Querido
Professor Benedito:
Quando nesta manhã, ainda escura, o telefone tocou, anunciando que você
se despediu de todos nós, pude, um pouco mais tarde, comprová-lo com meus próprios
olhos – ainda pude ver o brilho de sua fisionomia, dizendo-nos adeus.
Meus ouvidos também puderam confirmar sua despedida. Já não mais ouviam
as palavras paternas, tantas e tantas vezes proferidas nesses quarenta e três
anos de convivência.
Ainda que meus olhos e meus ouvidos sejam disso testemunha, a alma
profunda, não. Também não é testemunha o sentimento de filho que carrego no
peito. Minha alma e meu sentimento teimam em não aceitar sua partida.
De forma egoísta, pensando somente na alegria que sua presença para nós
significava, pedimos muito a Deus que o conservasse em nosso meio. E Ele nos
atendeu. Hoje, no entanto, quis chamá-lo para mais perto.
O tempo, que tudo destrói, poupou-lhe o bom humor, conservou-lhe o gênio
bom, não lhe desfigurou a lucidez de suas palavras, concedendo-lhe até mesmo um
centenário, e mais três anos de lambujem, de xepa, como nos dizia sempre. Sou
disto prova: deu-lhe um centenário, sem lhe dar a velhice.
Por ocasião de sua festa de 100 anos, tive a oportunidade de dizer-lhe,
tomado de afeição, que não foi à toa que lhe deram este nome: BENEDITO.
Significa bendito, portanto privilegiado, querido por todos. Em suma, um
abençoado, alguém protegido pelos deuses. BENEDITO.
Sempre soube de seu carinho por Dom Aquino. Afinal, vocês foram vizinhos,
e, na casa de seus pais, quis o futuro arcebispo de Cuiabá despedir-se do mundo
para abraçar a vida religiosa. Mais tarde, transformou-se Dom Aquino no grande
nome deste Estado. Ninguém, comparado a ele, cantou de forma tão brilhante as
belezas e as grandezas de sua terra, pintando-a com matizes singularmente
exuberantes.
Pois bem, Dom Aquino, entre as inúmeras poesias com que nos brinda em
vida, fez uma toda especial, pensando em seu encontro amoroso com Deus.
Curioso: confere a ela, como título, o mesmo que Olavo Bilac dera a uma de suas
poesias: In extremis. Este o significado: nos extremos, no último
momento. Dizia-me o querido professor Benedito: in extremis é o mesmo que in
articulo mortis, isto é, em artigo de
morte, na hora da morte, na hora extrema.
Havia, no entanto, diferença gritante entre a poesia de Olavo Bilac e a
de Dom Aquino. Bilac recorre a ela para se lastimar da vida, arrependido das
coisas que deixou de realizar. Dom Aquino, ao invés disso, louva o Criador,
bendizendo os encantos a ele proporcionados. Enquanto um chora o tempo perdido,
o outro agradece a Deus a beleza e a maravilha da vida.
Fiquemos com apenas duas estrofes da poesia de Dom Aquino:
Quero morrer,
meus Deus, / Quando Tu bem quiseres.
Esplenda a
primavera / Em flores, malmequeres,
Ninhos cantando
no ar, / Aos perfumes do vento,
E “asas tontas de
luz, /Cortando o firmamento”.
Espero que Maria,
/ A mãe que Tu me deste,
Imagem virginal /
Da bondade celeste,
Seja comigo, / E
junto ao leito da agonia,
Mãe de
misericórdia: / Ore, ajude e sorria.
Professor Benedito, pude, às centenas, ouvir de sua boca quanto era
agradecido pelas coisas maravilhosas com que Deus, vida fora, o presenteou.
Deus já o acolheu, estreitando-o nos braços, estamos certos disso, acompanhado
que foi pela Virgem Auxiliadora, de quem era particular devoto.
Repitamos juntos:
Espero que Maria,
/ A mãe que Tu me deste,
Imagem virginal /
Da bondade celeste,
Seja comigo Mãe
de misericórdia: / Ore, ajude e sorria.
Bem isso: que ela ore, isto é, interceda por sua entrada na casa do Pai.
Que o ajude. Afinal, entrar no céu amparado pela mãe de Deus é passaporte
garantido. Ninguém – quem ousará? – haverá de barrá-la. Por fim, que ela
sorria, fazendo-o com o sorriso que lhe é tão peculiar, em sintonia com as
mães. Quantas vezes em vida, da mesma forma como os rios procuram
necessariamente o mar, também você, quando as dificuldades se lhe apresentaram,
também você caminhou ao encontro do carinho e da proteção de Nossa Senhora.
Professor, saudades imorredouras.
Viver no coração dos que amamos de
verdade é não morrer, jamais. Querido pai, querido amigo, querido mestre. Continuará
vivo, sempre, na mente e na alma dos que tiveram a felicidade de conviver com você.
Obrigado por tudo.
Nós o amamos! O professor Bendito – digo-o assim mesmo, de propósito –, o
professor Benedito não jaz: ele existe
em nós.
Germano Aleixo Filho, professor da UFMT.
Tributo ao inestimável professor Benedito,
pela extrema gentileza com que me distinguiu.
Cuiabá, 6 de maio de 2013.
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