Saímos cedo para a viagem à Versailles. Dedé já estava com tudo esquematizado e
reservado. Pode até ter sido coincidência, mas no vagão em fomos só tinha
brasileiro e durante a visita no palácio, o brasileiro só perdeu mesmo para os
turistas de olhos puxados. Em meio à multidão (estava muito, muito cheio) eram
muitas as vozes com sotaque brasileiro – Rio, São Paulo, Nordeste, Sul, Minas.
Não resistia pegar no pé do brasileiro, afinal o país vive, segundo informações
da imprensa a maior crise da história (memória curta. Lembro-me bem de entrevistar
o Shigeaki Ueki, quando era secretário geral do Delfin Neto, para que ele
explicasse a inflação de três dígitos). Todo mundo em viagem, bem-humorado, a
resposta era quase sempre na linha: “a gente dá um jeito de driblar. Somos
brasileiros”. Nada mal!
O Palais de Versailles mostra, definitivamente, o que é
luxo e tira da cabeça de qualquer um dos que ali estavam a ideia de riqueza. Fica
mais fácil entender a revolta da população francesa. A primeira visão do
Palácio é de encher os olhos. Todo dourado, a sensação que se tem é de que é
ouro mesmo. A manutenção ali não deve ser nem um pouco simples. Guardei o
folheto, o mapa, mas escrevo agora de um local que não tenho acesso a ele.
Então vou confiar na minha memória de um ano depois. De qualquer forma acho que
vale. Afinal o que impressiona mais, fica guardado.
Fiquei impressionada com tudo, com a falta de privacidade a
que a família real era submetida, o poder do rei no trânsito do palácio, os
detalhes da arquitetura, a riqueza do mobiliário, as obras de arte espalhadas e
o luxo, muito luxo e suntuosidade. Tudo que a gente olha é enorme. Queríamos
achar mais algum detalhe que nos revelasse como viviam os moradores da casa.
Mas os tronos/penicos estavam bem escondidos. Esse é um momento de privacidade
e de igualdade entre os seres viventes. Neste aspecto todo mundo é igual.
O Palais de Versailles é muito, muito grande, não é possível
ver tudo em um único dia, mas também não sei se aguentaria mais de um dia ali.
Foi um passeio maravilhoso, mas também cansativo. Tentarei agrupar os assuntos,
quem sabe consigo criar esses arquivos também na memória e mantê-los vivos por
mais tempo, porque as informações nesse dia foram muitas. Começo pela
história. Maria Antonieta era austríaca,
conhecemos os palácios da família quando visitamos Viena, acostumada ao luxo,
nobre criada como nobre. Foi peça de negociação para acomodar os ânimos entre
França e Áustria. Casou-se com apenas 14 anos. Mãe dominadora, marido
distante/frio, um casamento que demorou a se consumar, vivia isolada da
realidade da população e cercada de intrigas e de gente traiçoeira, é preciso
entender que ainda era uma criança e recebeu dos franceses todo o ódio que eles
nutriam pelos austríacos. Então, boa parte do meu olhar ao percorrer as
dependências do Palácio, remetiam-me à história, e em especial à uma simpatia
natural que tenho pela rainha Maria Antonieta. E foi nessa situação que ela
teve que amadurecer e morrer guilhotinada aos 37 anos.
No século XVIII não havia fotografia, então as histórias são contadas pelas pinturas. No palácio tem muitas que mostram o cotidiano da rainha com os filhos, das festas, das caçadas do rei, das saídas e retornos das batalhas. Nem preciso dizer que me maravilhei com as telas (também gigantescas) e esculturas (estas me encantavam, além das expressões, pela leveza e transparência que artistas conseguiam imprimir ao mármore). E assim também observamos que todas as imagens retratadas, nenhuma mostrava a pessoa sorrindo. E meu irmão pesquisou e concluímos: não havia dentistas, os dentes eram estragados. Mas cá prá nós, artistas são sensíveis, ligados à estética, eles sabiam que os dentes eram feios. Nessa imagem ao lado dá para ver duas obras de arte, a escultura em bronze e uma dessas telas que falei, os retratos de cenas cotidianas. Essas telas podem ser vistas com detalhes nos museus virtuais da internet. Os quartos eram todos interligados por um único corredor sem portas. O rei entrava e saía de qualquer quarto na hora que quisesse. Era absoluto também em família. Os aposentos do Rei ficavam bem no meio do Palácio, de onde ele podia se maravilhar com o sol e ter a visão dos jardins.
Os quartos e salas de chá eram até certo ponto simples. Não
é difícil encontrar algumas mobílias no estilo ainda hoje, mas sempre se
diferenciando pelos detalhes. E entre as
peças colocadas e protegidas por vidros, algumas, sim, em puro ouro. Apesar de
ser bonito de se ver, achei tudo pesado, sufocante, e meu sangue de plebeia não deixava dúvidas:
não gostaria de dormir num daqueles quartos. Meu estilo é bem clean. Gosto do
liso. Em Versailles é tudo estampado e as paredes e portais, com relevos
riquíssimos em detalhes sempre dourados, são muito desenhados.
Conta a história que a vida conturbada de Maria Antonieta levou-a a viver no Petit Trianon que foi construído para abrigar Mme. Pompadour, amante do rei Luís XV. Imaginava que veria no Petit Trianon o mesmo luxo da sede, ou pelo menos uma simplicidade mais apurada, vez que Pompadour era ligada às artes, e usava seu poder junto ao rei para beneficiar os artistas. Mas não. O Petit Trianon seria o que aqui em Goiás chamamos de barracão perto do Palácio de Versailles. E também não dá para saber como era na época de Pompadour, porque as instalações foram reformadas ao gosto de Maria Antonieta. Enfim, um pequeno castelo, que carrega as ilusões da amante e a depressão da rainha. Volto a falar da rainha quando for na Conciergerie.
Na foto, a escadaria do Petit Trianon.
Versailles é como se fosse um condomínio fechado. Toda a
corte estava instalada ali. Na internet é possível encontrar o mapa do Palácio
e de todos os anexos, mas abertos para o público só mesmo os aposentos reais e
a famosa Sala dos Espelhos. Lindíssima. O teto todo pintado –como era uso na
época – de deixar a gente com dor no pescoço de tanto olhar para cima, os
lustres chegam a ofuscar os olhos e os famosos espelhos, estrategicamente colocados
em combinação com as janelas de forma que pudessem refletir os jardins. Conta-se
que um espelho, naquela época, demorava sete anos para ser feito e se um dos
serviçais quebrasse algum, teria que trabalhar como escravo durante sete anos.
Daí o conhecido ditado que quem quebra um espelho tem sete anos de azar.
Estava muito cheio de turistas e não foi possível fazer uma foto com os jardins refletidos nos espelhos como eu gostaria, mas na internet é possível encontrar fotos profissionais que mostram a magnitude do palácio, inclusive imagens do filme Maria Antonieta. Roupas luxuosas, música da melhor qualidade, futilidades á vontade, muito "futchico de dgente batcha", e muitos dramas pessoais se desenrolavam naquele salão. Mas o melhor mesmo devia ser o baile. Dança comigo?
*
Finalmente os jardins! Fomos em abril, era primavera, embora já desenhados e replantados, ainda não estavam todo florido, mas não
impedia de admirar sua magnitude. Até porque tirando os desenhos e as espécies
de flores plantadas típicas da região, como as variedades de tulipas e lírios,
já não eram novidades depois de Keukenhof e o espetáculo de cores e raridades
que vimos. Mas tinha a imensidão, os bosques, as esculturas, e a fonte (que
estava em reforma), que deixavam o Palácio de Schönbrunn – onde Maria Antonieta
nasceu – no chinelo. E olha que Schönbrunn
é um espetáculo para os olhos.
A invasão do palácio pelo povo faminto se justifica, embora a análise completa não se encaixe neste texto. O rei tinha poderes absolutos,
a sociedade estratificada e hierarquizada e na base estavam os trabalhadores e camponeses, que viviam em extrema miséria para sustentar o luxo dos que estavam no topo da
pirâmide. A revolução foi a revolta do povo, mas depois começaram as
mudanças políticas e estabeleceram-se as lutas pelo
poder entre girondinos (alta burguesia) e jacobinos (proletariado) e a fase
de terror quando milhares de pessoas, inclusive intelectuais e artistas foram guilhotinados, como Robespierre, Danton e Marat, até
que Napoleão assume após o Golpe do Brumário com objetivo de implantar um
governo burguês, mas essa é outra história.