quarta-feira, 14 de maio de 2014

Intimamente intenso

Francesco Hayez
Acordo sentindo ainda sua mão despudorada investigando cada milímetro de meu corpo, penetrando as minhas entranhas. Mergulho a cabeça entre lençóis e travesseiros, testemunhas de meus sonhos, de minha solidão compartilhada. É como se você me espreitasse. Perturbo-me com as lembranças de uma música suave composta de suspiros, respirações ofegantes e algumas palavras, por que nem sempre são necessários poetas para fazer poemas e muito menos palavras que rimem. Quero ficar na cama o dia todo, mas não posso. Fico mais um pouco, perdida com minha música que ninguém ouve, de olhos fechados, com o pensamento fixo no vazio, a aguardar alguém que não vai chegar. Murmuro coisas que você não ouve, não ouvirá. Estou no limite do prazer e da posse, o penso em você como se meditasse sobre o princípio da vida. E continuo a dormitar no silêncio que o prazer me transmite. Seria um crime violar a propriedade sensual que essas imagens me inspiram. Em meu abandono, está outra forma de ser possuída sexualmente. Entrego ao tempo a sexualidade do corpo, sem medo. Como um relógio que para o instante, cheio de imagens provocantes, que traz você, de novo, para perto de mim.


sexta-feira, 9 de maio de 2014

Lua de mel com café


Au Café, deWillard Leroy Metcalf 

Um dia atípico,
De emoções mexidas
Revolvidas entranhas
Um sonho menino
Vigoroso e belo.
Convicções estranhas
Um olhar profundo,
Tristonho e colorido
Dualidade extrema
Um caminhante errante
Na estrada que sou
Pausa para café.
Tem gosto de mel
Lua cheia, lua mágica
Luz que reflete
A solidão de ser
Sem luar, sem violão
a vida segue em frente.


sábado, 3 de maio de 2014

A dança do tempo


Claude Lorrain (1600-1682)
The Dance Of The Seasons

Poucas vezes paramos para observar e tentar compreender o tempo – embora inteligentemente dividido em segundos, minutos, horas, dias, meses, anos, anos-luz – a percepção dele é individual. Quando se aguarda por alguma coisa, parece que o relógio para. O tempo fica estacionado na ansiedade. Outras, quando se tem tanto para fazer, o tempo lhe foge das mãos. É tudo tão rápido, como se fosse um piscar de olhos. A história, a memória, as contingências da vida, as esperanças, as expectativas delineiam o tempo, criam uma linha imaginária, situam-nos, mas o significado do tempo passa despercebido. O jovem não conta o tempo. A vida lhe parece eterna. O tempo continua a ser contado em dias, anos, até que, na estação da existência, se chega ao outono/inverno. Um dia buscamos na memória e vemos a linha do tempo. Então é tempo de correr, de viver o que ainda não viveu, e o tempo se acelera à sua frente. Ele corre, mas o tempo é mais ágil, corre mais depressa. Também chega o tempo em que não há mais pressa. O tempo está sempre ali. Um tempo que permite ser sentido, que transforma sentimentos, que destrói as ilusões e indica a direção a ser tomada. “Estrada eu sou”, diz Almir Sater na música “Tocando a vida”, uma composição inteligente em melodia e letra: Só levo a certeza/ De que muito pouco sei,/ Ou nada sei./ Penso que cumprir a vida/ Seja simplesmente/ Compreender a marcha/ E ir tocando em frente. Assim, os sonhos, as fantasias, o lúdico, o conto de fadas, são elementos de um mundo antigo que não nos pertence mais.