamente no coração de Maria. João andava monótono, sem vida, sem inspiração. A estratégia de Maria para ressuscitar João estava dando errado e ele, decidido a mostrar que estava realmente interessado na alma de Maria, continuava a agir como se o mundo fosse apenas pensamento. O que se sucedeu foi uma verdadeira serenata e a cada dia ela se surpreendia com a forma sutil como João se revelava por meio das músicas que tocava. Se ele tentou falar, Maria estava surda. Ouvia apenas os gorjeios tristes do seu pássaro cativo.
O poema de Menotti Del Picchia entrou em seu âmago e alterou o rígido esquema de proteção que Maria havia adotado para não sofrer mais. Se pressentires que amanhã estarás mudo, esgota, como um pássaro, as canções que tens na garganta . Ela (ou ele?) estava se esgotando na tentativa de se fazer compreender antes de calar? Um misto de saudade e compreensão passava a tomar conta de Maria a partir daquele instante. Talvez as canções adormeçam as feras que esperam devorar o pássaro, continuava Del Picchia, enquanto Maria se enternecia com as suas lembranças.
Respirou fundo, olhou-se no espelho da existência. Seria João seu eco e reflexo? Ele ainda tinha caminhos desconhecidos para ela e, além de tudo, seria uma oportunidade para compreender o significado da renúncia e experimentar apenas o sentimento do amor. Amor não precisa dar certo, basta que abra o caminho para entrar no mundo dos sentimentos. O amor irrealizado ainda tem outra característica: pode ser sublimado, universalizado. Transforma-se em mais amor. Amor que acaba é paixão, tesão, que não resiste à mesmice dos dias. Outro suspiro e a conclusão de que se permitiu viver até o final aquela experiência inédita. Não indagues se nossas estradas, tempo e vento, desabam no abismo. Que sabes tu do fim?
Aquele será um final de semana diferente. Acordou na sexta-feira disposta a revolver mágoas, mas principalmente, a resolvê-las. Acabou se colocando dentro de um turbilhão de sentimentos difíceis de serem identificados: a mágoa se confundia com dor-de-cotovelo, a raiva parecia amor reprimido, o amor maltratava como se fosse doença, a insegurança se vestia de indiferença. A luta pela verdade parecia uma briga com moinhos de vento. De tudo, ela tinha uma única certeza: poderia não haver resgate, mas a definição acabaria acontecendo.
Agora só consegue sentir de novo aquele vazio enorme. Vai precisar buscar forças extras para conseguir superar tudo. Em compensação, deve dar a aposentadoria merecida ao seu coração. Naquela idade não se pode esperar que a vida seja um conto de fadas, mas a experiência adquirida teria que ser capaz de transformar a relação a dois em um lago azul e sereno. Já que teria que amargar mais um fracasso, seria bom começar a aprender que essa serenidade pode ser conquistada na solidão. Maria merece envelhecer em paz profunda.
domingo, 9 de janeiro de 2011
João também é comum
Imagem: Munch - Two Peoples The Lonely
Maria chega em casa arrasada. Encontrava-se com a realidade, com elementos que enriqueciam seu conteúdo no pequeno círculo masculino em que transitava.
Conversava com desconhecidos, fazia-lhes perguntas íntimas, queria saber como se sentiam diante das adversidades, dos relacionamentos. Eram homens comuns, alguns com o brilho da inteligência, com enorme capacidade de realização, mas comuns. O que os fazia iguais era sempre a forma de se relacionar, de objetificar a mulher, de colocar o sexo em prioridade ao Ser.
Aquela pesquisa a deixava confusa. O questionário era padronizado, com pouquíssimas perguntas abertas, mas de alguma forma ela pressentia que a margem de erro seria mínima mesmo se xerocasse os questionários. As respostas pareciam ensaiadas, ainda que se diferenciassem quanto à religião, ao grau de instrução e à classe social.
Quando se aventurou a descrever o comportamento masculino do homem de meia idade, acreditava que seria uma grande oportunidade de conhecer pessoas diferentes, capazes de exteriorizar as lições que aprenderam na vida. Encontrava homens pacatos, acomodados ao casamento e ao conforto de uma família, raramente encontrava homens apaixonados por suas mulheres. Encontrava homens voltados para a neurótica ascensão profissional, para a vigilância da fortuna acumulada, para a preservação de uma imagem de homem forte e viril. Encontrava homens fracos e desiludidos, viciados mal resolvidos, buscadores incansáveis de uma felicidade utópica, mas não encontrava o homem que queria. Não era o homem perfeito que buscava para ilustrar seu trabalho, mas o homem consciente, que não estivesse correndo atrás do tempo perdido, que procurasse na rotina o encantamento de um amor que se renova e amadurece com a convivência, que o trabalho não fosse a fuga da sua impotência, que o sexo anônimo não acobertasse as dificuldades da parceria constante.
O homem que não aprende com a maturidade está fadado á decadência moral na velhice. Saber viver, com certeza, é preparar o terreno para entrar na velhice com dignidade. É criar valores que sirvam de suporte num momento em que faltam forças físicas para superar a vida. É por ser o homem uma criatura capaz de pensar a si mesmo e de questionar a própria existência que se diferencia dos animais.
Maria estava cansada de tudo aquilo. Queria a rotina, as coisas simples do dia a dia, preparar uma sobremesa especial, tomar um vinho num dia de chuva, curtir a companhia silenciosa enquanto cada um lia seu livro. Não tinha situações semelhantes para lembrar, portanto queria construir cada etapa de uma vida a dois.
Hoje, por alguns momentos, ela acreditou na esperança. Por alguns momentos apenas.
Maria chega em casa arrasada. Encontrava-se com a realidade, com elementos que enriqueciam seu conteúdo no pequeno círculo masculino em que transitava.
Conversava com desconhecidos, fazia-lhes perguntas íntimas, queria saber como se sentiam diante das adversidades, dos relacionamentos. Eram homens comuns, alguns com o brilho da inteligência, com enorme capacidade de realização, mas comuns. O que os fazia iguais era sempre a forma de se relacionar, de objetificar a mulher, de colocar o sexo em prioridade ao Ser.
Aquela pesquisa a deixava confusa. O questionário era padronizado, com pouquíssimas perguntas abertas, mas de alguma forma ela pressentia que a margem de erro seria mínima mesmo se xerocasse os questionários. As respostas pareciam ensaiadas, ainda que se diferenciassem quanto à religião, ao grau de instrução e à classe social.
Quando se aventurou a descrever o comportamento masculino do homem de meia idade, acreditava que seria uma grande oportunidade de conhecer pessoas diferentes, capazes de exteriorizar as lições que aprenderam na vida. Encontrava homens pacatos, acomodados ao casamento e ao conforto de uma família, raramente encontrava homens apaixonados por suas mulheres. Encontrava homens voltados para a neurótica ascensão profissional, para a vigilância da fortuna acumulada, para a preservação de uma imagem de homem forte e viril. Encontrava homens fracos e desiludidos, viciados mal resolvidos, buscadores incansáveis de uma felicidade utópica, mas não encontrava o homem que queria. Não era o homem perfeito que buscava para ilustrar seu trabalho, mas o homem consciente, que não estivesse correndo atrás do tempo perdido, que procurasse na rotina o encantamento de um amor que se renova e amadurece com a convivência, que o trabalho não fosse a fuga da sua impotência, que o sexo anônimo não acobertasse as dificuldades da parceria constante.
O homem que não aprende com a maturidade está fadado á decadência moral na velhice. Saber viver, com certeza, é preparar o terreno para entrar na velhice com dignidade. É criar valores que sirvam de suporte num momento em que faltam forças físicas para superar a vida. É por ser o homem uma criatura capaz de pensar a si mesmo e de questionar a própria existência que se diferencia dos animais.
Maria estava cansada de tudo aquilo. Queria a rotina, as coisas simples do dia a dia, preparar uma sobremesa especial, tomar um vinho num dia de chuva, curtir a companhia silenciosa enquanto cada um lia seu livro. Não tinha situações semelhantes para lembrar, portanto queria construir cada etapa de uma vida a dois.
Hoje, por alguns momentos, ela acreditou na esperança. Por alguns momentos apenas.
sexta-feira, 7 de janeiro de 2011
A verdadeira beleza é triste
O ano está no fim. A data é um misto de tristeza e de alegria, de vida e de morte. De um lado a comemoração dos 59 anos de casamento dos seus pais, do outro a saudade pelos três anos sem a presença de sua tia querida. Após o almoço em família, Maria e sua mãe levam flores ao cemitério. Falam de saudades, de preocupações, dos sonhos e pesadelos, e do vento. O vento que parece beijar-lhes o rosto, mas que não permite manter a chama acesa, como se estivesse a lhes dizer que um dia tudo se acabará com um sopro. Ainda estavam reflexivas quando foram interrompidas pelo chamado ao celular.
Em menos de meia hora Maria já estava providenciando sua viagem para o Rio de Janeiro. O motivo bem que poderia ser o Réveillon, a queima de fogos em Copacabana, a reunião com os amigos que também estariam lá. O motivo era bem outro e a passagem do ano foi solitária. Da sacada vê alguns fogos de artifício na orla e na Marina da Glória; mais distante, o pipocar de luzes e cores em Niterói. Nenhum espetáculo. Grossas lágrimas lhe escorrem pelo rosto. Marcava-se naquele momento mais um reinício, no tempo e na vida. Recomeçar, reestruturar, refazer-se, com algumas diferenças, desta vez não precisava reencontrar-se consigo mesma. Há algum tempo suas idas ao Rio de Janeiro não tinham o mesmo sabor e entusiasmo da sua juventude.
Nos dias que se seguiram Maria pôde observar – e aí não sabia explicar se era apenas a sua percepção – que o Rio de Janeiro não era mais o mesmo. Cheirava a mofo, à decadência; as paredes do casario antigo, por todos os lados, estavam infiltradas. Ao subir e descer a Ladeira Nossa Senhora da Glória, observa o muro de pedras musgosas do Outeiro, não pode negar a sua beleza histórica. Entre uma pedra e outra, nascem árvores, plantas, samambaias e as raízes expostas evidenciam o capricho com que a Natureza tece o tempo. Na rua calçada com paralelepípedos sabe que terá que usar sandálias rasteirinhas, porque assim como o Rio envelhecia, ela também. Saltos altos e elegância naquele trajeto, não lhe pertenciam mais. Chegou exausta ao topo.
Mais dois dias e Maria fazia seu caminho de volta para casa. Deixava parte de uma história para trás. Vivenciou momentos de muita dor, de renúncia, de desapego. De despedidas. Pôde compreender que é na memória que ficam os verdadeiros registros e os motivos da angústia; que uma caixa de fósforo de papel, com a propaganda de um restaurante, é mais difícil de jogar no lixo, que um aparelho de televisão ou qualquer outro eletrodoméstico. Que o cheiro de mofo se mistura ao ranço da vida. Buscou forças em esconderijos interiores, sabia que aquela não era a sua história, mas era co-protagonista. Daqui pra frente a sua vida não será mais a mesma.
Em menos de meia hora Maria já estava providenciando sua viagem para o Rio de Janeiro. O motivo bem que poderia ser o Réveillon, a queima de fogos em Copacabana, a reunião com os amigos que também estariam lá. O motivo era bem outro e a passagem do ano foi solitária. Da sacada vê alguns fogos de artifício na orla e na Marina da Glória; mais distante, o pipocar de luzes e cores em Niterói. Nenhum espetáculo. Grossas lágrimas lhe escorrem pelo rosto. Marcava-se naquele momento mais um reinício, no tempo e na vida. Recomeçar, reestruturar, refazer-se, com algumas diferenças, desta vez não precisava reencontrar-se consigo mesma. Há algum tempo suas idas ao Rio de Janeiro não tinham o mesmo sabor e entusiasmo da sua juventude.
Nos dias que se seguiram Maria pôde observar – e aí não sabia explicar se era apenas a sua percepção – que o Rio de Janeiro não era mais o mesmo. Cheirava a mofo, à decadência; as paredes do casario antigo, por todos os lados, estavam infiltradas. Ao subir e descer a Ladeira Nossa Senhora da Glória, observa o muro de pedras musgosas do Outeiro, não pode negar a sua beleza histórica. Entre uma pedra e outra, nascem árvores, plantas, samambaias e as raízes expostas evidenciam o capricho com que a Natureza tece o tempo. Na rua calçada com paralelepípedos sabe que terá que usar sandálias rasteirinhas, porque assim como o Rio envelhecia, ela também. Saltos altos e elegância naquele trajeto, não lhe pertenciam mais. Chegou exausta ao topo.
Mais dois dias e Maria fazia seu caminho de volta para casa. Deixava parte de uma história para trás. Vivenciou momentos de muita dor, de renúncia, de desapego. De despedidas. Pôde compreender que é na memória que ficam os verdadeiros registros e os motivos da angústia; que uma caixa de fósforo de papel, com a propaganda de um restaurante, é mais difícil de jogar no lixo, que um aparelho de televisão ou qualquer outro eletrodoméstico. Que o cheiro de mofo se mistura ao ranço da vida. Buscou forças em esconderijos interiores, sabia que aquela não era a sua história, mas era co-protagonista. Daqui pra frente a sua vida não será mais a mesma.
Assinar:
Postagens (Atom)