Chronos, de Goya |
Fiz a minha primeira cirurgia. Retirei um quadrante da mama esquerda e fiquei satisfeita com a reconstrução dela. Ficou bonita, apesar de sentir dores no braço e no ombro. Aguardei com impaciência o resultado da biópsia, com a segurança de que o médico – Dr. Júlio Roberto Bernardes Júnior – tinha optado pelo procedimento correto, sem me apavorar e me transmitindo sempre grande serenidade. Entendi nas poucas palavras, que teria que enfrentar um tratamento por radioterapia, por causa da opção conservacionista. Enfim, nada que me apavorasse, embora ele – o médico – tenha deixado claro que só poderia falar em tratamento depois do resultado da biópsia. Cinco horas em ponto entrei no site do Laboratório para pegar o resultado, e não precisava ser nenhuma especialista para entender a palavra carcinoma. Eu estava com câncer, mas sentia certo alívio em tê-lo extirpado. Minha família – próxima e/ou distante – não me deixou sucumbir. Meus amigos fizeram coro. Tinha ainda que enfrentar o médico para que ele avaliasse de forma segura e definisse o tratamento. Foi um choque!
Cuidadoso, relembrando meu histórico familiar, o médico foi decodificando o resultado: tratava-se de um câncer agressivo, de reprodução rápida e as margens de segurança, que ele havia tirado, apresentava infiltrações. Tratamento: uma nova cirurgia. Só que desta vez para retirar as duas mamas. Meus sentimentos estavam confusos. Nada explica melhor a vida, que a caminhada que se faz entre o princípio e o fim. A vida está no intervalo e a aventura de viver se consolida nas vivências e experiências. Quando experimentamos determinadas situações, sabemos que elas são íntimas, nossas, particulares. Se por um lado podemos notar as ações concretas, por outro, existe um campo mental que apenas nós temos acesso e que, muitas vezes, sepultam propósitos, dores, incompreensões. Lidamos com um aspecto obscuro da vida que não nos permite um exercício de imaginação futurística, em que dê sempre a lógica. Assim, fiquei ilhada no campo mental, vivendo meu mundinho com pena de mim.
Todos nós, em rápida revisão da própria existência, podemos observar que mesmo mantendo o mesmo cenário, nossa compreensão da vida se altera à medida que amadurecemos ou aprendemos a nos pesquisar interiormente com a consciência desperta. Ter câncer nos obriga a essa caminhada interior. É neste momento que o amadurecimento nos dita regras mais seguras e consistentes, mostrando-nos a circularidade dos comportamentos humanos. O tempo vivido nos mostra que a vida continua, mesmo com pontos nebulosos, indagações que não encontram respostas e pensamentos que surgem do nada. Mas a percepção continua sendo pessoal, mesmo que os fatos e acontecimentos sejam os mesmos para diferentes pessoas.
Não é regra geral e válida para todas pessoas, mas quero aproveitar este período para chegar ao ponto mais profundo de mim - chame esse ponto do nome que quiser -, espero desenvolver cada vez mais uma íntima convivência com o Deus de meu coração, de minha compreensão.