quarta-feira, 27 de maio de 2015

Cor, música e alegria na primavera em Graz


Desconheço a autoria, certamente, pelos detalhes  que se vê em volta da tela, algum artista de rua em Graz



A viagem para Graz foi marcada de novidades. Já não era o campo apenas que me embevecia de beleza, mas a mudança da paisagem ainda com neve, mas mostrando um pouco do brilho da primavera. Nesse dia, em especial, não amanheci me sentindo bem. Nada que não tivesse sentido antes, mas era a primeira vez desde que começamos a viagem. É sempre aquela sensação que a gente não sabe explicar: não sei se é o pulmão que pressiona o peito, ou se os ossos que se retraem e apertam o coração. A dor na cabeça chamou o silêncio para me fazer companhia, e acabamos nos separando na parada em Hegyeshalom.  A dor na cabeça passou, mas o coração estava ainda muito descompassado e quando chegamos a Meidling para fazer a troca de trem em apenas quatro minutos eu destampei a chorar. Não sabia explicar se era por causa do mal-estar ou se pela vitória de ter conseguido sem atrapalhar meus companheiros de viagem. Chegamos a Graz. Achei que nesse dia eu ficaria no hotel, mas a cidade transpirava alegria. O frio cedia espaço para a primavera entrar e, sentindo-me melhor, aprontei e fomos conhecer a cidade.

A arquitetura em Graz segue o mesmo estilo de tudo que vimos na Europa, mas menos cinzenta. Os prédios vão do branco, passando pelo bege, amarelo e até o alaranjado, azul, verde, tons avermelhados e ocres,  o que dá à cidade um tom mais quente, colorido.  Não tem tantas coisas para ver, não é uma cidade turística, e nós fomos parar lá por outros motivos. A colina com o relógio, a ilha artificial, o museu, a universidade, o castelo, algumas igrejas, tudo muito bonito, mas algumas coisas nem nos mobilizou à caminhada. Passeamos na Hauptplatz e nas imediações dela. E não nos arrependemos. Acredito que por causa da primavera, o povo estava muito alegre. Havia música em cada esquina, até um piano fora transportado para a praça. Idosos, adultos, jovens, crianças e cachorros, todos estavam na rua. Muita bicicleta. Bonde elétrico. Cafés, choperias, tudo muito acolhedor. 

Em Graz passa um rio sobre leito de pedras e faz  barulho de cachoeira,  que evocou lembranças de minha infância e adolescência. A não ser que eu vá em Pirenópolis, esse  som raramente ouço. E lá também tem ponte dos cadeados. Aliás, essa tradição de cadeados também vimos em Budapeste. A árvore do amor está cercada por uma grade e é nessa grade que os apaixonados prendem seus cadeados. Não sei onde jogam as chaves, mas em Graz e Paris, as chaves são jogadas no rio.  Eu moraria tranquilamente em Graz. Um lugar tranquilo, assim como foi tranquilo nosso passeio. Sentamo-nos em alguns lugares e apreciamos a dinâmica da cidade. Parávamos para ouvir os artistas de rua. Acho que todo mundo que tocava um instrumento estava na rua aquele dia, se não tocando, carregando seu instrumento. Talvez até procurando uma esquina que não estivesse ocupada. No final da tarde, à medida que escurecia, o vento e o frio se intensificavam e a cidade começava a se esvaziar. Tomamos um chocolate quente antes de voltar para o hotel. Nesse dia jantei uma salada com camarão e pene deliciosa, cujo sabor ainda está guardado na memória – que pretendo fazer em casa qualquer hora -  e no dia seguinte seguiríamos para Munique. Eu teria perdido um passeio adorável se tivesse cedido à pressão de me sentir doente. 

Bem, eu disse que Graz não é cidade turística. Como saber disso sem ter uma informação confiável? Cheguei à essa conclusão pelo número de câmeras fotográficas e celulares fotografando. Não eram tantos como nos outros lugares que já havíamos visitado, mas ainda assim eram muitos. Quem disse que por ali não teria brasileiros? De cara me chamou a atenção o cartaz de show do brasileiro Luiz Antônio, desconhecido por aqui, mas, certamente, um artista se virando em terras estrangeiras. E logo nos encontramos com uma amazonense que nos informou que em Graz tem considerável comunidade brasileira, com muitos artistas e que era possível, inclusive, dançar forró por lá nos fins de semana.

Gosto de ilustrar meus posts com  obra de arte e só opto por fotos quando realmente não encontro  tela que represente, de alguma forma, o conteúdo do que escrevo. Meu irmão diz que leva mais tempo para escolher a música que para editar o filme. Assim sou eu: levo mais tempo para escolher a imagem, que para escrever o texto. Selecionei alguns pintores austríacos para ver se encontrava alguma coisa de Graz e que fosse lá do passado, do século XVII, mas não encontrei. Passando por muitas coisas encontrei no blog http://michelleswafflings.blogspot.com.br/2012/04/april-2012-photo-day-challenge.html  a imagem que ilustra este texto. Infelizmente não tem o nome do autor, mas é a cara do post!

segunda-feira, 25 de maio de 2015

Nem só de valsas viveu o Danúbio

Rudolf von Alt - View of Budapest from Castle Hill at Museum of Fine Arts Budapest Hungary



Amanhece frio em Budapeste. Venta muito e uma chuva fina insistente ameaça cair a todo instante. Nem assim ficamos em casa, havia muito o que explorar e nosso roteirista havia reservado um dia para Buda e outro para Peste. Ainda não completamente invadida por turistas, a cidade é fascinante e repleta de monumentos grandiosos. É bom conhecer um pouco de sua história e, para não escrever o que alguém já fez com mais propriedade que eu faria, vai aqui um site:  http://www.aproximaviagem.pt/n5/05_budapeste.html


Conhecendo, então a história de Budapeste e sabendo do sofrimento de seu povo com o nazismo e o comunismo a cidade tem o que mostrar. Começamos com nossa tradicional caminhada até a Ponte das Correntes para ir a Buda. Antes passaríamos pela praia onde foi construído o memorial em homenagem aos judeus assassinados pela milícia fascista Arrow Cross (Cruz de Flechas) durante a Segunda Guerra Mundial, quando Budapeste se aliou ao nazismo. Eles eram obrigados a retirarem os seus sapatos antes de serem executados com um tiro na nuca ou metralhados. Os corpos caiam sobre o Danúbio e eram levados pela correnteza. Mais conhecido como Monumento do Sapatos, o monumento “Os Sapatos às Margens do Danúbio” foi idealizado pelo diretor de cinema Can Togay e criado por ele e o escultor Gyula Pauer, que criou sessenta pares de sapatos em ferro, no estilo dos anos quarenta. Os sapatos foram fixados na pedra por cerca de 40 metros e numa base de 70 centímetros. Em três pontos existem placas com o seguinte texto: "Em memória as vítimas assassinadas no Danúbio pelos militantes da Cruz de Flecha no período de 1944 e 1945. Produzido em 16 de abril de 2005." Este memorial foi erigido num sábado e instituído como o dia de lembrança às vítimas do Holocausto na Hungria.

O frio intenso e o vento dolorido no rosto parecem ter ajudado a aflorar minha sensibilidade. Chorei muito nesse dia e ainda mais porque estava lá um grupo de turistas judeus prestando homenagem. Carregavam flores que depois foram jogadas no Danúbio. Este é um Danúbio cinzento, que em nada lembra a magnitude exaltada na valsa vienense. Ele também conta histórias tristes.

A travessia pela Ponte das Correntes foi embaixo de chuva. Mal pudemos vê-la nesse dia, mas no dia seguinte a vimos sobre vários ângulos no tour de barco e de ônibus. Inclusive à noite. A Ponte é simplesmente magnífica.  Enfim, chegamos do outro lado e pegamos o funicular para subir a colina. Um carro ameaça os pedestres e quase pega minha cunhada. Aparece aí uma personagem que não anotei o nome, confiando em minha memória, e chegando ao hotel já havia esquecido. Ela deu a maior bronca no motorista e depois nos pediu desculpas dizendo que ele era um louco. Eu o fotografei um pouco depois usando um capacete vermelho e conversando com outro homem. Certamente alguém que não gosta de turistas. Lá em cima muitas lojas de souvenirs e eu só pensando na feirinha que tínhamos visto antes de chegarmos ao Danúbio. Não comprei nada, embora me sentisse tentada também a comprar um guarda-chuva.  Pensei melhor, na quantidade de coisa que eu esqueço, já havia perdido as luvas e tive que comprar novas em Praga que manchava toda minha mão (consequentemente o rosto também, e infalivelmente, o nariz, já que ficava gelado e toda hora eu passava a mão nele para aquecer um pouco) e um pouco porque o casaco que tinha elegido como curinga era impermeável. Havia me protegido muito bem. Acabei não comprando umas colheres de pau que tinha a matrioska esculpida no cabo. E não as encontrei mais.

O palácio/castelo é mais bonito visto de Peste ou do Danúbio,  mas a visão da cidade é belíssima. O Parlamento e a Basílica se sobressaem por sua imponência. A Cidadela conta histórias de medo e de bruxas que ali habitaram. O Bastião dos Pescadores guarda belas esculturas e os museus guardam as histórias da cidade, dos reis, das invasões, das revoluções. Hoje o castelo abriga o Museu da História de Budapeste e a Galeria Nacional Húngara. Tivemos sorte em presenciar uma troca de guardas e eu, particularmente, brinquei muito com um pitbull que insistia em buscar um pedaço de pau e me trazer para jogar de novo. Dócil como um poodle, atendia pelo nome de Bull.  Voltamos para Peste e pudemos comer o típico goulash servido dentro de um pão redondo. Antes passamos pela Basílica de Santo Estevão.


À noite, no hotel, recebo a notícia da morte de uma amiga de infância muito querida e isso me deixou extremamente abalada. Ainda teria o dia seguinte e eu estava especialmente triste.  A sorte é que o dia amanheceu de céu azul, sem chuva. Caminhávamos nas proximidades da Basílica à procura da  Av. Andrássy -  que faríamos à pé até a Praça dos Heróis -  quando  demos de frente outra vez com a mocinha do funicular vendendo o tour de ônibus e barco. Explicou-nos onde era a rua, mas acabou nos convencendo a comprar o tour. Foi ótimo. Poderíamos parar nos pontos turísticos, descer, fotografar, ficar o tempo que quiséssemos, e depois pegar outro ônibus. A cada meia hora parava um novo ônibus, além da vantagem de ter um áudio-guia em 23 idiomas, inclusive em português, que era o oitavo da lista. Nem preciso dizer que encontramos vários brasileiros fazendo o mesmo. Com isso o Café New York  e o Mercado Central ficou para a próxima vez, se houver.  O ticket incluía o tour noturno e o barco. Depois de completar a visita no lado Peste, fizemos o tour de barco. Almoçamos ali mesmo e fomos atendidos por um garçom húngaro que falava português. Voltamos e fizemos o tour noturno, revisitando todos os lugares e confirmando: Budapeste reluz como o ouro.




sexta-feira, 22 de maio de 2015

Bratislava é um encanto!

De main square in Bratislava, de Rudolf Von Alt (por volta de 1800)



Ao chegar na estação já percebemos a diferença de um país pobre da Europa. Em nenhum dos locais anteriores vimos carregadores de malas, mas em Bratislava tem, embora usando uns casacos uniformizados, detalhes como sapatos furados, casacos puídos e dentes estragados não passaram despercebidos. Não só os trabalhadores da gare, mas boa parte das pessoas que circulavam por ali. Os meninos não podiam acender um cigarro que logo aparecia alguém para pedir. Então, lá também tem pedinte. Não esperava encontrar isso em um país que foi comunista. Minha imaginação idealista achava que, ao sair do comunismo, a massa da população seria mais ou menos igual, teriam tido os mesmos acessos e as diferenças começariam a aparecer somente depois de algum tempo, quando os talentos pessoais se destacassem. Não foi o que percebi nessa olhada superficial. Digo superficial, porque qualquer coisa aqui publicada, carece de comprovação que vá além de meu olhar curioso.
Nas imediações da Gare a cidade é muito suja, mas à medida que nos afastamos a cidade vai ficando mais limpa e começa também a me encantar. Entendo porque os arquitetos gostam tanto de viajar pro velho mundo. Não se vê duas janelas iguais e, embora tudo pareça igual, basta um olhar um pouco mais atento, para perceber a riqueza de detalhes que diferenciam uma da outra.  Faz muito frio ainda, venta e as árvores ainda estão secas, sem folhas.  Os jardins já começam a florir.  Caminhamos da gare até a praça central na cidade velha. É pertinho. Paramos em Bratislava apenas por um dia, para não perder a oportunidade de conhecer a cidade já que fica entre Praga e Budapeste. Pegaríamos o trem à noite para Budapeste.

Acredito que vimos o principal, castelos, palácios, praças, igrejas, arquitetura rococó e gótica, que, em especial, guardavam o ambiente mágico de idade média. Mágico na nossa cabeça, porque viver nessa época certamente não era fácil. Já em Paris, meu irmão fez uma pesquisa de como era viver na Idade Média, a partir de uma observação de minha cunhada que nas pinturas/retratos não se via nenhum sorrindo. Claro! Os dentes eram estragados, não existiam dentistas. Enfim, sair de nosso mundinho sempre é um banho de história e cultura. Até porque o que a gente não sabe, vai procurar depois que se conhece. Também percebi – como a Eslováquia pertenceu ao império austro-húngaro – há muitas lojinhas lembrando o nome de Sissi e da Rainha Maria Tereza. Até as bonequinhas de porcelana que comprei tem as fisionomias e roupas das imperatrizes.
 



A cidade não me pareceu grande e eu tinha colhido poucas informações de lá antes de ir. Nada que impedisse conhecer a cidade sob outro aspecto. Artesanato, lojas de souvenirs, feirinhas na praça central, restaurantes, cafés, ainda conservam características típicas embora já estejam preparados para o aumento de turistas, o que certamente vai melhorar a circulação de dinheiro no local. Também lá tinha turistas de olhinhos puxados e brasileiros. Não como em Praga, mas já dá para perceber que cada vez mais Bratislava está sendo incluída nos roteiros. E os preços me parecera bons, pois foi lá que desandei a comprar. As echarpes mais diferentes foram de lá. E ainda me arrependi de não comprar mais. Só que era complicado, ainda estávamos itinerantes e não dava para carregar muito peso. Tenho limitações com os braços depois da cirurgia. Diverti pra caramba me soltando nas fotos com as esculturas esquisitas. Soltar não era fácil.


Almoçamos em um restaurante de comida típica e pasmem! Comi um prato que tinha arroz. A carne era de porco e o molho lembrava o barbecue.  Achei uma delícia! E no restaurante se tocava música típica.  Sinto que não consegui reproduzir com fidelidade o que vi e senti em Bratislava, por isso serei reducionista: Bratislava é um encanto! 



Hoje viajei de novo pra lá, refiz cada imagem. cada sentimento, procurei lembrar de cada detalhe, senti novamente o cheiro das guirlandas artesanais, o sabor da comida, o clima do restaurante, e o texto ficou isso aí: um amontoado de frases curtas evidenciando mais uma vez que as palavras são sempre insuficientes para reproduzir com fidelidade sentimentos e sensações.
Descrevem coisas, cenários, mas exibem seus limites quando  se trata de abordar coisas mais profundas. Não sei o que esperava encontrar, mas vi e senti gente como nós. Sofridas com o regime comunista que não é, na prática, aquilo que se propaga nos ideais. Vi avó cuidando de netos na praça da prefeitura, certamente enquanto a mãe sai para trabalhar, vi pessoas com faixas, organizadas,  reivindicando não sei o quê... nem sei se estava escrito em tcheco, alemão ou húngaro. No leste europeu, principalmente, senti o que é ser analfabeto. Não sei porquê - teria que ver se consegui registrar isso em foto, alguma palavra escrita no cartaz que me desse essa pista  - mas tenho a sensação que a passeata era de professores. Pode ser projeção de minha parte, mas estou sendo honesta.