terça-feira, 10 de maio de 2016

Carta aos Senadores da República

The Seat of Justice in the Parliament of Paris in 1723, de Nicolas Lancret (1690-1743)
O impeachment é desagradável, apenas desagradável, porque não resolve absolutamente nada como tentarei mostrar a seguir:

1 - trata-se de retirar uma Presidenta legitimamente eleita com 54 milhões de votos;

2 - não há crime de responsabilidade, revelando que a tentativa de retirada da Chefe do Executivo, embora violenta, demonstra, em vez de amadurecimento institucional, infantilidade das instituições, não passando mesmo de "nova perspectiva de poder", vale dizer, o que muda são apenas os detentores do poder direto, alijado o povo do processo, aliás como sempre foi, conquanto agora haja muitos problemas com tal conduta, pois o povo está se politizando e vendo de onde vem a gangrena;

3 - sobre o crime de responsabilidade, é bom notar que:
3.1 - a abertura de créditos suplementares, utilizada amplamente pelos chefes do executivo, foi convalidada pelo Congresso, que, evidentemente, assumiu a responsabilidade por eles;
3.2 - as pedaladas fiscais também não o constituem, já que contratos de mútuo (empréstimos) não se confundem com pagamentos em atraso.

4 - estes são os elementos da denúncia a que o Senado está adstrito, como um órgão responsável pela análise técnica dos fatos. Por óbvio, não vem ao caso a manutenção de um governo corrupto e inerte;

5 - com relação ao governo corrupto, por informação do Congresso em Foco (http://congressoemfoco.uol.com.br/noticias/veja-a-lista-dos-parlamentares-que-sao-reus-no-stf/), há 175 políticos que são réus no STF: 40 do PMDB, 26 do DEM, 23 do PSDB, 22 do PP, 21 do PR... 11 do PT. O nome da Dilma não consta da lista da Odebrecht e não há um único ato pessoal dela que a faça, pelo menos, ser investigada. Os mensaleiros do PT têm seu correspondente no PSDB e no DEM, embora os grandes meios de comunicação silenciem sobre os dois últimos. Enquanto a VEJA fez 12 matérias de capa para o mensalão do PT, não fez nenhuma sobre o mensalão do PSDB ou do DEM. Dilma também não faz parte da lista de Furnas, enfim, é uma pessoa honesta e não se confunde com o PT, naturalmente.

6 - a inércia do governo é argumento fraquíssimo, pois após 2014 o legislativo simplesmente não a deixou fazer nada e agora diz que ela é inerte. Essa carapuça serve ao legislativo;

7 - sobre o aspecto econômico, sabemos que se trata apenas de engodo porque, em economia, quando alguém perde, alguém ganha. E basta mostrar sempre do lado que perde para influenciar o povo leigo negativamente, o que demonstra também falta de argumentos;

8 - os grandes meios de comunicação criaram uma polarização no povo que evidentemente não se esgotará com o impeachment. Será que alguém acha que, havendo o impedimento, a esquerda silenciará? Ou, não havendo, a direita modificará e passará a colaborar? Claro que não! Os polos se manterão até 2018, quando as novas eleições, sem financiamento privado, deverão trazer um novo Congresso com menos corruptos. Se não houver sido criada uma superioridade suficiente de um dos lados, o problema se estenderá até 2022 ou mais;

9 - na realidade, a manutenção da Presidenta deve-se sobretudo à preservação da democracia, ao respeito à Constituição, aos poderes constituídos. Mesmo após tais constatações, caso se opte pelo impeachment, os atuais poderes da República entrarão para a História pelo pior lado. Hoje, diversamente do passado, se entra para a História mesmo, pois os fatos ficam registrados e acessíveis a todo mundo no futuro. Não dá para mentir ou fazer de conta que algo não aconteceu. A descendência toda dos participantes ficará sabendo como tudo ocorreu;

10 - os complicadores atuais são, em primeiro lugar, a internet seguida de perto pelo crescimento da população;
10.1 - a internet está liquidando o discurso único na mídia, que, atualmente, só influencia os idosos que não se interessam pela rede e assistem sempre aos mesmos canais. Nas redes há um fantástico direito de reunião com troca de ideias e grande enriquecimento mental da população;
10.2 - sobre o crescimento populacional, observe-se que, faz uns 50 anos, era comum a existência de delegados, juízes, fiscais... chamados de "calça curta", isto é, ingressavam nas carreiras sem concurso público, apenas se valendo de suas relações com o poder. Com a paulatina migração deste para a maioria do povo, os bastiões dos privilégios tendem a desaparecer e os filhos das "elites" ou se preparam ou vão passar maus bocados. As aspas se devem ao fato de que grande parcela da classe média sofre de um complexo de inferioridade, que as faz morar no "Green House", no "Quartier Latin", na Piazza qualquer coisa, que as faz dizer que têm um "look" bonito, ou que vai fazer um "delivery", ou lembrar-se da "Black Friday", ou alimentar-se nos "Food Trucks"... Como ela se despersonaliza e se sente sem valor algum, precisa do carrão, da casona... para tampar sua insignificância. Nem deveria ser chamada de elite e, por isto, as aspas;


11 - o impeachment é a pá de cal nesse pessoal, pois, queiram ou não, até 2018 terão que mostrar sua bela cara feia. O voto restaurará uma parte da sociedade. (Por Jardel Luís Costa Leite)