quinta-feira, 9 de maio de 2013

MENSAGEM PÓSTUMA AO PROFESSOR BENEDITO FIGUEIREDO





Querido Professor Benedito:


Quando nesta manhã, ainda escura, o telefone tocou, anunciando que você se despediu de todos nós, pude, um pouco mais tarde, comprová-lo com meus próprios olhos – ainda pude ver o brilho de sua fisionomia, dizendo-nos adeus.
Meus ouvidos também puderam confirmar sua despedida. Já não mais ouviam as palavras paternas, tantas e tantas vezes proferidas nesses quarenta e três anos de convivência.
Ainda que meus olhos e meus ouvidos sejam disso testemunha, a alma profunda, não. Também não é testemunha o sentimento de filho que carrego no peito. Minha alma e meu sentimento teimam em não aceitar sua partida.
De forma egoísta, pensando somente na alegria que sua presença para nós significava, pedimos muito a Deus que o conservasse em nosso meio. E Ele nos atendeu. Hoje, no entanto, quis chamá-lo para mais perto.
O tempo, que tudo destrói, poupou-lhe o bom humor, conservou-lhe o gênio bom, não lhe desfigurou a lucidez de suas palavras, concedendo-lhe até mesmo um centenário, e mais três anos de lambujem, de xepa, como nos dizia sempre. Sou disto prova: deu-lhe um centenário, sem lhe dar a velhice.
Por ocasião de sua festa de 100 anos, tive a oportunidade de dizer-lhe, tomado de afeição, que não foi à toa que lhe deram este nome: BENEDITO. Significa bendito, portanto privilegiado, querido por todos. Em suma, um abençoado, alguém protegido pelos deuses. BENEDITO.
Sempre soube de seu carinho por Dom Aquino. Afinal, vocês foram vizinhos, e, na casa de seus pais, quis o futuro arcebispo de Cuiabá despedir-se do mundo para abraçar a vida religiosa. Mais tarde, transformou-se Dom Aquino no grande nome deste Estado. Ninguém, comparado a ele, cantou de forma tão brilhante as belezas e as grandezas de sua terra, pintando-a com matizes singularmente exuberantes.
Pois bem, Dom Aquino, entre as inúmeras poesias com que nos brinda em vida, fez uma toda especial, pensando em seu encontro amoroso com Deus. Curioso: confere a ela, como título, o mesmo que Olavo Bilac dera a uma de suas poesias: In extremis. Este o significado: nos extremos, no último momento. Dizia-me o querido professor Benedito: in extremis é o mesmo que in articulo mortis, isto é, em artigo de morte, na hora da morte, na hora extrema.
Havia, no entanto, diferença gritante entre a poesia de Olavo Bilac e a de Dom Aquino. Bilac recorre a ela para se lastimar da vida, arrependido das coisas que deixou de realizar. Dom Aquino, ao invés disso, louva o Criador, bendizendo os encantos a ele proporcionados. Enquanto um chora o tempo perdido, o outro agradece a Deus a beleza e a maravilha da vida.
Fiquemos com apenas duas estrofes da poesia de Dom Aquino:

Quero morrer, meus Deus, / Quando Tu bem quiseres.
Esplenda a primavera / Em flores, malmequeres,
Ninhos cantando no ar, / Aos perfumes do vento,
E “asas tontas de luz, /Cortando o firmamento”.

Espero que Maria, / A mãe que Tu me deste,
Imagem virginal / Da bondade celeste,
Seja comigo, / E junto ao leito da agonia,
Mãe de misericórdia: / Ore, ajude e sorria.

Professor Benedito, pude, às centenas, ouvir de sua boca quanto era agradecido pelas coisas maravilhosas com que Deus, vida fora, o presenteou. Deus já o acolheu, estreitando-o nos braços, estamos certos disso, acompanhado que foi pela Virgem Auxiliadora, de quem era particular devoto.
Repitamos juntos:
Espero que Maria, / A mãe que Tu me deste,
Imagem virginal / Da bondade celeste,
Seja comigo Mãe de misericórdia: / Ore, ajude e sorria.

Bem isso: que ela ore, isto é, interceda por sua entrada na casa do Pai. Que o ajude. Afinal, entrar no céu amparado pela mãe de Deus é passaporte garantido. Ninguém – quem ousará? – haverá de barrá-la. Por fim, que ela sorria, fazendo-o com o sorriso que lhe é tão peculiar, em sintonia com as mães. Quantas vezes em vida, da mesma forma como os rios procuram necessariamente o mar, também você, quando as dificuldades se lhe apresentaram, também você caminhou ao encontro do carinho e da proteção de Nossa Senhora.
Professor, saudades imorredouras.
Viver no coração dos que amamos de verdade é não morrer, jamais. Querido pai, querido amigo, querido mestre. Continuará vivo, sempre, na mente e na alma dos que tiveram a felicidade de conviver com você. Obrigado por tudo.
Nós o amamos! O professor Bendito – digo-o assim mesmo, de propósito –, o professor Benedito não jaz: ele existe em nós.


Germano Aleixo Filho, professor da UFMT.
Tributo ao inestimável professor Benedito,
pela extrema gentileza com que me distinguiu.
Cuiabá, 6 de maio de 2013.

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