sexta-feira, 11 de abril de 2014

Histórias Prá Boi Dormir

Witches Sabbath, de Francisco Goya
Noite de lua cheia. No pequeno vilarejo de Rancho Fundo, onde a luz elétrica ainda não chegou, os mais velhos se reúnem em frente ao largo da capela para contar histórias. Faz um pouco de frio e a fogueira tem então duas funções: aquece e assa batatas doces, banana da terra e milhoverde. É uma noite comum e as crianças, que se aproximam alvoroçadas, logo encontram um lugar perto da fogueira onde ficam caladas esperando pelos casos verídicos. Daqueles que os contadores juram ter visto "com os olhos que a terra há de comer".

Um pouco isolada da maioria, Maria presta atenção em cada palavra. Rita é a primeira a contar um fato que marcou sua vida para sempre. Sua primeira filha evidencia alguns traços de deficiência mental e ela explica como foi que a criança ficou doente.

- Estava dando "mamá" para ela, recém-nascida, quando uma cobra que estava escondida entre os caibros, desceu e começou a mamar no outro peito. Eu nunca acreditei que existisse aquele tipo de cobra, que se sentia atraída pelo cheiro de leite. Mas ainda bem que mamãe tinha avisado que quando isso acontece a gente não pode se mexer, senão a cobra mata a mãe envenenada e a criança enforcada. Fiquei quietinha, mas a criança ficou assim, doente.

- Cruz credo!
- Virgem Maria!
- Que coisa horrorosa, exclamavam as crianças com os olhares arregalados.

Mal Rita termina a sua história, Benedita comenta:

- Ah! Isso não é nada! Vocês sabem o que aconteceu comigo há uns tempos atrás? Naquela época que eu era incrédula e curiosa? Pois eu vou contar:

 - Conta! Conta!, pediam os meninos.

 - Toda noite, quando eu ia me deitar eu ouvia uma pessoa passar gritando "Ai meu fígado, meu fígado, meu fígado. Ai meu fígado, meu fígado, meu fígado". Um dia resolvi levantar para ver quem era e me deparei com um monstro horrível, ensangüentado, que procurava o caçador que o havia atingido no fígado.

- Essa é pequena perto da minha, comenta Tia Marica.

- Um dia estava na janela, era uma noite de lua cheia como hoje e eu não queria dormir porque fazia calor. Quando deu meia noite vi um grupo de pessoas se aproximando e percebi que era uma procissão. Achei estranho, não conhecia ninguém. Elas traziam uma vela acesa na mão e a última pessoa da fila me entregou a vela e disse que voltaria no dia seguinte, no mesmo horário,  para buscar e que eu não podia deixar apagar. No dia seguinte, quando eu acordei, no lugar da vela estava um osso humano e eu fiquei pra morrer de medo, principalmente porque tinha que entregar o osso naquela noite. Sem alternativa,  fui para a janela de novo à meia noite. Veio a procissão e a mulher parou na minha janela e pediu a vela.Nessa hora apareceu uma caveira que veio correndo  em minha direção sem um pedaço do braço gritando "Quero meu braço, quero meu braço". Entreguei o osso rapidamente e tentei fechar a janela, mas a mulher me impediu. Está vendo? Isso é para você deixar de ser curiosa,  ir dormir cedo e nunca mais atrapalhar a procissão dos mortos.

- Entendi, retruca imediatamente Maria, vocês pensam que botando medo na gente, nós vamos dormir cedo? Podem contar mais histórias pra boi dormir, porque aqui ninguém tem medo de fantasmas.

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