terça-feira, 7 de julho de 2020

Buscadores da Luz

Benedicto Fernandes *16/06/1940 + 05/07/2020


29 de dezembro de 2010. Durante uma visita ao cemitério para levar flores à minha idolatrada tia Alice sou surpreendida com uma ligação do Tio Dicto. Estava mal, havia sucumbido à dor de ter perdido seu companheiro, que morreu dois anos antes. Foram 36 anos de amor e companheirismo e como ele dizia: ”Amei e fui amado. Eu vivi”.

No dia seguinte eu partia para uma das minhas viagens mais difíceis de minha vida. Fui para fazê-lo se despedir de toda sua vida, todas suas lembranças, tudo que lhe havia sido tão caro conquistar. Muitas dessas lembranças também eram minhas. Todas as viagens divertidas ao Rio de Janeiro foram partilhadas com meus tios Dicto e Alexandre. E naquele dois últimos anos estive no Rio por quatro vezes. Fui apresentá-lo ao gerente do banco, ao jornaleiro, ao farmacêutico, ao garçom do Restaurante Amarelinho e ensiná-lo a fazer supermercado, comprar coisas de rápido preparo. Era a primeira vez que ele iria morar sozinho. A última viagem foi de despedida. Sabíamos que ele nunca mais voltaria lá. Escrevi uma história https://maishistoriasdemaria.blogspot.com/2011/01/verdadeira-beleza-e-triste.html .

 Em outra, que está em meu livro, eu o chamei de meu bendito tio Teófilo, porque Deus era um dos nossos assuntos preferidos. Somos uma família de buscadores da Luz.
Postei abaixo duas músicas O Sol e Sutilmente, músicas que ouvíamos juntos. Tem muitas outras, mas essas pularam agora em minha mente. Ouçam. É um pouco da nossa história.
Domingo, depois de passar mal e ser socorrido, meu querido tio partiu. Na verdade ele já estava morto por dentro e sempre pedia a misericórdia de Deus para não lhe prolongar tanto a vida, tão diferente da que ele gostava. Viveu recluso em seu quarto, saindo poucas vezes, cuidava do meu jardim, ouvia música, assistia televisão, mas não podia ler, nem escrever. Sim, ele também foi um escritor. Inédito. Guardo seus manuscritos, autorizados para publicação somente depois que ele morresse. Foram nove anos e meio em que brigamos por suas teimosias, rimos e choramos. Fomos felizes dentro do possível.

No final, com Parkinson, Alzheimer, um aneurisma da aorta infra-renal com 12cm e que não chegou a se romper, Tio Dicto me surpreende com uma parada cardíaca. A exemplo do meu pai, ele também se foi com serenidade. A última coisa que me disse antes de entrar na ambulância foi “estou pronto”, e na ambulância disse á minha filha que o acompanhava: “agora sim, estou no caminho certo”.  Meu amado buscador da Luz se foi. Mais uma estrela brilha hoje neste céu de lua cheia.