La Sorbonne, de Paul Joseph Victor Dargaud, |
Maria hoje está impossível, agitada, feliz e me cutuca o
tempo todo. Agora, com o olhar interrogativo, ela me mostra uma cúpula redonda em reforma. Imagino que ali seja o Pantheon, mas me lembro do mapa e me
parece que ele ficava distante do Jardim de Luxemburgo. Nada disso, é pertinho.
Saímos do jardim e estou meio tonta, perdi o norte, a direção, embora eu não
estivesse preocupada em me localizar o tempo todo. Estava com meu irmão e ele
tem um senso de direção inacreditável. Ando abobalhada até chegar. Somente duas
semanas mais tarde consigo ter essa localização clara em minha memória. No
Quartier Latin estávamos próximos de tudo e nesse domingo andamos o tanto que
conseguimos.
O Pantheon é uma edificação magnífica, suntuosa e foi
idealizado para ser uma igreja dedicada à devoção de Santa Genoveva,
originalmente deveria ser uma obra neoclássica, misturando o gótico e clássico,
mas o arquiteto morreu antes e seu discípulo não seguiu exatamente o projeto
original. Nada que diminua a majestade do edifício. Cheguei a ficar com dor na
nuca de tanto olhar para cima, encantada com os detalhes e imponência das
colunas. Atualmente o Pantheon é um mausoléu que guarda os corpos de pessoas
famosas na história da França como Victor Hugo, Voltaire, Rousseau, Marie
Curie, Emile Zola, Braille e outros, (ooops! Não, não estou hierarquizando
os mortos.)
Saímos pela lateral em direção a uma igreja atrás do
Pantheon, flanamos um pouco entre ruas com restaurantes e lojas de souvenirs
e fomos para o lado da Sorbonne. Estávamos, Maria e eu, mergulhadas em
lembranças e análise de sonhos. Quando jovem, fazendo a Aliança Francesa, construí
um sonho que nunca realizei: o de fazer mestrado na Universidade de Paris. E
agora eu estava lá, pensando em como teria sido, mas também derrubando um mito.
O que poderia ter aprendido lá que não estivesse em livros? A convivência com
estudantes franceses, conhecer “ao vivo” a cultura francesa. Claro, tudo isso
teria sido muito importante para mim, mas não foi exatamente uma frustração,
não foi determinante em minha vida. Conheci Paris de outra forma. Estudei por aqui.
Queria
registrar aquele momento. Enquanto fotografo a lateral do prédio, um senhor que
passava me provoca em francês, o tom de voz me soou irritado:
- Savez que vous voulez photographier? Ici l'Université de
Paris, Sorbonne.
- Oui je sais. Le rêve de petite était d'étudier ici.
Falo isso e me assusto! Não pensei, não elaborei nada na
cabeça, mas percebo que também me senti ligeiramente irritada. Era isso. Diz-se que o
francês não gosta muito de turistas e eu senti a abordagem como uma provocação.
Maria nessas horas é 10! Ela salta à frente mesmo para me proteger. Foi ela que atiçou: revida, revida! E ter
respondido em francês parece que formou-se um tipo de empatia.
- Oui. Vous parlez français!, comenta com ar de
admiração.
- Pas! Je parle très mal, mais comprends tout.
A partir daí entabulamos um papo de uns 20 minutos, em francês!
Para mim foi a glória. Estava me comunicando, às vezes entrava um espanhol no
meio, como quando ele me perguntou o que eu fazia no Brasil e eu respondi que
era periodista. Juro! Jornalista é tão parecido com journalist que me esqueci. Tudo bem. Ele entendeu. Falamos até de política.
Ele me perguntou o tamanho da crise brasileira. E eu respondi que depois dos
japoneses, o maior número de turistas que vi durante a viagem era de
brasileiros e que a crise era uma construção da mídia. E aproveitei para falar
das mudanças ocorridas nos últimos 13 anos.
Ao final ele me cumprimentou pelo esforço em me comunicar na língua
dele, criticou os turistas americanos e desejou vitórias ao Brasil. Meu dia
estava ganho!
Da Sorbonne nos encaminhamos para a Catedral de Notre Dame,
mas antes de chegar, chamou a nossa atenção um jardim, ou pracinha, chamada “La
forêt de la licorne”. Pelo que me lembro de ter lido na plaquinha, era um
jardim típico de proprietários mais modestos,que reproduziam florestas. As árvores dali foram plantadas
no século XIX, posteriores à idade média, mas mantinham as características de
um mundo habitado por animais fantásticos e por homens e mulheres que tinham
uma vida prazerosa. Uma espécie de cantinho para se esconder quando se sentiam
excluídos.
Sentamo-nos um pouco para ver as crianças brincar,
descansar, e colocar emoções no lugar. Nunca sabemos o que a vida nos
reserva. Entretanto, se olharmos para trás, no sentido de compreender a
história, a nossa história de vida, veremos que mudanças aconteceram e sempre para
melhorar algum aspecto de nossas vidas, ainda que pareça o contrário. Ter tudo
não significa apenas poder comprar tudo. Existem coisas que não se compram e
que, no entanto, são essenciais à qualidade de vida. A saúde é uma delas. O
dinheiro pode lhe proporcionar tratamento, mas não garantir saúde. Agradeço a Deus pela saúde, por poder estar ali. Então, aqui e agora, por mais efêmero
que possa ser o presente, é tudo que temos. Ali em que o onde é indefinido e o
agora não é quando, mas um tempo feito de instantes, de tal forma que viver o
presente é uma arte. Viajar no tempo também é arte, enriquecimento, exercício de imaginação.Nossa próxima parada será a Catedral de Notre Dame.