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Witches Sabbath, de Francisco Goya |
Noite de lua cheia. No pequeno vilarejo de Rancho Fundo, onde a luz elétrica ainda não chegou, os mais velhos
se reúnem em frente ao largo da capela para contar histórias. Faz um
pouco de frio e a fogueira tem então duas funções: aquece e assa batatas
doces, banana da terra e milhoverde. É uma noite comum e as crianças, que se
aproximam alvoroçadas, logo encontram um lugar perto da fogueira onde
ficam caladas esperando pelos casos verídicos. Daqueles que os
contadores juram ter visto "com os olhos que a terra há de comer".
Um pouco isolada da maioria, Maria presta atenção em cada
palavra. Rita é a primeira a contar um fato que marcou sua vida
para sempre. Sua primeira filha evidencia alguns traços de deficiência mental e
ela explica como foi que a criança ficou doente.
- Estava dando "mamá" para ela, recém-nascida, quando uma cobra que
estava escondida entre os caibros, desceu e começou a mamar no outro
peito. Eu nunca acreditei que existisse aquele tipo de cobra, que se sentia atraída
pelo cheiro de leite. Mas ainda bem que mamãe tinha avisado que quando
isso acontece a gente não pode se mexer, senão a cobra mata a mãe
envenenada e a criança enforcada. Fiquei quietinha, mas a criança ficou
assim, doente.
- Cruz credo!
- Virgem Maria!
- Que coisa horrorosa, exclamavam as crianças com os olhares arregalados.
Mal Rita termina a sua história, Benedita comenta:
- Ah! Isso não é nada! Vocês sabem o que aconteceu comigo há uns
tempos atrás? Naquela época que eu era incrédula e curiosa? Pois eu vou
contar:
- Conta! Conta!, pediam os meninos.
- Toda noite, quando eu ia me deitar eu ouvia uma pessoa passar
gritando "Ai meu fígado, meu fígado, meu fígado. Ai meu fígado, meu
fígado, meu fígado". Um dia resolvi levantar para ver quem era e me
deparei com um monstro horrível, ensangüentado, que procurava o caçador
que o havia atingido no fígado.
- Essa é pequena perto da minha, comenta Tia Marica.
- Um dia
estava na janela, era uma noite de lua cheia como hoje e eu não queria
dormir porque fazia calor. Quando deu meia noite vi um grupo de pessoas
se aproximando e percebi que era uma procissão. Achei estranho, não
conhecia ninguém. Elas traziam uma vela acesa na mão e a última pessoa
da fila me entregou a vela e disse que voltaria no dia seguinte, no mesmo
horário, para buscar e que eu não podia deixar apagar. No dia seguinte,
quando eu acordei, no lugar da vela estava um osso humano e eu fiquei
pra morrer de medo, principalmente porque tinha que entregar o osso
naquela noite. Sem alternativa, fui para a janela de novo à meia noite.
Veio a procissão e a mulher parou na minha janela e pediu a vela.Nessa hora apareceu uma
caveira que veio correndo em minha direção sem um pedaço do braço gritando "Quero meu
braço, quero meu braço". Entreguei o osso rapidamente e tentei fechar a
janela, mas a mulher me impediu. Está vendo? Isso é para você deixar de ser curiosa, ir dormir
cedo e nunca mais atrapalhar a procissão dos mortos.
- Entendi, retruca imediatamente Maria, vocês pensam que botando
medo na gente, nós vamos dormir cedo? Podem contar mais histórias pra
boi dormir, porque aqui ninguém tem medo de fantasmas.